
Aleatoriamente
* Por Marcelo Sguassábia
Ausência de criatividade pode não significar falta de aptidão para a coisa; talvez seja simplesmente desconhecimento de técnica. Às voltas diariamente com o dilema criativo, por questões profissionais, acabei caindo recentemente num site muito interessante sobre estratégias mentais.
Uma das técnicas apresentadas me chamou a atenção: a “Random word”, também conhecida como “Estímulo Aleatório”. Resumindo, a coisa consiste em juntar uma palavra relacionada com o problema a ser solucionado a outra escolhida absolutamente ao acaso. A partir daí, a ideia é anotar as associações produzidas por essa junção, gerando assim paralelos e perspectivas novas. É como eles dizem lá no site: “o segredo é não ficar esperando a maçã cair, mas chacoalhar a macieira”.
Resolvi seguir o conselho. E cruzei “inspiração”, que era a minha angústia no momento, com a primeira palavra tirada a esmo do dicionário. Fechei os olhos, abri o Aurélio numa página qualquer, corri o dedo por ela e parei: “Brotoeja”. Caramba, brotoeja... Tudo bem que a coisa toda é aleatória, mas a aleatoriedade poderia ter sido um tiquinho mais camarada. Tentei de novo. Apareceu a palavra “Empada”. Pra achar alguma liga entre “Empada” e “Inspiração”, seria preciso estar mesmo muito inspirado. E se fosse esse o caso eu não estaria ali, botando em prática a tal da técnica...
Ainda assim, fui em frente. Caí no termo “Tubo”. Relacionando “Inspiração” a “Tubo” fui parar numa Unidade de Terapia Intensiva, com um paciente inspirando pelo tubo de oxigênio. Bom, mas e daí? Juntei isso à combinação anterior e vislumbrei um início de história: um sujeito comeu uma empada estragada, que provocou uma reação alérgica em forma de brotoejas, que o levou ao hospital. Não, não. Sem chance de ir pra frente com esse argumento de tirar o fôlego. E pensei comigo mesmo: se a questão é estímulo aleatório, eu não precisaria necessariamente me prender ao dicionário. Pronto, achei em quem botar a culpa: os escassos estímulos do pai dos burros estavam tolhendo meu incomensurável manancial criativo. Bastava que eu olhasse à minha volta, ligasse a TV, fizesse uma caminhada e deixasse fluir os múltiplos cruzamentos que me passassem pela cabeça. Genial!!
Optei pela caminhada. Coloquei bermuda e tênis e pus-me em marcha acelerada, prestando atenção em tudo o que me aparecesse pela frente. Olhando para o asfalto, vi uma pequena rachadura. Esta me levou, por um paralelo megalômano, às fendas do Grand Canyon, que por remota associação geográfica me trouxeram à mente os famosos letreiros de Hollywood, em Los Angeles. Daí foi um pulo pra me lembrar da marca de cigarros. Que trouxe à lembrança a querida vovó Chiquinha, que nos áureos tempos de fumante inveterada chegava a consumir dois maços de “Hollywood” por dia. Da vovó aos bombons de cereja Prink, que ela adorava e escondia dos netos no fundo do guarda-roupa. Do guarda-roupa ao “Mistério de Irma Vap”, onde o Marco Nanini e o Ney Latorraca trocavam de indumentária dezenas de vezes a cada apresentação. Do teatro à cortina, da cortina ao pano, do pano ao tear. O tear me lembrou “tears”, das lágrimas surgiram o colírio, que me abriu os olhos e me fez parar com a brincadeira. Interrompi a caminhada e o raciocínio. Comparei a última ideia ao ponto de partida e não vi nada que se assemelhasse a um estalo redentor. Decidi voltar pra casa.
O fato é que cheguei a 3556 caracteres, contando espaços - o que está de bom tamanho para o texto semanal. Se vai agradar ou não, é outra história. Mas valeu ter chacoalhado a macieira.
* Redator publicitário há mais de 20 anos, cronista de várias revistas eletrônicas, entre as quais a “Paradoxo”
* Por Marcelo Sguassábia
Ausência de criatividade pode não significar falta de aptidão para a coisa; talvez seja simplesmente desconhecimento de técnica. Às voltas diariamente com o dilema criativo, por questões profissionais, acabei caindo recentemente num site muito interessante sobre estratégias mentais.
