13 linhas atribuídas ao escritor Garcia Marquez
* Por
Isabel Furini
Positivismo é algo
muito interessante – ajuda as pessoas a ter alegria e a observar o mundo com a
cor da esperança, mas, quando frases positivas são atribuídas a personalidades
do mundo das letras, surge a dúvida sobre a autoria. O nome de García Márquez aparece
em dois textos positivos que estão sendo publicados nos blogues e sites. As
pessoas gostam das ideias e compartilham nas redes sociais.
O primeiro é postado na
internet como Carta de despedida, e muitos internautas aconselham ler, reler e
seguir, acreditando que García Márquez escreveu essa página como legado para a
humanidade, há alguns anos, quando estava com câncer. O fato irritou o autor de
Cem Anos de Solidão. Ele disse: “Lo que me puede matar es que alguien crea que
escribí una cosa tan cursi". O verdadeiro título desse texto é Marionete,
e parece que a autoria é do ventríloquo Johnny Welch.
Com a morte de García
Márquez, pulula na internet outro texto com mensagens lindas, mas sem o estilo
literário que caracteriza esse autor. Custa acreditar que alguém capaz de
escrever O Amor nos Tempos do Cólera tenha perdido sua arte e escrito "13
linhas para viver". Procurei na internet e encontrei poucos sites
declarando que esse texto não é de García Márquez, esperamos que alguém da
família, amigos ou sua agente literária se manifeste sobre o assunto.
É muito difícil que o
texto seja realmente de autoria de García Márquez, e quero colocar na
continuação alguns detalhes de “13 linhas” que não se alinham com a obra do
grande escritor:
1) A linguagem de Garcia
Márquez é metafórica. Existe poesia em seus textos. Ele era um escritor que lia
e pensava como escritor – buscando a estética das frases. As "13
linhas" estão escritas em idioma coloquial;
2) As mensagens podem
estar enquadradas nos textos de mente positiva, textos escritos com o objetivo
de ajudar as pessoas a viver melhor, mas como já falamos, o escritor declarou
que nunca escreveria um texto “cursi” como A Marionete, e nada faz pensar que
tenha mudado seu pensamento e escrito "13 linhas";
3) García Márquez foi
simpatizante do comunismo, muito voltado para as causas sociais e alguns dizem
que era ateu. Não era um homem cuja filosofia de vida aconselharia: “Não se
esforce”;
4) Em uma entrevista,
García Márquez disse que um escritor não pode ler de maneira ingênua. Faz parte
de sua bagagem não só ler, mas analisar os detalhes para entender como foram
escritos, que técnicas o autor utilizou. Entender como um autor conseguiu
estruturar um bom conto ou um romance. Compreender os mecanismos que melhoram cada
frase, cada parágrafo. O texto 13 linhas está escrito de maneira ingênua,
sentimental. As mensagens têm seu valor, mas não revelam a genialidade
estilística do ganhador do Prêmio Nobel de Literatura;
5) É difícil imaginar
García Márquez fechando um texto com a frase: “Tudo o que sucede, sucede por
alguma razão”. Assim, curto e grosso. Conselhos simples e estimulantes como
esse eu sempre escuto da boca da cabeleireira, que além de cortar e pentear o
cabelo com bom gosto, faz questão de ser conselheira sentimental gratuita.
García Márquez, se pensasse desse jeito, expressaria essa ideia com linguagem
literária;
6) Li as 13 linhas em
espanhol e tem algumas frases mal construídas. No 11º conselho, existe uma
cacofonia que faz doer a alma de qualquer poeta, escritor ou simples leitor de
bom gosto. “Sempre haverá gente que te machuque, assim que o que você tem que
fazer é seguir confiando e só ser mais cuidadoso em quem você confia duas
vezes”. A sintaxe da frase está errada em português e em espanhol, García
Márquez não se permitiria esse erro. Ele era perfeccionista. Na entrevista
concedida ao jornalista e escritor Plinio Apuleyo de Mendoza e publicada em Com
Cheiro de Goiaba, confessa que jogou fora 300 páginas de um livro porque o
resultado não lhe agradou. Mas salvou o título;
7) Quero esclarecer:
tenho paixão por frases positivas, mas o mundo dos livros é como uma casa. Não
se janta no banheiro, nem se toma banho na cozinha. Ou seja, existe um lugar e
um momento para cada coisa. Existem momentos para ler mensagens positivas e
outros para ler boa literatura.
Lembro-me de que quando
eu era pequena, meu pai, quando alguém cometia erros graves por falta de
discernimento, sempre dizia: “No confundir aserrín com pan rayado” (Não
confundir serragem com farinha de rosca). Autoajuda é baseada em mensagens, e
os autores não realizam o trabalho de cinzelar o texto. Literatura é outra
coisa. Literatura trabalha mensagem e texto, ideias e palavras.
Um personagem livre e
singular da obra Cem Anos de Solidão é Remedios, a bela, a única que permaneceu
imune à peste da companhia bananeira. Esse personagem foi citado como exemplo
de mente positiva em uma palestra a que assisti há alguns anos. Na continuação
um fragmento do livro que fala de Remedios, a bela, para que o leitor possa
comparar com o estilo de 13 linhas e perceber a diferença de estilos:
“– Você está se
sentindo mal? – perguntou a ela.
Remedios, a bela, que
segurava o lençol pelo outro extremo, deu um sorriso de piedade.
– Pelo contrário. –
disse. – Nunca me senti tão bem.
Acabava de dizer isso
quando Fernanda sentiu que um delicado vento de luz lhe arrancava os lençóis
das mãos e os estendia em toda a sua amplitude. Amaranta sentiu um temor
misterioso nas rendas das suas anáguas e tratou de se agarrar no lençol para
não cair, no momento em que Remedios, a bela, começava a ascender. Úrsula, já
quase cega, foi a única que teve serenidade para identificar a natureza daquele
vento irremediável e deixou os lençóis a mercê da luz, olhando para Remedios, a
bela, que lhe dizia adeus com a mão, entre o deslumbrante bater de asas dos
lençóis que subiam com ela, que abandonavam com ela o ar dos escaravelhos e das
dálias. (...) Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez – Editora Sabiá
Ltda. RJ, 1969, página 212 – Tradução de Eliane Zagury.
Isabel
Furini é escritora e poetisa, autora de “Os Corvos de Van Gogh”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário