quinta-feira, 6 de agosto de 2009




PVC, o Bom Menino

* Por André Falavigna

Direto aos fatos. Não sei se o Corinthians vendeu bem ou mal seus jogadores. Aparentemente, vendeu pelo valor de mercado – ou seja, minimante bem. Não sei se deveria tê-los vendido, inclusive porque não sei se poderia tê-los segurado. Ninguém sabe. Todas essas questões deveriam ser respondidas a partir do trabalho jornalístico esportivo brasileiro. Ocorre que, infelizmente, no Brasil, a própria expressão “trabalho jornalístico esportivo” é uma contradição em termos. Como “Inteligência Militar”. “Comida Vegetariana”. “Democracia Socialista”.

Estou escrevendo com atraso, pois refiro-me ao “Linha de Passe” da semana passada – ao “Linha de Passe” de 27 de julho próximo passado (adoro escrever “p.p.” por extenso, é uma gracinha). Ainda devo qualquer comentário mais detalhado sobre o programa, a exemplo do que fiz com outros do mesmo gênero. Mas vou antecipar-me. É irresistível. Preciso oferecer aos leitores este curioso tira-gosto.

Tira-gosto merecido, aliás. Os componentes da mesa fizeram-no por merecer, eles também. Em poucos minutos e tratando de um único ponto, isolado, solitário e ofuscante, conseguiram oferecer-nos o mais bem acabado exemplo da confusão mental exibida por toda sua categoria. Ora, me dirão, não generalize. Ao que responderei: ora, há exceções, mas o mal é geral, sim senhores.

Na própria mesa houve exceção – incomum e nos mais rastejantes termos, mas exceção. Paulo Vinícius Coelho tentou despertar a razão esquecida de seus interlocutores. Mas Paulo Vinícius Coelho entrega-se com tanta freqüência ao vigor com que seus colegas dizem bobagens que, com o tempo, de tanto condescender, está se tornando um deles. A cada ocasião em que se deixa calar pelo estribilo ranzinza de gente que acha que vomitar verniz é o suficiente, sai mais diminuído dessa convivência inepta. De tanto fingir que é panaca, na esperança de ser aceito no clube dos panacas, terminará fazendo jus ao prêmio.

Ao episódio. Discutia-se o desmanche do até então melhor time do Brasil, o Corinthians. É fato, e fato que se citou durante o debate: os clubes brasileiros estão quebrados. Foram mal administrados por décadas – verdade quase auto-evidente, pois possuem algumas das marcas mais poderosas do esporte mundial e, ainda assim, estão devendo as calças. O Corinthians deve mais de cem milhões. O Palmeiras, quase a metade disso, e o São Paulo deve mais ao INSS do que todos os outros grandes paulistas – juntos. E, coisa chata, nem sempre essas entidades, igualmente depauperadas, são tratadas do mesmo modo pela crítica – notadamente pela crítica que mais ergue o tom quanto às mazelas de ordem – como direi? – estrutural. Algumas igualdades são, conforme o senso de oportunidade do frêgues, mais iguais do que outras.

O Corinthians, parece-me, vendeu os jogadores “na alta” porque precisa, afinal de contas, honrar compromissos. Não deve ter sido por gosto. Se alguém acha que há diretores enriquecendo às custas de dilapidar o patrimônio do clube, é favor partir para a seção de jornalismo policial, investigativo, e de lá tirar qualquer trabalho sério. Coelho da Cartola é que ninguém aguenta mais ver pulando por aí. Não se trata de fazer o serviço das autoridades competentes. Trata-se apenas de fazer, no mínimo, o próprio serviço.

Mas, qual o quê? O “Linha de Passe” partiu para a depredação, que é muito mais gostosa. Se não, vejamos:

Segundo a linha editorial do programa, não tenho dúvidas de que, caso Andres Sanchez começasse a atrasar vencimentos, diriam que ele é mau administrador. Como começou a fazer caixa, dizem que é mau administrador, e o dizem sem sair das linhas – seja editorial, seja de passe. Trata-se de um time entrosado: no primeiro caso, Andres seria vilão porque não honrar compromissos é índicio de má administração. No segundo, porque as receitas deveriam ser outras que não a venda de jogadores, e não são por conta de – só pode ser – má administração. Os dois raciocínios já foram sustentados à exaustão, por exemplo, por Juca Kfouri (sempre secundado por Trajano, o Sereno, e toda aquela sua nostalgia sapeca), no próprio “Linha de Passe”.

Curiosamente, ambos os jornalistas já tiveram oportunidade de citar o São Paulo como exemplo de administração moderna – ou, no mínimo, menos antiquada (o que, no fundo, não quer dizer nada: moderno não é sinônimo de bom, eficiente, ético). E dentre as provas dessa modernidade – com o que eles pretendem dizer bom, eficiente e ético, mas só dizem, sem notar, que tal coisa lhes é mais próxima no tempo do que alguma outra – está a receita supimpa que o São Paulo obtém com suas categorias de base que, vejam vocês, permitem-lhe... vender jogadores!

