

Encontros com o insólito
* Por Risomar Fasanaro
Dizem que Che Guevara quando se encontrava em Sierra Maestra via à noite um unicórnio azul. Che, como todos nós sabemos, era comunista, e pelo que sei, os comunistas são ateus e só acreditam naquilo que podem explicar racionalmente. Mas dizem que o Che viveu esses “encontros” com o inexplicável. Há outros exemplos de pessoas famosas que em algum momento da vida, tiveram experiências com o insólito.
Em uma entrevista, Chico Mendes declarou que se contasse tudo que via na floresta amazônica, as pessoas não acreditariam. Bem, se essas pessoas famosas relataram experiências com o insólito, por que não posso eu, uma escritora anônima relatar as minhas?
Talvez pela data recente do dia dos Mortos, senti vontade de dividir com você algumas experiências estranhas que já me aconteceram.
Quando cursava Letras, no final dos anos 60, um professor de Literatura portuguesa marcou um seminário sobre sóror Mariana Alcoforado.
Nascida em Beja em 1640, Mariana tinha entrado no convento obrigada pelos pais, para manter-se a salvo da guerra contra a Espanha, quando se apaixonou pelo oficial francês Noel Bouton, marquês de Chamilly, que se encontrava em Portugal com sua tropa, apoiando o país na guerra contra a Espanha.
Apaixonadíssima pelo oficial, a freira permitiu que ele entrasse secretamente em sua cela noites seguidas, até que o romance entre os dois foi descoberto, o escândalo se propagou e o oficial foi mandado de volta à França.
Ao ver-se longe do seu amado, sóror Mariana lhe escreve cartas apaixonadas em que demonstra seu amor. São cinco cartas e em todas a liberdade com que ela se expressa são dignas de curiosidade. Primeiro por se tratar de uma freira, segundo porque o teor das cartas é muito livre, o que dificilmente seria obra de uma mulher daquela época.
Nos anos 60 encontrar livros raros era muito difícil. Ainda não Xerox, e para ler as cartas tive de tirar na Biblioteca Mario de Andrade, utilizando o endereço de uma colega que morava no centro de SP. Li o livro e me apaixonei pela figura da freira.
Tão apaixonada e tão envolvida com a leitura que até hoje o mistério permanece. Vivi o que vou narrar? Foi tudo um fenômeno parapsicológico? Ou uma experiência espiritual? Não sei.
Tomei o ônibus em Osasco e fui para a faculdade na Rua Maria Antônia, onde haveria o seminário. Estava relendo o pequeno livro, quando o ônibus parou na altura da Brown Boveri, indústria metalúrgica, em Osasco, e uma freira subiu junto com dois passageiros. Era uma mulher gorda, de pele muito branca. Usava um hábito roxo, e sentou-se ao meu lado. Dela emanava um cheiro de guardado, entre mofo e um perfume que exalava apenas resquícios do que fora.
Olhei de soslaio para aquela figura ao meu lado, e pude percebeu os poros abertos de uma pele muito clara onde ainda se acumulavam restos de talco. Tenho uma vaga lembrança de que não senti medo, apenas um estranhamento, uma sensação que não saberia traduzir com palavras.
Continuei lendo o livro, e se você quer saber, leitor, não sei quem desceu primeiro, se ela ou eu. Por mais esforços que tenha feito durante todos esses anos, não sei como essa historia termina.
Só depois, a partir do dia seguinte, é que me vieram algumas inquietações. Inquietações e perguntas que me acompanham desde então, e para as quais nunca encontrei respostas: por que uma freira estaria sozinha, se elas não costumam sair sozinhas, e muito menos à noite? Também pesquiso para saber qual a ordem religiosa que usa hábito roxo, mas também jamais descobri.
Em minha fantasia já cheguei a pensar que ela estava vestida com uma mortalha, mas nunca vou saber se tive uma alucinação ou se vivi algo extraordinário naquela noite. A verdade é que este episódio, para o qual não encontro explicação, me atormenta até hoje. E tenho muito clara na memória as feições, o corpo e as vestes daquela mulher misteriosa.
Acredito que todas as pessoas vivem experiências de natureza desconhecida, mas que não se dão conta. Como sempre quis saber o porquê de todas as coisas, me incomodo com os acontecimentos para os quais não encontro explicação.
No final dos anos 70, eu estava lendo no quarto, quando senti sede. Fui no escuro até a cozinha, porque minha mãe criava pássaros em gaiolas, e se eu acendesse a luz, um azulão faria um verdadeiro escândalo. Habituei-me assim a caminhar no escuro quando me levanto à noite; e hoje, mesmo não tendo pássaros engaiolados, mantenho o hábito.
