A dor de um pai
* Por Raimundo Antonio
Eram mais ou menos 20h35m de um
domingo passado, e o local do diálogo – quase monólogo – foi em frente ao setor
de emergência do Hospital Regional Tarcísio Maia, em um dos bancos que
circundam o jardim, defronte à entrada principal. Eu tinha ido levar meu filho
– rapaz de 13 anos – para que o médico o examinasse a respeito de um mal-estar
causado depois da volta de uma viagem. Enquanto a mãe o levava para dentro,
fiquei apreensivo, à espera do seu retorno. Esperando, resolvi me sentar um
pouco para acalmar-me.
O banco estava solitário, como a
esperar por novos visitantes com suas conversas, suas histórias e, na maioria
das vezes, seus choros de sofrimentos e perdas.
Não demorou muito, sentou-se ao
meu lado um senhor, ainda jovem – quase da minha idade – que ficou a olhar o
horizonte, impassível, enquanto descia pelo seu rosto um fio de lágrimas.
Não quis perguntar-lhe nada.
Respeitei aquele momento, não me atrevendo a dirigir-lhe a palavra, mesmo que
fosse para perguntar-lhe se ele estava bem; se precisava de alguma coisa; se eu
podia ser-lhe útil. Foram minutos infindáveis.
Vez por outra eu o contemplava,
na esperança que, ao olhar-lhe, criasse uma espécie de vínculo e o mesmo
pudesse dizer o que estava sentindo ou o que realmente estava causando aquela
tristeza, traduzida em seu rosto pelo enxugar das mãos nos olhos e, de vez
enquanto, o soluço disfarçado em um pigarro.
Levei a mão ao bolso da camisa e
tirei o maço de cigarros oferecendo ao companheiro de banco, na esperança de
que o mesmo deixasse, por um momento, de contemplar o vazio e se dispusesse a
conversar, para quem sabe, aliviar o que estava sentindo. Aceitou. Colocou-o
entre os lábios e eu prontamente acendi-o. Deu uma longa tragada – dessas em que
a brasa se torna viva – e olhando para o cigarro entre os dedos, falou pela
primeira vez:
- Que vício desgraçado! Isso mata
lentamente e todo mundo sabe, porém, ao mesmo tempo, relaxa, entorpece e acalma
os nervos.
Concordei, ao mesmo tempo em que
aproveitei para dizer-lhe que estava tentando parar com essa falsa sensação de
bem-estar. Ele então me olhou bem dentro dos olhos, como a esperar encontrar
ali um porto seguro, e desabafou:
- Uns preferem arriscar uma morte
lenta, na esperança de que esse vício não seja a causa; outros simplesmente
aceleram o vício e morrem antes de começar a viver.
E continuou:
- Hoje pela manhã eu vim trazer o
meu filho, que ficou internado, e agora à noite eu voltei para vir dormir com
ele, trazendo-lhe roupa, material de higiene e comida. Ao me identificar na
recepção, fui encaminhado para o médico de plantão, que me deu a mais dolorosa
notícia que um pai pode receber. Ele disse que sentia muito, mas, infelizmente
– apesar de todos os esforços – meu filho não tinha resistido e estava morto.
Ao dizer isso, aquele jovem
senhor deixou escorrer – sem mais se preocupar em disfarçar – a quantidade de
lágrimas que tinha retido até aquele momento. Fiquei em silêncio, sem saber o
que dizer (acredito que nesses momentos palavras não dizem nada), pedindo a
Deus proteção para o meu filho e que Ele o me devolvesse são e salvo.
O silêncio que se fez só foi
quebrado – em várias vezes – pela chegada das ambulâncias, carros de polícia e
de particulares, com pessoas, vítimas das mais diversas gravidades.
- Vinte anos! – disse.
- O meu filho tinha apenas vinte
anos e morreu de uma overdose de cocaína! Tanto que eu lutei para que ele
largasse as drogas! E agora? Como é que eu vou dar essa notícia à mãe e aos
irmãos dele?!
Continuei calado, apenas
olhando-o. Não sabia o que dizer. Passavam em minha mente, vários filmes de
casos semelhantes – alguns com óbitos – de alunos meus.
- Espero que ele agora consiga,
finalmente, a paz junto ao Senhor. Ele não vivia mais. Acordava para o vício e
dormia somente quando o vício dominava seus sentidos – murmurou.
Levantou-se, olhou para mais uma
ambulância que chegava, apertou a minha mão, se desculpou (aquilo me doeu! Por
que ele se desculpou? Era eu que deveria pedir desculpas! Sim! Não tivera coragem
de dizer alguma coisa que pudesse aliviar aquele sofrimento!) e saiu, enxugando
com as costas das mãos o restante do seu desabafo.
“Maldito mundo cruel!” – exclamei.
Quantos jovens ainda precisam sucumbir, para que os outros entendam que esse é
um caminho sem volta?! Quantos lares ainda serão destruídos para que a
sociedade se mobilize, efetivamente, para erradicar essa praga?!
Finalmente o meu filho veio em
minha direção, completamente refeito da indisposição que o trouxera até ali.
Sem dizer-lhe nada, abracei-o com força. Jurei naquele abraço que jamais
deixaria de lutar por uma sociedade mais justa, sem vícios e livre de parasitas
que enriquecem a custa da desgraça alheia.
* Cronista: www.rsouzalopes.blog-se.com.br
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