Uma das técnicas apresentadas me chamou a atenção: a “Random word”, também conhecida como “Estímulo Aleatório”. Resumindo, a coisa consiste em juntar uma palavra relacionada com o problema a ser solucionado a outra escolhida absolutamente ao acaso. A partir daí, a ideia é anotar as associações produzidas por essa junção, gerando assim paralelos e perspectivas novas. É como eles dizem lá no site: “o segredo é não ficar esperando a maçã cair, mas chacoalhar a macieira”.
Resolvi seguir o conselho. E cruzei “inspiração”, que era a minha angústia no momento, com a primeira palavra tirada a esmo do dicionário. Fechei os olhos, abri o Aurélio numa página qualquer, corri o dedo por ela e parei: “Brotoeja”. Caramba, brotoeja... Tudo bem que a coisa toda é aleatória, mas a aleatoriedade poderia ter sido um tiquinho mais camarada. Tentei de novo. Apareceu a palavra “Empada”. Pra achar alguma liga entre “Empada” e “Inspiração”, seria preciso estar mesmo muito inspirado. E se fosse esse o caso eu não estaria ali, botando em prática a tal da técnica...
Ainda assim, fui em frente. Caí no termo “Tubo”. Relacionando “Inspiração” a “Tubo” fui parar numa Unidade de Terapia Intensiva, com um paciente inspirando pelo tubo de oxigênio. Bom, mas e daí? Juntei isso à combinação anterior e vislumbrei um início de história: um sujeito comeu uma empada estragada, que provocou uma reação alérgica em forma de brotoejas, que o levou ao hospital. Não, não. Sem chance de ir pra frente com esse argumento de tirar o fôlego. E pensei comigo mesmo: se a questão é estímulo aleatório, eu não precisaria necessariamente me prender ao dicionário. Pronto, achei em quem botar a culpa: os escassos estímulos do pai dos burros estavam tolhendo meu incomensurável manancial criativo. Bastava que eu olhasse à minha volta, ligasse a TV, fizesse uma caminhada e deixasse fluir os múltiplos cruzamentos que me passassem pela cabeça. Genial!!
Optei pela caminhada. Coloquei bermuda e tênis e pus-me em marcha acelerada, prestando atenção em tudo o que me aparecesse pela frente. Olhando para o asfalto, vi uma pequena rachadura. Esta me levou, por um paralelo megalômano, às fendas do Grand Canyon, que por remota associação geográfica me trouxeram à mente os famosos letreiros de Hollywood, em Los Angeles. Daí foi um pulo pra me lembrar da marca de cigarros. Que trouxe à lembrança a querida vovó Chiquinha, que nos áureos tempos de fumante inveterada chegava a consumir dois maços de “Hollywood” por dia. Da vovó aos bombons de cereja Prink, que ela adorava e escondia dos netos no fundo do guarda-roupa. Do guarda-roupa ao “Mistério de Irma Vap”, onde o Marco Nanini e o Ney Latorraca trocavam de indumentária dezenas de vezes a cada apresentação. Do teatro à cortina, da cortina ao pano, do pano ao tear. O tear me lembrou “tears”, das lágrimas surgiram o colírio, que me abriu os olhos e me fez parar com a brincadeira. Interrompi a caminhada e o raciocínio. Comparei a última ideia ao ponto de partida e não vi nada que se assemelhasse a um estalo redentor. Decidi voltar pra casa.
O fato é que cheguei a 3556 caracteres, contando espaços - o que está de bom tamanho para o texto semanal. Se vai agradar ou não, é outra história. Mas valeu ter chacoalhado a macieira.
* Redator publicitário há mais de 20 anos, cronista de várias revistas eletrônicas, entre as quais a “Paradoxo”
Vc em crise de criatividade, mestre Marcelo? Isso só pode ser brincadeira! Pois se consegue tirar um texto como este da tal crise, vc se ombreia aos magos que tiram leite das pedras! Quanta habilidade! Quanta competência! Parabéns sempre!
ResponderExcluirSafadinho!
ResponderExcluirMas que deu certo, deu.
Pode ter certeza que de imaginação fértil você foi o campeão. Poucos teriam a confiança que você demonstrou em escrever o que te deu na telha. Foi longe o bastante, não há dúvida. Ficou um pouco como a canção " estava a velha no seu lugar, veio a aranha lhe fazer mal, a aranha na velha e a velha a fiar"...
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