Quando entrei na cozinha, vi um ovo de luz de aproximadamente 1,80 m. Tomei o maior susto, mas não havia com quem comentar, todos dormiam, por isso voltei morrendo de medo, com o copo d’agua e mal acabara de colocá-lo sobre a mesinha de cabeceira, quando minha mãe bateu na porta, me perguntando se eu tinha algum remédio para falta de ar.
Imediatamente liguei o mal estar dela ao ovo de luz, senti que àquela luz viera me avisar que eu iria enfrentar algo muito grave. Coloquei um casaco de lã comprido nela, e levei-a ao hospital. Lá chegando o médico diagnosticou edema pulmonar, mais cinco minutos, ele me disse, e sua mãe teria morrido. Coincidência? Não sei.
Uma outra vez, estava dormindo na casa de minha irmã, e quando acordei pela manhã, vi ao lado da cama, um braço no chão. Só um braço, cortado e ensanguentado.
No dia seguinte uma prima nossa veio nos avisar que a irmã dela falecera em um acidente de automóvel entre Pernambuco e a Bahia. Que ela, o marido e um dos filhos tinham ficado completamente despedaçados no acidente.
Ah...mas não pensem que adivinho o futuro, nem que convivo diariamente com o insólito. Esses fenômenos acontecem sem que eu preveja, sem que eu espere. E agradeço a Deus por não dominá-los.
Bom, mas também tenho experiências agradáveis. A mais interessante de todas aconteceu durante o carnaval deste ano, viajei com um grupo de místicos, para um sitio em Brotas, no interior de São Paulo. O grupo tentara hospedagem em vários lugares, mas não conseguira e, na última hora encontrou aquele local.
No sitio havia um córrego e os proprietarios disseram que ali havia argila. O líder espiritual aproveitou para nos levar lá, pois poderíamos utilizar aquela argila para tratamento terapêutico.
O grupo entrou no córrego e o líder pediu que antes de iniciar o tratamento, fizéssemos uma prece de agradecimento aos quatro elementos da natureza. Acompanhado por nós, ele dirigiu-se ao ar, ao fogo, à água e à terra. Em seguida pediu-nos que, em silêncio, todos nós agradecêssemos à mãe terra, e todos nós nos concentramos naquela prece.
De repente, sem que ninguém esperasse, as margens do córrego que eram um pouco altas, e estavam duras, compactas, se abriram e começaram a jorrar argila. O barro saía como se fosse um parto, derramando-se aos nossos pés. A argila saía e se acumulava no leito do riozinho, e ia até nossos joelhos de forma inexplicável.
Todos se deram conta de que estavam diante de um fenômeno que não conseguiam explicar e ninguém conseguiu conter as lágrimas. Algo ficou muito claro para cada um que ali estava: a terra se oferecia de forma dadivosa aos que a reverenciavam.
No dia seguinte voltamos ao local. As margens do riacho estavam quietas. Nada ali se movimentava exceto a água que corria. Novamente iniciamos uma prece e vimos o fenômeno se repetir.
Aquele encontro com a Terra me levou a pensar no quanto a natureza sente vontade de se comunicar conosco. No quanto ela vem tentando um diálogo com o homem e não se faz ouvir. E que talvez seja essa a razão das enchentes, dos furacões, dos terremotos. De tanto nos dirigir apelos, de tanto se ver agredida e não ser ouvida, ela se enfurece, e derrama sobre nós toda sua ira. Será?
Ah...Não pensem que adivinho o futuro, nem que convivo diariamente com o insólito. Esses fenômenos acontecem sem que eu preveja, sem que eu espere. E agradeço a Deus por não dominá-los.
* Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.
* Por Risomar Fasanaro
Dizem que Che Guevara quando se encontrava em Sierra Maestra via à noite um unicórnio azul. Che, como todos nós sabemos, era comunista, e pelo que sei, os comunistas são ateus e só acreditam naquilo que podem explicar racionalmente. Mas dizem que o Che viveu esses “encontros” com o inexplicável. Há outros exemplos de pessoas famosas que em algum momento da vida, tiveram experiências com o insólito.
Em uma entrevista, Chico Mendes declarou que se contasse tudo que via na floresta amazônica, as pessoas não acreditariam. Bem, se essas pessoas famosas relataram experiências com o insólito, por que não posso eu, uma escritora anônima relatar as minhas?
Talvez pela data recente do dia dos Mortos, senti vontade de dividir com você algumas experiências estranhas que já me aconteceram.
Quando cursava Letras, no final dos anos 60, um professor de Literatura portuguesa marcou um seminário sobre sóror Mariana Alcoforado.
