quarta-feira, 7 de abril de 2010




Escritores da liberdade é um filme oportuno

* Por Marco Albertim

Nos Estados Unidos, na França de Sarcozy, na América Latina, mesmo tendo alguns países em transição mas a maioria com profundas diferenças sociais, o filme chama a atenção para a probabilidade de inclusão social, de grupos segregados, vivendo em guetos, com culturas de gangues. Sua mostra é oportuna no Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, nossas vitrines mais visíveis. Uma professora na Long Beach de 1992, às voltas com adolescentes hostis ao perfil da educadora, consegue incutir-lhes interesse por redação e literatura. Não tem o apoio da direção da escola, nicho de preconceitos contra negros pobres, latinos e orientais.

No início, a sequência de tomadas de uma cena dissolvendo-se para dar lugar a outra, no mesmo cenário, dá conta do pouco caso ou rejeição com que Erin Gruwell é recebida. A sala se esvazia, ela se vê só. Não tem o apoio de Scott, o marido; se o tem, é pífio. O diretor Richard Lagravanese, responsável pelo roteiro em coautoria com Hilary Swank – intérprete de Erin –, não cedeu ao molde de pôr em relevo um casal tão romântico quanto afim nos projetos de vida; deu a cada um vida própria. Scott, fiel ao modelo de casamento que se nutre tão só da maciez do colchão, deixa-a. A trama... Ou o drama ascende a uma encruzilhada densa. Sorte de Erin – e dos roteiristas – ter um pai que fora militante dos direitos civis. É no pai e nos indícios de progressos dos alunos que a professora retoma forças. Diretor e roteiristas escoram-se em episódios de 1992, ano de violentos conflitos inter-raciais.

Erin leva os alunos a um museu com imagens do Holocausto; depois, a um restaurante frequentado por sobreviventes de campos de extermínio. Ouvem, mudos, os relatos de cada um. Na sala, incita-os a ler O Diário de Anne Frank. Frank, generosa aos 13 anos, torna-se ídolo; o amor por Peter é objeto de expectativa. Miep Gies, a mulher que abrigara a família Frank no sótão de um prédio velho, torna-se heroína. A simbiose entre épocas distantes, entre gentes conhecedoras da cultura da segregação, dá-se com a vinda da amsterdamesa Miep à escola, à sala de Erin.

Os alunos, a exemplo da judia morta, fazem cada um o seu diário; avaliam-se, dão a si o conceito que fazem de si. Resgatam-se, apropriam-se de camaradagem. Como na Pedagogia do Oprimido. O fenômeno é mostrado com a mesma sequência de tomadas em que uma cena se dissolve para dar lugar a outra. Dir-se-ia que o roteirista teve o propósito de um relax; um relax, não uma concessão à conciliação de sentimentos hostis. O roteiro mostra a possibilidade de um sentimento em refluxo se deixar recuar por outro, em fluxo; Erin, encantada com os efeitos da pedagogia, recuperando-se da perda do marido.

De parabéns está a gerência de audiovisuais da Prefeitura do Recife, com a recente mostra de cinema com a temática de direitos humanos. E debates com alunos da rede municipal de ensino. No Cinema Apolo.

* Jornalista e escritor. Trabalhou no Jornal do Commércio e Diário de Pernambuco, ambos de Recife. Escreveu contos para o sítio espanhol La Insignia. Em 2006, foi ganhador do concurso nacional de contos “Osman Lins”. Em 2008, obteve Menção Honrosa em concurso do Conselho Municipal de Política Cultural do Recife. A convite, integra as coletâneas “Panorâmica do Conto em Pernambuco” e “Contos de Natal”. Tem dois livros de contos e um romance.

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