terça-feira, 4 de setembro de 2012

Da arte de tirar casquinha

* Por Mário Prata

A mídia adora saber a opinião de pessoas conhecidas (artistas, políticos, musicos, esportistas, etc) sobre tudo o que acontece no Brasil e no mundo. Nasce um chimpanzé no zoológico e logo temos as opiniões de Cacá Rosset, Emerson Capaz, Romário, João Sayad, Fernando Morais, Angeli.

Um casal se separa e eles querem saber da "repercussão", como chamam a isso. Chico e Marieta se separaram e a Veja, a Istoé, a Manchete e o Jornal do Brasil me telefonaram. Como se eu tivesse alguma a coisa a ver e a saber com esse momento difícil que devem estar passando os meus amigos.

Já dei depoimentos sobre tudo. A Silvia Popovic, minha imensa amiga, vive me chamando para dar opiniões sobre assuntos que não sei. Outro dia gravei um depoimento para a Band dando os parabéns para a cidade de São Paulo. E por aí vai.

O Cacá Rosset, por exemplo, já repararam? Opina sobre tudo, este também meu amigo. Outro dia me ligaram querendo saber que rumo eu daria para a trama da novela Dona Anja do SBT. Sem ao menos perguntar, antes, se eu já havia assistido a algum capítulo.

Nunca ninguém me procurou para saber qual é a coisa que eu mais gosto de fazer, depois daquelas duas ou três tradicionais, eternas e internacionais.

Pois, se um dia, me perguntarem não vou hesitar em responder:
- O que eu mais gosto de fazer na vida é tirar casquinha de feridas.

Isso mesmo que você leu; arrancar a casquinha com a unha e ver surgir, como um pingo, um pouquinho de sangue que, para minha felicidade, dentro de alguns dias me fornecerá uma nova e prazeirosa casquinha. A boa casquinha é a que sempre se renova.

Quando os meus filhos eram pequenos eu corria atrás deles. E das casquinhas. Criança sempre tem muita casquinha fresca.

Mas a arte de tirar casquinhas tem as suas manhas. Não pense que é só chegar, meter a unha lá e arrancá-la num só golpe. Isso é coisa de amadores.

É necessário que se cultive a casquinha. Que se cuide bem dela, que a alimente para ela chegar no ponto ideal de textura e rompimento.

E, quando ela estiver no ponto, nada de pressa. O prazer requer certos cuidados e algumas técnicas. Como um bom dum orgasmo. Uma das técnicas, por exemplo, é ficar rodeando a bicha com o dedo, deixando-a excitada. Você faz que vai mas não vai. Ela começa a coçar gostoso, como se pedindo para ser arrancada. Ela fica vermelha, em volta fica tudo arrepiado. Aí sim, você vai, bem devagarzinho, levantando um lado. Aí deixa esse lado e começa pelo outro. Nunca tenha pressa em arrancar uma casquinha.

As melhores casquinhas, digo de cátedra, são as próximas aos ossos. São as que mais proliferam, que mais se reproduzem. Tenho algumas na canela, que venho cultivando desde a semana santa do ano passado, Tudo começa com os borrachudos nas praias. Depois é só cuidar delas com carinho.

Não pense você que é sou eu que gosto de fazer isso. Uma vez, há uns vinte anos atrás, eu estava entrevistando o Gilberto Gil para a Última Hora e, sei lá porque, veio esse papo de casquinha. E o Gil me disse:
- Estou cultivando uma aqui nas costas, maravilhosa.

Me mostrou. Fiquei com inveja. Uma casquinha quase de uma polegada. E ele, com a calma e meditação nobres para o momento começou, na minha frente, a enfrentar a danada, divina e maravilhosa. O gravador continuou ligado e ainda tenho a gravação com os sonoros e ritmados ais e uis do bom baiano.

Tenho quase a certeza que aquela velha expressão "tirar uma casquinha duma mina" (ou seja tirar um sarro, ficar) vem das casquinhas das feridas.

Por favor não vá me mandar casquinhas pelo Correio. Tenho as minhas e agradeço. Cuide das suas. E goze.

• Escritor e jornalista

Um comentário:

  1. De fato, só as nossas casquinhas, assim como unhas para quem gosta de comê-las (sem engoli-las, óbvio). Quanto aos cravos, espremer os dos outros é mais gostoso do que os nossos. Embora haja controvérsias.

    ResponderExcluir