Nascida em Beja em 1640, Mariana tinha entrado no convento obrigada pelos pais, para manter-se a salvo da guerra contra a Espanha, quando se apaixonou pelo oficial francês Noel Bouton, marquês de Chamilly, que se encontrava em Portugal com sua tropa, apoiando o país na guerra contra a Espanha.
Apaixonadíssima pelo oficial, a freira permitiu que ele entrasse secretamente em sua cela noites seguidas, até que o romance entre os dois foi descoberto, o escândalo se propagou e o oficial foi mandado de volta à França.
Ao ver-se longe do seu amado, sóror Mariana lhe escreve cartas apaixonadas em que demonstra seu amor. São cinco cartas e em todas a liberdade com que ela se expressa são dignas de curiosidade. Primeiro por se tratar de uma freira, segundo porque o teor das cartas é muito livre, o que dificilmente seria obra de uma mulher daquela época.
Nos anos 60 encontrar livros raros era muito difícil. Ainda não Xerox, e para ler as cartas tive de tirar na Biblioteca Mario de Andrade, utilizando o endereço de uma colega que morava no centro de SP. Li o livro e me apaixonei pela figura da freira.
Tão apaixonada e tão envolvida com a leitura que até hoje o mistério permanece. Vivi o que vou narrar? Foi tudo um fenômeno parapsicológico? Ou uma experiência espiritual? Não sei.
Tomei o ônibus em Osasco e fui para a faculdade na Rua Maria Antônia, onde haveria o seminário. Estava relendo o pequeno livro, quando o ônibus parou na altura da Brown Boveri, indústria metalúrgica, em Osasco, e uma freira subiu junto com dois passageiros. Era uma mulher gorda, de pele muito branca. Usava um hábito roxo, e sentou-se ao meu lado. Dela emanava um cheiro de guardado, entre mofo e um perfume que exalava apenas resquícios do que fora.
Olhei de soslaio para aquela figura ao meu lado, e pude percebeu os poros abertos de uma pele muito clara onde ainda se acumulavam restos de talco. Tenho uma vaga lembrança de que não senti medo, apenas um estranhamento, uma sensação que não saberia traduzir com palavras.
Continuei lendo o livro, e se você quer saber, leitor, não sei quem desceu primeiro, se ela ou eu. Por mais esforços que tenha feito durante todos esses anos, não sei como essa historia termina.
Só depois, a partir do dia seguinte, é que me vieram algumas inquietações. Inquietações e perguntas que me acompanham desde então, e para as quais nunca encontrei respostas: por que uma freira estaria sozinha, se elas não costumam sair sozinhas, e muito menos à noite? Também pesquiso para saber qual a ordem religiosa que usa hábito roxo, mas também jamais descobri.
Em minha fantasia já cheguei a pensar que ela estava vestida com uma mortalha, mas nunca vou saber se tive uma alucinação ou se vivi algo extraordinário naquela noite. A verdade é que este episódio, para o qual não encontro explicação, me atormenta até hoje. E tenho muito clara na memória as feições, o corpo e as vestes daquela mulher misteriosa.
Acredito que todas as pessoas vivem experiências de natureza desconhecida, mas que não se dão conta. Como sempre quis saber o porquê de todas as coisas, me incomodo com os acontecimentos para os quais não encontro explicação.
No final dos anos 70, eu estava lendo no quarto, quando senti sede. Fui no escuro até a cozinha, porque minha mãe criava pássaros em gaiolas, e se eu acendesse a luz, um azulão faria um verdadeiro escândalo. Habituei-me assim a caminhar no escuro quando me levanto à noite; e hoje, mesmo não tendo pássaros engaiolados, mantenho o hábito.
Quando entrei na cozinha, vi um ovo de luz de aproximadamente 1,80 m. Tomei o maior susto, mas não havia com quem comentar, todos dormiam, por isso voltei morrendo de medo, com o copo d’agua e mal acabara de colocá-lo sobre a mesinha de cabeceira, quando minha mãe bateu na porta, me perguntando se eu tinha algum remédio para falta de ar.
Imediatamente liguei o mal estar dela ao ovo de luz, senti que àquela luz viera me avisar que eu iria enfrentar algo muito grave. Coloquei um casaco de lã comprido nela, e levei-a ao hospital. Lá chegando o médico diagnosticou edema pulmonar, mais cinco minutos, ele me disse, e sua mãe teria morrido. Coincidência? Não sei.
Uma outra vez, estava dormindo na casa de minha irmã, e quando acordei pela manhã, vi ao lado da cama, um braço no chão. Só um braço, cortado e ensanguentado.