Alguém poderia dizer que o problema é o seguinte: como os clubes são mal administrados, precisam vender jogadores. Se fossem modernizados (seja lá o queira dizer essa joça), não precisariam – ao menos não na freqüência em que o fazem, nem muito menos para equipes de 3º ou 4º escalões, como é o caso da equipe turca que levou André Santos e Cristhian ou, ainda, como o do Dínamo que, certo dia, levou Kléber.

Mas, nesse caso, teríamos dois problemas. Melhor dizendo, o pessoal do “Linha de Passe” teria dois problemas:

1º Andres não é presidente do Corinthians há nem dois anos, e já recebeu o clube endividado – e não importa o quanto ele tenha estado, antes, ao lado de quem endividou o clube, não é plausível que já tenha tido tempo de corrigir problemas tão sérios quanto os que geraram mais de cem milhões em dívidas; ademais, as receitas do Corinthians, afora a venda de jogadores, crescem exponencialmente desde que o sujeito – bom ou mal, não vem ao caso – assumiu a presidência;

2º O São Paulo ainda tem na venda de jogadores a sua maior fonte de receitas – quando não vende, como no ano passado, fica no vermelho. Não é possível que o clube seja bem gerido segundo os mesmo procedimentos e princípios que levam o adversário a ser mal gerido. Além disso, quem já teve tempo de criar condições de sair desse ciclo dito vicioso é a direção do São Paulo que, para tanto e inclusive, estuprou o próprio estatuto que a orientava a – com mil demônios! – ter menos tempo do que tem disposto.

Durante a celeuma, mais detalhes curiosos. Primeiro, José Trajano desinformou o telespectador, dando a entender que a parcela do Corinthians sobre os direitos federativos de Cristhian era mínima ou nula, o que é bobagem pura e simples – algo que esteve claro para os que leram veículos que deveriam ser lidos, diária e atentamente, por José Trajano. A seguir, se disse espantado com o garçom de um bar em que havia estado. O sujeito, corintiano, gabava-se pelo fato de que o Corinthians agora vendia seus jogadores bem, ao passo que o São Paulo – na realidade, o São Paulo, a Traffic, Juan Figer e o mundo – andava com Hernanes encalhado. Ele e Kfouri resmungaram: “é uma completa inversão de valores”. Afinal, por mais que os clubes devam sanar suas finanças, nunca é demais lembrar que o retorno do investimento que fazem vem na forma de títulos! Ora bolas. Quem não sabe disso?

Quando, dentro de algumas semanas ou meses, alguém exaltar o bom negócio que o São Paulo terá feito vendendo Hernanes e, à guisa de mestre-sala, cagar regra a respeito do retorno do investimento nas categorias de base, lembrem-se de ir tirar satisfações, ultrajados, com o garçon do Trajano. Porque, a essa altura, o jornalista e seus colegas já estarão descendo a lenha no Flamengo, que vive atrasando salários mas segura Juan e Leonardo Silva há mais de dois anos – que irresponsáveis, esses diretores do Flamengo!

Não estou entrando – ao menos em profundidade – no mérito dessas questões, inclusive porque acho mesmo a diretoria do Flamengo irresponsável. Para piorar, também estou ignorando as queixas dirigidas contra a organização do futebol brasileiro em geral, e não somente a dos clubes. Também as tenho, assim como os membros do programa. O problema é que, para este caso como para tudo o mais, ninguém por ali está interessado em juntar lé com cré. A parada é fazer tipo.

PVC tentou dizer qualquer coisa que fizesse sentido: reportou-se às ditas questões estruturais, à economia do país, à crise global – chegou a, entre dúzias de gaguejadas, dar a impressão de que entendeu alguma coisa e de que precisava pô-la pra fora antes que esquecesse de tudo. Como não poderia ser diferente, sucumbiu ao ganidos sapienciais de um Kfouri exaltado que entende tanto de administração, planejamento e finanças quanto de sugerir presidentes para a CBF, ministros impolutos para a pasta do Esporte e prefeitos para São Paulo – é, eu me lembro dessa também. Uma piada triste.

O negócio do pessoal é falar bonito e mal. São ruins na primeira tarefa e ótimos na segunda. PVC ainda não pegou o espírito da coisa – Calazans e Márcio Guedes, francamente, não pegam espírito de porcaria nenhuma nem em mesa branca. Aliás, às vezes parecem estar falando a partir de uma, tamanha o descompasso entre o que dizem e as coisas deste mundo que não é mais deles. É de dar dó.

Quanto a Paulo Vinícius, o menino ainda tem que evoluir. Não sacou que o negócio não é vir com fatos, números e idéias sensatas, nem muito menos tentar entender algo sobre a realidade. Você está aí para atuar, meu caro. Falta-lhe algo, ainda. Nada grave, é claro. Acalme-se. Com algum esforço extra, estou certo de que conseguirá encenar, diante dos outros, o papel lamentável que se habituou a fazer diante de si.

Força, rapaz! Você chega lá!

(*) André Falavigna é escritor, tendo publicado dezenas de contos e crônicas (sobretudo futebolísticas) na Web. Possui um blog pessoal, http://ofalavigna.blog.uol.com.br, no qual lança, periodicamente, capítulos de um romance. Colabora com diversas publicações eletrônicas.

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