
Justiça afinal
Caríssimos leitores do Literário, boa tarde.
Anteontem e ontem, abri este nosso bate-papo diário, introdutório de cada edição, da mesma maneira. Ou seja, com a seguinte afirmação: “Há livros que, mesmo sendo de ficção, causam muito mais impacto do que milhares de reportagens sobre determinado tema, principalmente se escritos com alma e verdade e por escritores que realmente conheçam o ofício”.
Como exemplo, citei os romances “Les miserables” e “Notre Dame de Paris”, de Victor Hugo, mas me detive, sobretudo, em “As vinhas da ira”, de John Steinbeck. Este livro, levado às telas em 1940, (em filme dirigido por John Ford, tendo Henry Fonda no principal papel), vendeu milhões de exemplares mundo afora e foi decisivo para que o autor fosse agraciado, com todos os méritos, com os dois maiores prêmios literários que existem, o Pulitzer e o Nobel de Literatura.
A despeito do sucesso, porém, John Steinbeck teve sérios problemas por causa da sua obra, a começar por sua cidade natal, Salinas, na Califórnia. A localidade, então praticamente desconhecida até para muitos californianos, subitamente ganhou notoriedade na imprensa, mas não por haver homenageado seu filho mais ilustre, lhe erguendo uma estátua ou mesmo batizando alguma rua ou avenida com seu nome, como seria de se esperar. Muito pelo contrário.
Os fazendeiros locais sentiram-se “agredido” com o romance de John Steinbeck. Essa reação foi idêntica a de tantos outros plantadores de frutas da Califórnia, que não só não admitiam a vergonhosa exploração de mão de obra semi-escrava, no caso a dos migrantes notadamente de Oklahoma, como justificavam sua atitude e até chegavam a achar que praticavam atos de benemerência dando emprego a tantos miseráveis.
Ademais, críticos despreparados e sem o devido conhecimento de literatura, investiram, ferozmente, contra o romance, através dos espaços que dispunham na imprensa. Afirmaram, por exemplo, que a obra era mal-escrita, que se destinava a divulgar ideologia totalitária e a insuflar a luta de classes e que era “imoral e sórdida”.
Esta última acusação referia-se à forma com que o escritor encerrou “As vinhas da ira”, com a personagem Rosa de Sharon dando os seios para um desconhecido, moribundo, que definhava por causa da fome, para mamar e assim sobreviver o que não tem nada sequer de erótico, quanto mais de “pornográfico”, como suas mentes sujas interpretavam..
Absurdos como este se multiplicava. Todavia, quanto mais os adversários gratuitos de Steinbeck “batiam nele”, mais exemplares eram vendidos. Muitos norte-americanos, e não necessariamente “Oakies” (maneira pejorativa com que os fazendeiros californianos se referiam aos migrantes de Oklahoma), se enxergavam nos personagens da história. Passaram por exploração semelhante e por agruras muito parecidas.
Salinas considerou seu filho mais ilustre como “persona non grata”. Cidadãos locais chegaram a agir como os bombeiros do filme “Fahrenheit 451”, que tinham por missão queimar todo e qualquer material impresso, principalmente livros. A diferença era que a única obra a ser destruída era o livro de Steinbeck. Adquiriram, pois, milhares de exemplares de “As vinhas da ira”, mas não para apreciar sua beleza e verdade, contudo apenas para queimá-los em praça pública (na impossibilidade de fazerem o mesmo com o autor).
Magoado, Steinbeck mudou-se da Califórnia para onde voltou apenas depois de morto. Escreveu relativamente pouco a partir de então. É verdade que em 1952 publicou outro romance notável, “A leste do Éden”, que também foi aproveitado por Hollywood (em filme dirigido por Elia Kazan), mas que sequer se aproximou do êxito de “As vinhas da ira” e, sobretudo, da polêmica que este causou.
Nós, escritores, porém, escrevemos não para determinada geração e nem para um período específico. Produzimos nossas obras de olho no futuro, se possível, na eternidade. À medida que o tempo foi passando, o romance de Steinbeck foi caindo, mais e mais, no gosto do público. Passou, até, a ser analisado nas escolas, inclusive da Califórnia. Não tardou para que o autor se transformasse em unanimidade nacional.
Em 1968, quando já bastante doente, recomendou à família que o sepultasse, após sua morte, em Salinas, sua terra natal, que o tratou de maneira tão torpe e injusta. E assim se fez. Hoje a cidade se orgulha de seu filho ilustre. Tanto que sua principal atração turística, visitada por pessoas de todas as partes dos Estados Unidos e do mundo, é justamente o “Museu John Steinbeck”. Demorou, mas finalmente se fez justiça a um dos mais talentosos escritores de todos os tempos.
Encerro, pois, estas considerações do mesmo jeito que as iniciei há três dias: “Há livros que, mesmo sendo de ficção, causam muito mais impacto do que milhares de reportagens sobre determinado tema, principalmente se escritos com alma e verdade e por escritores que realmente conheçam o ofício”. Face ao exposto, resta, ainda, alguma dúvida?
Boa leitura.
O Editor.
Caríssimos leitores do Literário, boa tarde.