No dia seguinte uma prima nossa veio nos avisar que a irmã dela falecera em um acidente de automóvel entre Pernambuco e a Bahia. Que ela, o marido e um dos filhos tinham ficado completamente despedaçados no acidente.
Ah...mas não pensem que adivinho o futuro, nem que convivo diariamente com o insólito. Esses fenômenos acontecem sem que eu preveja, sem que eu espere. E agradeço a Deus por não dominá-los.
Bom, mas também tenho experiências agradáveis. A mais interessante de todas aconteceu durante o carnaval deste ano, viajei com um grupo de místicos, para um sitio em Brotas, no interior de São Paulo. O grupo tentara hospedagem em vários lugares, mas não conseguira e, na última hora encontrou aquele local.
No sitio havia um córrego e os proprietarios disseram que ali havia argila. O líder espiritual aproveitou para nos levar lá, pois poderíamos utilizar aquela argila para tratamento terapêutico.
O grupo entrou no córrego e o líder pediu que antes de iniciar o tratamento, fizéssemos uma prece de agradecimento aos quatro elementos da natureza. Acompanhado por nós, ele dirigiu-se ao ar, ao fogo, à água e à terra. Em seguida pediu-nos que, em silêncio, todos nós agradecêssemos à mãe terra, e todos nós nos concentramos naquela prece.
De repente, sem que ninguém esperasse, as margens do córrego que eram um pouco altas, e estavam duras, compactas, se abriram e começaram a jorrar argila. O barro saía como se fosse um parto, derramando-se aos nossos pés. A argila saía e se acumulava no leito do riozinho, e ia até nossos joelhos de forma inexplicável.
Todos se deram conta de que estavam diante de um fenômeno que não conseguiam explicar e ninguém conseguiu conter as lágrimas. Algo ficou muito claro para cada um que ali estava: a terra se oferecia de forma dadivosa aos que a reverenciavam.
No dia seguinte voltamos ao local. As margens do riacho estavam quietas. Nada ali se movimentava exceto a água que corria. Novamente iniciamos uma prece e vimos o fenômeno se repetir.
Aquele encontro com a Terra me levou a pensar no quanto a natureza sente vontade de se comunicar conosco. No quanto ela vem tentando um diálogo com o homem e não se faz ouvir. E que talvez seja essa a razão das enchentes, dos furacões, dos terremotos. De tanto nos dirigir apelos, de tanto se ver agredida e não ser ouvida, ela se enfurece, e derrama sobre nós toda sua ira. Será?
Ah...Não pensem que adivinho o futuro, nem que convivo diariamente com o insólito. Esses fenômenos acontecem sem que eu preveja, sem que eu espere. E agradeço a Deus por não dominá-los.
* Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.
Olá
ResponderExcluirTer certos dons me remetem a um questionamento; é um presente ou uma maldição?
Já passei por isso na infância, não quero experimentar de novo...
Ótimo texto, bjs.
Núbia
Tenho sonhos premonitórios desde a infância, mas só me adiantam acontecimentos terríveis. Nunca entendi a utilidade do fenômeno e aguardo que me revelem os números da megassena, porque de literatura não se vive mesmo. Acredito que gente que desenvolve a sensibilidade, a sintonia com o redor, passa por tais experiências. De quebra, escreve crônicas saborosas que a gente sorve como um ou dois goles de café quentinho à tarde. Parabéns, Ris.
ResponderExcluirAh, que delícia de comentarios Núbia e Daniel. Sou dada a angústias sempre que alguém de quem gosto passa por algum momento difícil. Só que não sei a quem se refere.
ResponderExcluirQuando me via assim, minha mãe ficava preocupada. Ela me chamava de José do Egito. Assim que eu sei o que aconteceu, a angústia passa completamente.
Queria saber o número da Sena também, Daniel.
Beijos nos dois
Ris
São as movimentações das bruxas de cada um. Eu nunca vi e nem ouvi nada. Meu avô dizia que fantasmas não existem, e eu acreditei. Assim, embora arrepiante, e muito bem contado, ao terminar de ler, já esqueci. De um lado eu incrédula, do outro a minha mãe que era medrosa. Uma tia sofreu experiências muito parecidas com as suas, e por várias vezes...Há coisas inexplicáveis por aí.
ResponderExcluirRisomar, chego atrasado, mas nem sempre falho.
ResponderExcluirBoa crônica, boa provocação.
Que dizer? Que não creio em bruxas,pero... Evito conversar sobre tais fenômenos ou "fenômenos". Vocês podem me convencer de que eles existem.
Abraço.