segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

A última ceia

* Por Daniel Santos

Após mais de uma década entre a vida e a morte, a velha emitia, finalmente, sinais terminais. Sua acompanhante comunicou a iminência do óbito aos familiares e, naquela mesma noite, a casa encheu-se deles.

Alguns até choraram, mas a maioria deixara de acreditar que a velha morreria algum dia, porque, pouco antes do suspiro final, acontecia de se recuperar, assim, sem mais nem menos, como a própria fênix.

Mas agora, não. Agora agonizava, de fato. Só que se demorava demais para estrebuchar. Sua agonia e a dos demais prolongavam-se num suplício desesperador. Foi quando a acompanhante resolveu tudo.

Disse que na sua cidadezinha do interior, quando o moribundo se negava a morrer, preparavam-lhe uma refeição com tudo o que o médico proibira. Assim, com prazer irrecusável, ele se entregava para sempre.

Saíram, então, às compras com mórbido entusiasmo. Pretendiam preparar um banquete para toda a família – um banquete de despedida! Embutidos, malaguetas, defumados ... de nada faltou às exéquias.

Da cama, a velha sentia o buquê tentador que tomava todo o ambiente e, não tardou muito, uma das filhas trouxe-lhe a refeição proibida. O quarto encheu-se de familiares, cada um com seu prato.

Comeu com apetite de gironda. E repetiu! Abriu, então, um sorriso, parecia que ia dizer algo. Todos se aproximaram, mas tudo o que ouviram foi um arroto encorpado, pleno de satisfação. E a velha caiu morta.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.

Um comentário: