Odeia-me com paixão
* Por
Fernando Yanmar Narciso
Alguém provavelmente já disse que a sinceridade absoluta só vem à tona
através da raiva. Tal observação jamais foi tão evidente como nos tempos
modernos, pois o mundo parece ter perdido as estribeiras de vez! A negatividade
aparentemente tornou-se o único sentimento a nos equalizar como seres humanos.
Você aí, entediado dentro de seu cubículo na repartição, faltando algum tempo
pra hora do almoço, acaba fazendo o quê? Tira o celular do bolso, acessa o
Facebook e o Twitter e fala mal dos outros. Simples assim: Você odeia as
pessoas, e se diverte muito com isso.
O ódio é uma delícia revigorante, capaz de te arrancar da cama mais
rápido que qualquer pílula. Não é preciso hesitar, meu chapa. Se houver algo
esmagando seus calos, ponha pra fora o que lhe incomoda, doa a quem doer.
Discrição é para os fracos! Se alguém fizer um comentário capcioso em seu post
no Facebook, compre briga sem hesitar. Humilhe o bastardo até que ele deixe de
ser seu contato ou que o site te deixe em exílio por uma semana ou mais...
Depois retorne tocando todo o fogo que puder. O mundo virtual que lhe aguarde!
A grande vantagem da hipermídia, que permite que computadores, tablets e
smartphones estejam casados até que a morte os separe, é que as conversas não
precisam mais ser cara a cara. Você pode ter brigas, discussões terríveis com
gente que mora há quilômetros de distância, e se a coisa ficar muito séria
entre vocês basta eliminá-lo de sua lista de contatos e depois ficar se
vangloriando para seus amigos virtuais como foi difícil “ganhar” a discussão.
Em vez de tentar ficar numa boa e ouvir o outro lado, como pessoas civilizadas,
sua opinião é a que vale e ponto final. Quem discordar não merece o prazer de
conhecer suas ideias.
Ex-amigos virtuais atualmente possuem o mesmo status daquelas cabeças
empalhadas de animais africanos, que os caçadores dispõem ao lado da lareira.
Verdadeiros troféus invisíveis. O problema é quando o ódio rompe as barreiras
virtuais e as pessoas começam a agir aqui, fora do monitor, como seus
personagens das redes sociais. É impressão minha ou temos estado assustadores
de tão furiosos? A gente briga à toa, discute o tempo todo- às vezes com
pessoas que não têm nada a ver com o assunto, e em casos extremos basta cair
uma caca de passarinho no seu ombro pra você encharcar o carro, o posto e a si
mesmo com gasolina e riscar o fósforo.
Hitler ficaria orgulhoso da nossa geração... Quem acha que não há mais
lugar para fascismo no mundo devia dar um pulinho num estádio em dia de jogo.
Um lado da arquibancada só tem pessoas de camisa verde, o outro lado só tem
gente vestida de azul, e só esse motivo basta pra um lado querer morder a
jugular do outro? Não existe mais jogo sem linchamento de torcidas organizadas,
depredação e banhos de sangue. O que aconteceu com o espírito esportivo, gente?
Ah é, deram na cabeça dele com o pau da bandeira do Atlético Paranaense...
Pode haver atitude mais incompreensível que ter raiva de celebridades?
Pessoas que talvez nunca conheçamos pessoalmente? O consenso geral é que eles
tiveram mais sorte, são mais ricos, bonitos e famosos que eu e você nunca
seremos, daí a inveja. Aí chovem nos sites e programas de fofocas notícias de
seus inúmeros escândalos. Justin Bieber pichou muros no Rio de Janeiro e
leiloou as latas de spray? TE ODEIO! Ronaldo Fenômeno num ménage à
trois com travestis? TE ODEIO! Anitta foi antipática com fãs mais uma
vez? TE ODEIO! Kanye West fez uma réplica da pintura da Capela Sistina na sala
de jantar dele e alugou um estádio de beisebol só pra pedir uma mão em
casamento? TE ODEIO!
Em nossa atual carência de líderes carismáticos como Mandela e de
pessoas que nos inspirem por uma vida, famosos têm o anel e o dedo nas mãos.
Supõe-se que pessoas que não perdem os holofotes de vista devam ser cidadãos
exemplares e inspiradores. De bêbados, drogados e arruaceiros degenerados o
mundo já tá até a tampa. A pessoa vê as estripulias dessas celebridades levadas
e pensa com certa dose de hipocrisia “Que lixo de ser humano! AINDA BEM QUE EU
NÃO SOU ASSIM...”
Perdoem-me, jornalistas, mas para mim o maior propagador de ódio e
indignação é o noticiário. Já disse algumas vezes que os editores-chefe parecem
ter um prazer sádico em apresentar somente o caos e a destruição da sociedade
na hora do jantar. Costumam reservar as notícias mais amenas aos noticiários do
almoço. Já no Prime Time, com os donos da casa esbaforidos pela
longa jornada de trabalho, parecem dispostos a qualquer coisa para a audiência
não ter um sono tranquilo. Assaltos, assassinatos, brigas de torcida, invasões,
protestos, corrupção, massacres, bombardeios, crises econômicas, sordidez
generalizada da humanidade... É preciso muito autocontrole para não cortar os
pulsos após o irônico “Boa noite”.
Isso sem falar em nossos amados pundits, comentaristas em
geral de extrema-direita, que derramam toneladas diárias de pestilência e fúria
contra o país e o mundo de uma forma que dá novo significado à expressão
“estupro sonoro”. Criticar é preciso, mas se eles se acham tão espertos, se
sabem tanto sobre como o mundo funciona ou deveria funcionar, por que não saem de
suas bancadas futuristas e se candidatam a presidentes do mundo, para começar
uma grande revolução no planeta a seu bel prazer? Sendo tão entendidos, não
creio que não seriam carregados nos braços do povo. Sem falar que, se
continuarem tão chamejantes, eles provavelmente morrerão de AVC antes de
conhecer os netos.
Ah, o ódio... Eu te odeio, tu me odeias, ele nos odeia, nós nos odiamos,
vós odiais, eles nos odeiam. Ódio à família, aos vizinhos, aos amigos, aos
inimigos, aos recalcados, ao governo, ao país, ao mundo. Só não vale ódio ao
ódio.
*Designer e escritor. Sites:
HTTP://www.facebook.com/fernandoyanmar.narciso
http://cyberyanmar.deviantart.com
HTTP://www.facebook.com/terradeexcluidos
http://cyberyanmar.deviantart.com
HTTP://www.facebook.com/terradeexcluidos
Tanto se fala sobre amor e quase nunca sobre o ódio. "Ele está no meio de nós". Parabéns pelo ótimo texto.
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