Apenas um olhar de amor
* Por
Elaine Tavares
Hoje acordei pensando
num velho amigo, desses, mortos, que povoam minha cabeceira e dialogam comigo
nas noites de solidão. Frederico, o alemão que tem incomodado desde o final do
800, as mentes modernas. O homem que fala do último homem, aquele que é puro
egoísmo. O que diz que odeia os fracos e almeja a chegada do além do homem, o
que fará a ponte para o grande meio-dia. O Fred tem lá suas idiossincrasias,
mas há muita coisa nele que me encanta. Para Nietzsche, o super-homem é aquele
que volta a ser criança, na pureza e na capacidade de enfrentar todas as dores.
Isso é fenomenal.
O que me faz dialogar
muito com Nietzsche é essa crítica que eles faz aos fracos. Ele não os suporta.
Quer que o homem seja capaz de enfrentar suas mais profundas dores, sem
esmorecer, sem se amparar em nada, muito menos em deus. O ser sozinho, rompendo
as manhãs, sem medo de nada. Esse pensar me perturba. E digo porquê. É que
também admiro a fortaleza. Essa capacidade que algumas pessoas têm de caírem
nos poços mais fundos, e subir, apenas com a força de si mesmas. Amo essa gente
que não esmorece, que avança, olhos fixos no abismo. Os fortes!
Por outro lado, todos
os dias me deparo com uma certeza quase pétrea. Nós, os humanos, somos
absolutamente frágeis. Somos feito cristal. Basta um sopro, um toque mais
apertado, um risco de labareda, e já estamos no chão. Estatelados e sós. Na
abissal e incomensurável solidão. Quando é assim, a gente olha, com olhos
pedintes, que alguém, qualquer um, nos olhe, nos toque, nos dê o braço/abraço.
Um simples gesto de amor, uma palavra. Ontem vivi isso. Um homem, desses
acadêmicos, que encontro todos os dias e que, altivo, nem me olha. Vinha
fragilizado por alguma dor, corpo torcido, caminhar trôpego. Então tropeçou. E
eu o amparei, com braço forte e com uma palavra de cuidado. Ele sorriu, me
olhou nos olhos, finalmente vendo, e seguiu, ainda cambaleando. Um laço se fez.
Um laço de amor, só capaz de existir nestes momentos.
Fiquei olhando seu
corpo sumir, dobrado de dor. E não pude conter uma furtiva lágrima, por
perceber, nele, imensa, essa fragilidade da raça. Pensei no meu amigo Nietzsche
e não pude deixar de dizer: meu bom Frederico, esta é uma marca indelével, da
qual, talvez, seja absolutamente impossível fugir. Somos fracos e só o que nos
fortalece é o olhar de amor do outro, irmão na mesma desdita. Quem sabe essa
não seja também nossa verdadeira força. A capacidade de estender esse amor, ao
outro, mesmo que o outro não seja sequer conhecido. Mesmo que pareça ameaçador.
Isso não seria coisa de Jesus? ... Creio que sim. E Nietzsche respeitava
Jesus... “O único cristão”, dizia. Por isso sigo, jesuânica!
* Jornalista de
Florianópolis/SC...
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