sábado, 7 de dezembro de 2013

Sobre livros grossos

* Por Urda Alice Klueger

À época da Segunda Guerra Mundial, o grande escritor alemão Stefan Zweig, anti-fascista exilado no Brasil, apaixonou-se pelo nosso País, a ponto de desejar morrer aqui. E morreu mesmo, num suicídio duplo dele a da sua mulher, desgostoso com a cena internacional à que assistia. Só que, antes de morrer, escreveu ele coisas lindíssimas sobre o Brasil.

Segundo Stefan Zweig, o brasileiro daquela época era um povo que gostava de ler. Cita o famoso alemão como o povo brasileiro andava, quase sempre, de livro, revista ou jornal na mão, a ler em praças, bondes e trens, atualizado com as noticias, a discuti-las entre si – enfim, à época da Segunda Guerra Mundial, tínhamos um povo vidrado numa leiturazinha a qualquer hora do dia ou da noite.

Quer-me parecer que tais hábitos do brasileiro mudaram, e muito. Acredito que foi a televisão que tirou da mão do brasileiro o jornal e a revista, pois, ando bastante pelas ruas da minha cidade, e raríssimas vezes vejo, hoje, um cidadão ou cidadã a se deleitar, em praça pública ou outro lugar, com seu jornal preferido ou outro tipo de leitura. Estamos em tempos mais dinâmicos, aonde os noticiários vêm prontinhos na tela da televisão, onde vemos reportagens maravilhosas com imagens de cinegrafistas fantásticos – é muito mais fácil assistir à televisão do que ler. E o hábito da leitura testemunhado por Stefan Zweig vai se perdendo cada vez mais.

Eu sou uma escritora que ainda tem a felicidade de ter público. Tenho leitores fiéis em muitos lugares, por todo o Estado de Santa Catarina e fora dele e, às vezes, até fora do Brasil. Meus leitores são daqueles que procuram minhas obras, que as lêem e as discutem, que até escrevem cartas para mim. Acho que isto é uma felicidade, e nunca deixei de me sentir surpresa com a receptividade que os meus livros encontram.

Pro meu lado, as coisas sempre foram de vento em popa... até que publiquei um romance chamado “Cruzeiros do Sul”.
  
Eu ocupei três anos e meio da minha vida a pesquisar e a escrever “Cruzeiros do Sul”. O livro é um grande painel sobre a formação do povo catarinense, escrito em forma de romance, e tem todos os atrativos: capa lindíssima, orelha bem feita, impressão primorosa, mas também tem uma coisa assustadora: 480 páginas. Na dá para disfarçar, é um livro grosso, e depois que ele saiu é que entendi que as pessoas têm medo de livros grossos.

Contadora de historias que sou, acho que a melhor história que já escrevi foi “Cruzeiros do Sul” – a mais bem elaborada, a mais pesquisada, a mais trabalhada. Infelizmente, as 480 páginas do livro afastam grande parte dos meus leitores, assusta-os terrivelmente. Não digo que o livro não esteja sendo lido: pessoas da maior finura intelectual tem-no feito, têm-se manifestado a respeito, tenho ouvido boas críticas a granel – mas fica bem evidente que o leitor de “Cruzeiros do Sul” é um leitor especial, um leitor com cultivo intelectual, um leitor habituado à leitura, não importa a grossura do livro. O leitor comum se afasta: ele quer coisas recreativas, que possam ser lidas rapidamente, e por nada deste mundo vai se dar ao trabalho de ler uma coisa monstruosa assim, com um total de 480 páginas.

Será que o leitor brasileiro dos tempos de Stefan Zweig era diferente? Será que também temia o livro pela grossura? Creio que não. Naquela época, no Brasil, era moda ler-se “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, e “O tempo e o Vento” de Érico Veríssimo, entre outros. São livros grossos, que o brasileiro lia e discutia. Quem, dentre os nossos leitores contemporâneos, não tem medo de livros do tamanho de “Os Sertões”? Poucos, muito poucos, hoje, se atrevem a livros de tal tamanho, não importa a riqueza que encerrem. Eu, pessoalmente, convivo habitualmente com todo um grupo de jovens intelectuais que têm uma atitude bastante desconfiada quanto a livros que pareçam muito grossos, mesmo que sejam clássicos. Assim, sobram para livros como o meu “Cruzeiros do Sul” apenas os leitores de grande preparo intelectual.

Que se vai fazer? Os tempos mudaram, e o homem passou a ser um ser que vive com mais rapidez e já não tem tempo para livros grossos. O azar é dos escritores que não sabem escrever menos páginas.

Blumenau, 17 de agosto de 1996.


* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR

Um comentário:

  1. Os livros de medicina são bastante grossos, e lido com eles desde 1974, fevereiro, quase 40 anos. Não temo livros grossos. Os finos, quando bons demais, levam a depressão quando terminam. Já os grossos dão alívio, quando se vê que o desafio foi vencido. Bom tema.

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