segunda-feira, 10 de agosto de 2009


Preservação da memória

Poucas pessoas se preocupam, de fato – mediante ações efetivas – com a preservação da memória. Acontecimentos marcantes das famílias, por exemplo, são logo esquecidos e as gerações seguintes, seus descendentes, pouco ou nada ficam conhecendo dos feitos, sucessos e fracassos (estes também devem ser lembrados e com atenção redobrada) dos que lhes deram carinho, afeto, educação e, sobretudo, a vida.
Como se vê, sequer me refiro, aqui, à memória nacional, a dos grandes vultos, dos líderes, dos intelectuais, dos pesquisadores, dos construtores de cidades, tumbas e monumentos etc., dos que contribuíram, com suas ações, para a grandeza e o progresso do seu país. Destes, poucos são lembrados e reverenciados, como mereceriam, meros meses (ou menos) após morrerem.
Nem mesmo lembranças familiares são preservadas (salvo raríssimas exceções). É fato que a maioria das famílias conta com álbuns de fotografias que registram momentos especiais de suas vidas. Mas são imagens frias, sem referências, sem indicações de datas, locais e circunstâncias em que foram tiradas e, com o passar dos anos, são inúteis para de sequer sugerirem informações a respeito..
O que você conhece (a fundo) sobre o seu avô, caríssimo leitor? Ou acerca de seu bisavô? Ou mesmo do seu pai? Pouco, muito pouco, não é verdade? Raramente nos preocupamos em preservar para a posteridade documentos e anotações sobre nossa família. Achamos que é algo que importe apenas a nós. Nem sempre.
Explico por que. Este editor tem a “mania” de pesquisar a vida e a obra de escritores pouco conhecidos, mas cuja literatura seja de inegável valor estético. Ou seja, que tenha não apenas forma, mas, principalmente, conteúdo. Para tanto, busca informações onde a lógica sugere haver maior probabilidade de encontrá-las: as famílias dos personagens de suas pesquisas. Para sua surpresa, todavia, a imensa maioria delas lhe fornece escassíssimas indicações a esse propósito. E não se trata de má-vontade. Trata-se de ausência de documentação (e de memória).
O mais comum é que lhe franqueiem toneladas de papéis mofados, amarelecidos pelo tempo e empoeirados (uma tortura para os alérgicos), que as famílias desses escritores entendem que sejam “documentos”. A maioria consiste, apenas, de recibos de aluguel, de notas fiscais de aquisição de eletrodomésticos de todos os tipos, de canhotos de passagens de avião ou de ônibus e assim por diante. Ou seja, nada, absolutamente nada que seja aproveitável para o resgate da memória de um literato.
Ainda se houvesse anotações pessoais, rascunhos de textos literários, cartas, diários ou coisa que o valha, haveria algum proveito nessa papelama. Como resgatar a memória de alguém, todavia, apenas com essa papelada anônima, neutra, genérica e, portanto, sem utilidade prática? Entrevistando os parentes, por outro lado, suas referências tendem a ser as mais vagas possíveis, quando não contraditórias. Sai-se, desse tipo de entrevista, conhecendo menos sobre a pessoa pesquisada do que quando se entra nelas.
O quanto a sua esposa conhece da sua atividade literária, escritor amigo? “Ah, mas ela não se interessa por Literatura”, você poderá dizer. Seja didático e desperte o seu interesse pelas letras ou, pelo menos, pelo que “você” escreve. O que seus filhos sabem sobre os livros que você já publicou? Pelo menos os leram? Têm noção da sua qualidade? Os filhos deste editor (infelizmente) conhecem pouco, pouquíssimo da sua obra.
Não podemos, contudo, agir como se fôssemos viver para sempre. Não vamos! Temos que batalhar para que o fruto do nosso talento e da nossa inteligência nos sobreviva e seja útil às futuras gerações. Se não for para preservar nossas obras, respondam, com lógica e tirocínio: para quê produzi-las? Para que tenham fugaz “brilhareco” (na maioria, nem isso) e depois sejam esquecidas, como se nunca houvessem existido? Isso vai contra todo o senso lógico e prático de que este Editor se julga dotado!
O que você tem feito para preservar a memória da sua família? Tem, pelo menos, conversado com os filhos, sobre a trajetória familiar? Vem guardando documentos e referências que permitam reconstituir, um dia – se não com precisão, pelo menos de maneira bem próxima à realidade – aquilo que você é e faz?
Não se trata, creia, de mera vaidade. Longe disso. Trata-se de ser prático e não deixar que preciosas experiências e obras se percam por relaxo ou desinteresse.. Se não forem preservadas, certamente se perderão. Lembre-se que, na qualidade de escritor, você é (mesmo que não se dê conta ou relute em aceitar) figura pública e, portanto, potencialmente alvo do interesse geral. Não deixe sua memória morrer!

Boa leitura.

O Editor.

2 comentários:

  1. Quem negligencia a própria trajetória nada tem a dizer. Só a ancestralidade nos revela a origem, a raiz, aquele momento inaugural em que Deus comprime Seu polegar contra nossas testas e diz "vai!".

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  2. A minha mãe era uma exímia contadora de histórias, especialmente viagens e festas. Era leitora frequente, também médica, e tinha mais prazer em contar do que em participar dos fatos. Devido a essa característica, conheço bastante os meus avós. Já meu pai falou pouco dos pais dele, e sempre mal. Para o meu filho, numas caminhadas que temos feito juntos e diariamente pela manhã, tenho contado coisas da minha mãe, e ele tem gostado muito. Sobre mim, ele sabe o suficiente, mas uma década depois da morte, ou menos, será muito para que eu seja esquecida. Boa parte do que você disse, caro Pedro, pertence a história da maioria das pessoas.

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