Anteontem e ontem, abri este nosso bate-papo diário, introdutório de cada edição, da mesma maneira. Ou seja, com a seguinte afirmação: “Há livros que, mesmo sendo de ficção, causam muito mais impacto do que milhares de reportagens sobre determinado tema, principalmente se escritos com alma e verdade e por escritores que realmente conheçam o ofício”.
Como exemplo, citei os romances “Les miserables” e “Notre Dame de Paris”, de Victor Hugo, mas me detive, sobretudo, em “As vinhas da ira”, de John Steinbeck. Este livro, levado às telas em 1940, (em filme dirigido por John Ford, tendo Henry Fonda no principal papel), vendeu milhões de exemplares mundo afora e foi decisivo para que o autor fosse agraciado, com todos os méritos, com os dois maiores prêmios literários que existem, o Pulitzer e o Nobel de Literatura.
A despeito do sucesso, porém, John Steinbeck teve sérios problemas por causa da sua obra, a começar por sua cidade natal, Salinas, na Califórnia. A localidade, então praticamente desconhecida até para muitos californianos, subitamente ganhou notoriedade na imprensa, mas não por haver homenageado seu filho mais ilustre, lhe erguendo uma estátua ou mesmo batizando alguma rua ou avenida com seu nome, como seria de se esperar. Muito pelo contrário.
Os fazendeiros locais sentiram-se “agredido” com o romance de John Steinbeck. Essa reação foi idêntica a de tantos outros plantadores de frutas da Califórnia, que não só não admitiam a vergonhosa exploração de mão de obra semi-escrava, no caso a dos migrantes notadamente de Oklahoma, como justificavam sua atitude e até chegavam a achar que praticavam atos de benemerência dando emprego a tantos miseráveis.
Ademais, críticos despreparados e sem o devido conhecimento de literatura, investiram, ferozmente, contra o romance, através dos espaços que dispunham na imprensa. Afirmaram, por exemplo, que a obra era mal-escrita, que se destinava a divulgar ideologia totalitária e a insuflar a luta de classes e que era “imoral e sórdida”.
Esta última acusação referia-se à forma com que o escritor encerrou “As vinhas da ira”, com a personagem Rosa de Sharon dando os seios para um desconhecido, moribundo, que definhava por causa da fome, para mamar e assim sobreviver o que não tem nada sequer de erótico, quanto mais de “pornográfico”, como suas mentes sujas interpretavam..
Absurdos como este se multiplicava. Todavia, quanto mais os adversários gratuitos de Steinbeck “batiam nele”, mais exemplares eram vendidos. Muitos norte-americanos, e não necessariamente “Oakies” (maneira pejorativa com que os fazendeiros californianos se referiam aos migrantes de Oklahoma), se enxergavam nos personagens da história. Passaram por exploração semelhante e por agruras muito parecidas.
Salinas considerou seu filho mais ilustre como “persona non grata”. Cidadãos locais chegaram a agir como os bombeiros do filme “Fahrenheit 451”, que tinham por missão queimar todo e qualquer material impresso, principalmente livros. A diferença era que a única obra a ser destruída era o livro de Steinbeck. Adquiriram, pois, milhares de exemplares de “As vinhas da ira”, mas não para apreciar sua beleza e verdade, contudo apenas para queimá-los em praça pública (na impossibilidade de fazerem o mesmo com o autor).
Magoado, Steinbeck mudou-se da Califórnia para onde voltou apenas depois de morto. Escreveu relativamente pouco a partir de então. É verdade que em 1952 publicou outro romance notável, “A leste do Éden”, que também foi aproveitado por Hollywood (em filme dirigido por Elia Kazan), mas que sequer se aproximou do êxito de “As vinhas da ira” e, sobretudo, da polêmica que este causou.
Nós, escritores, porém, escrevemos não para determinada geração e nem para um período específico. Produzimos nossas obras de olho no futuro, se possível, na eternidade. À medida que o tempo foi passando, o romance de Steinbeck foi caindo, mais e mais, no gosto do público. Passou, até, a ser analisado nas escolas, inclusive da Califórnia. Não tardou para que o autor se transformasse em unanimidade nacional.
Em 1968, quando já bastante doente, recomendou à família que o sepultasse, após sua morte, em Salinas, sua terra natal, que o tratou de maneira tão torpe e injusta. E assim se fez. Hoje a cidade se orgulha de seu filho ilustre. Tanto que sua principal atração turística, visitada por pessoas de todas as partes dos Estados Unidos e do mundo, é justamente o “Museu John Steinbeck”. Demorou, mas finalmente se fez justiça a um dos mais talentosos escritores de todos os tempos.
Encerro, pois, estas considerações do mesmo jeito que as iniciei há três dias: “Há livros que, mesmo sendo de ficção, causam muito mais impacto do que milhares de reportagens sobre determinado tema, principalmente se escritos com alma e verdade e por escritores que realmente conheçam o ofício”. Face ao exposto, resta, ainda, alguma dúvida?
Boa leitura.
O Editor.
O que me garante que o crítico A, B ou Z
ResponderExcluiresteja de fato realmente preparado para avaliar ou dizer se a obra do autor é boa ou ruim?
Quais critérios eles avaliam? A de seus conhecimentos(???) ou a forma que o autor usou para se expressar? A quem se deve agradar?
Ixi!
beijos