quarta-feira, 7 de março de 2012







Não posso falar sobre flores


* Por Sayonara Lino

Hoje percebo que poucas coisas mudam de fato com o tempo. Não sei se já escrevi em algum lugar que sim, o tempo abranda algumas situações, sim, o tempo nos traz uma nova percepção a respeito de situações pregressas, sim, o tempo... esse enigma. Se já, cairei em contradição. Mas como mudamos sempre de ideia, não me importarei com isso.
Quando a mágoa é extensa e profunda, quando a vida parece não caminhar, quando as dificuldades tornam-se repetitivas e o chão parece ter sido arrancado, não, o tempo não ameniza o golpe.
A razão dirá "sim, com o tempo tudo muda, tudo passa". E o coração dirá "não, para mim, tudo isso, esse tempo largo, comprido, ainda não passou. Tudo ainda tem gosto de ontem." As lembranças teimam em retornar, a consciência cobradora grita, a emoção transborda.
O tempo muda as coisas de lugar, novas necessidades surgem, novos desafios despontam, e assim nos distraímos. E uma vez que tudo isso se acomode, o passado ressurge sorrateiro e sussurra: "existem assuntos pendentes, situações não resolvidas, sentimentos mal elaborados."
Não aceito o convite do retorno, mas pareço ser arrastada. Desejo ir em frente e nunca mais voltar a este "não lugar". Essa lacuna que urra, esse descompasso entre o presente e o que passou e simultaneamente permanece, essa desconstrução.
O que fazer para o véu do esquecimento cobrir de uma forma definitiva as lembranças dolorosas? Esse véu é fino demais, a linha que deveria dividir o hoje do ontem é tão tênue e frágil, que hoje, meu amigo, não posso falar sobre flores.

• Jornalista, fotógrafa e colunista do Literário

7 comentários:

  1. Como diz Pedro, o "surrado" verso " ai eu não posso parar, se eu paro eu penso e se eu penso eu choro", é um pouco isso que você diz. Quando não jogamos no lixo um passado que nos machucou, ele retornará como um defunto mal enterrado, um zumbi do esgoto. A além de nos assombrar, tem mau-cheiro.

    ResponderExcluir
  2. "Sentimento ilhado, morto, amordaçado, volta a incomodar..." Canta Fagner. Ouvi muito esta frase nas sessões de psicoterapia. Com isso, aprendi a "gastar" as sensações ruins até nada restar... E o "nada" não volta!
    Lindo texto. E muito real.
    Abraços!

    ResponderExcluir
  3. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  4. Mara, verdade! Assombram mesmo, não é fácil.
    Marleuza, uma boa dica, preciso liberar isso de uma vez por todas, para o passado não machucar mais.
    Beijos, grata!

    ResponderExcluir
  5. "a consciência cobradora grita" - sempre ela, a consciência gritando.
    Ah se pudéssemos arrancar algumas páginas de nossa vida. Se pudéssemos voltar no tempo. Mas o tempo, esse mistério, segue em frente e é em frente que devemos ir. Tentando tirar as lembranças dolorosas falando das flores. Fale delas. Talvez suavize as lembranças.
    Belo texto, Sayo.
    Beijos

    ResponderExcluir
  6. O tempo nos dá umas lambidas que amenizam
    a dor, mas as lembranças sempre existirão.
    Talvez tenha que aprender a conviver com elas
    sem grandes intimidades.
    Beijos Sayonara.

    ResponderExcluir
  7. Celamar, Nubia, muito bom ver vcs. por aqui! Concordo com vocês! Bjos!

    ResponderExcluir