quarta-feira, 14 de maio de 2014

Vazio do buraco

* Por Alexandre Vicente

Levo minha vida a cavar. Cavo cada rua dos bairros do Rio, cavo amizades no meio das amizades dos amigos. Faço de um tudo para que esses sejam também meus amigos e gosto de misturar tudo: música, literatura, artes plásticas… Os artistas me seduzem. Talvez por isso eu cave tanto uma vaga no meio dessa gente tão sensível.

Esta sensibilidade a que me refiro é essa capacidade de perceber a beleza do mais singelo acaso. Como em “Certas Canções” do Milton Nascimento. Elas cabem tão dentro dele como de mim. A própria canção, poderia ser minha. E eu também pergunto:
- Por que não fui eu quem fiz?

Em contrapartida, quanto mais eu cavo mais deixo um vazio prá trás. Porque o buraco é o vazio de quem cava. Essa terra toda que retiro todos os dias, fica no passado. Na beirada do buraco e, as vezes, alguém tem que me ajudar a tirar o entulho. Nessas horas é que caio na armadilha de olhar prá trás.

Quando se cava e se olha para trás o que se vê é um monte de terra e o vazio do próprio buraco. Estas pessoas, cavadoras por excelência, tem que olhar prá frente o tempo todo. Como se tivesse medo de altura:
- Continue andando e não olhe para baixo!!!

Recentemente olhei prá trás e vi o vazio. Desculpem, mas a sensação não é boa. Você cai no clichê: de onde vim, para onde vou. Nessas horas tento me agarrar a Raulzito (Não sei onde estou indo, só sei que estou no meu caminho). O problema é que essa etapa vem depois que perco o chão… E aí…

A sorte é que, como disse antes, cavo amizades e elas me ajudam com o entulho, para que eu volte a cavar e cavar.


* Escritor carioca

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