O verso bom
A
minha admiração pela obra de Jorge Luiz Borges é irrestrita e
jamais escondi isso de ninguém. E nem seria necessário esconder.
Praticamente todas as pessoas, através dos tempos, adotaram ídolos
nos quais se espelharam, não importa de que atividade eles eram.
Outrora, estes indivíduos tomados como referenciais eram guerreiros,
que se destacavam em batalhas, que em defesa de princípios, quer de
mera conquista de territórios.
Houve
tempo em que esses parâmetros de grandeza e de eficiência foram os
exploradores de terras desconhecidas e distantes, os grandes
navegadores, os aventureiros que incendiaram a fantasia de gerações,
notadamente dos jovens. Hoje em dia, porém, as opções são mais
modestas e estão restritas a mega-atletas (que quebram recordes e
mais recordes nas pistas e nas piscinas), jogadores de futebol,
vôlei, basquete ou qualquer outro esporte popular e/ou astros do
cinema e da música popular.
Eu,
da minha parte, elegi escritores como modelos do que sempre quis ser.
São os meus ídolos. E, entre eles, Borges ocupa, sem dúvida, lugar
de grande destaque. Confesso ter sofrido influência decisiva do mago
que tinha nos tigres, espelhos, punhais e nos labirintos verdadeira
obsessão na minha forma de fazer literatura e, sobretudo, de ver o
mundo. Claro que não foi só ele o meu guru. Fui influenciado,
igualmente, por Machado de Assis, Fernando Pessoa, Antônio Vieira,
Gabriel Garcia Márquez, Octávio Paz e tantos e tantos outros, que
me indicaram caminhos a seguir e me deram aulas de lucidez e
racionalidade em seus escritos.
Poeta,
ensaísta e contista, o escritor argentino (para mim ele mais do que
detentor de uma nacionalidade específica, é cidadão do mundo),
criou um estilo literário “sui generis”, em que seus personagens
mesclam situações de realidade e fantasia que nos enredam,
acumpliciam e convidam à reflexão. É impossível ler algum dos
seus textos sem se deter, amiúde, para refletir sobre algum dos
mistérios da vida e do universo que ele aborda, mesmo que para
discordar das suas colocações. E são tantos...
Gosto,
sobretudo, do poeta Jorge Luiz Borges. Não que despreze o que
escreveu em outros gêneros. Pelo contrário! Entendo, no entanto,
que é na poesia que ele revela toda a sua criatividade ímpar e que
transcende ao seu tempo e até à sua humanidade. Ascende, por
intermédio dela, o panteão dos imortais, ao lado de Homero,
Virgílio, Horácio, Camões e mais um punhado de gênios.
Em
uma entrevista que concedeu pouco antes da sua morte, Borges
destacou: “Não há nada neste mundo que se possa comparar ao
poeta. Porque este vislumbra o que vai além do horizonte. E isto é
o todo”. E não é?! E ele vai mais além. Considera o poeta
“construtor lírico de uma humanidade melhor”. Também penso
dessa forma.
Há,
claro, Poesia (com “p” maiúsculo) e mero arremedo dela. Há
versos marcantes, que depois de lidos nunca mais se apagam da nossa
memória e outros cujo significado não chegamos jamais a apreender e
que, por conseqüência, não geram qualquer efeito, por não
passarem de mera pirotecnia verbal.
Há
poemas que morremos de inveja por não termos sido nós seus autores
e outros tantos que não passam de empulhação, sem forma e sem
conteúdo. Que são palavras soltas ao léu e às vezes nem isso, ou
seja, meras letras esparsas ou simples sinais gráficos. Que valor
isso tem? Que sentimentos esses pseudopoemas despertam? Em mim,
nenhum. Não vejo poesia nisso. Enfim... Há gosto para tudo.
Há,
porém, algum critério que permita avaliar a qualidade dos versos de
um poeta? Qual? Afinal, trata-se de uma avaliação tão subjetiva! O
que pode me agradar, por exemplo, provavelmente desagrade à maioria
e vice-versa. Concordo que o poeta “brinque” com as palavras e
até que crie neologismos. Só não posso concordar com a violação
das regras do idioma, a pretexto de se fazer poesia. Muitos agem
assim e querem se impor como poetas. Não são! E se o forem, são de
quinta categoria.
Borges
escreveu a respeito: “Um verso bom não pode ser lido em voz baixa
– ou em silêncio. Se isso for possível, então o verso não vale
a pena, pois um verso sempre exige sua pronúncia. O verso nos faz
lembrar que, antes de arte escrita, foi uma arte oral; o verso nos
lembra que inicialmente foi um canto”. E não tem razão?
Originalmente, a poesia foi um canto. A musicalidade ainda hoje é
fundamental. Portanto, está aí um bom critério de avaliação de
versos. E quem faz essa afirmação não é nenhum poetastro,
convenhamos, mas um dos mais criativos e marcantes poetas dos tempos
modernos.
Para
Borges, um poema nunca estará concluído enquanto estivermos vivos.
O que parece ser um novo, é, na verdade, sempre o mesmo, posto que
sob novos enfoques, com outra roupagem, outras palavras, certamente,
com metáforas diversas das anteriores, mas ainda assim uma
continuidade da criação original. O que se requer do poeta é
disposição e, mais do que isso, coragem para continuar escrevendo
esse mesmo poema até encontrar um final eloqüente e definitivo para
ele. E ele jamais saberá se conseguiu concluir, de fato, ou não, o
que estava escrevendo.
Borges
acrescentou, a propósito: “Talvez em uma dezena de dias esse poema
que passei escrevendo a vida toda se transforme em uma obra completa.
Do contrário, deverei seguir pensando como Galileu Galilei, que a
valentia é uma forma de lucidez”. O dele, certamente, foi
complementado, e com talento, grandeza e sensibilidade.
Seus
versos são impossíveis de serem lidos em voz baixa e ecoam em nossa
alma vida afora. Daí Borges haver logrado aquela eternidade que
todos nós, artistas, procuramos e raros (raríssimos) conseguimos
alcançar: a da perpetuidade das obras. Inúmeras vezes ele afirmou
que sua maior ambição era ser esquecido depois que morresse. “O
tempo se encarregará de me suicidar”, afirmou, certa feita. Como,
mestre?! Como esquecer o que está gravado a ferro e fogo na memória
e no mais profundo patamar da nossa alma?! Borges é, e sempre será,
inesquecível!
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Que chique!
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