quarta-feira, 12 de agosto de 2009


Concentração e astúcia

A Literatura é, por excelência, atividade solitária. Requer, entre outras características, de quem a exerce, concentração, autodisciplina, constância e paciência, muita paciência. Nenhum escritor sai por aí escrevendo furiosamente, achando que vai concluir um bom livro em semanas, dias ou, com extremo exagero, em horas. Não vai. Pode até conseguir, mas se for conduzido pela pressa, se for afoito achando que está sendo impetuoso, produzirá uma “monstruosidade”, em vez de excelente obra literária.
“Então, como escrever?” Esta será uma pergunta recorrente, que ao longo da sua carreira, amigo escritor, você fará inúmeras vezes a si, nas mais diversas circunstâncias. Fará, principalmente, quando estiver diante de uma folha de papel em branco, ou da tela em branco do seu computador (o que é mais provável), tendo que preenchê-las com o fruto da sua imaginação e criatividade.
O escritor britânico, Ian McEwan, dá uma indicação de como escrever: “Lembrando o conselho de Joyce: silêncio, exílio e astúcia”. “Quem é esse sujeito, para dar uma recomendação dessas com tanta empáfia?”, talvez você se pergunte. O que ele recomenda, porém, não tem nada de arrogante. Propõe-lhe nada mais do que o “be-a-bá” da atividade literária.
Ademais, McEwan tem “currículo” para fazer esse e outros tantos tipos de recomendação sobre literatura. Afinal, é ganhador de um dos mais importantes prêmios literários do mundo, o “Booker Prize”, que conquistou em 1998. Ademais, conta com uma coleção de sucessos editoriais, como is romances “Ao Deus dará”, “Cães negros”, “A criança no tempo”, “O inocente”, “O jardim de cimento”, “Primeiro amor, último sacramento”, “O sonhador”, “Amsterdam” e “Enduring Love”. Ufa!!! Acho que isso basta para informar quem ele é, não é verdade?
As tiragens desses seus livros ascenderam a milhões de exemplares. E, ao que se sabe, nenhum deles “encalhou” nas prateleiras das livrarias. Quando me refiro a “escritor”, portanto, não estou pensando naquele sujeito que escreveu e publicou um único livro na vida, quase sempre bancado do próprio bolso. Penso no profissional do texto, naquele que faz da Literatura seu meio de vida, sua tarefa cotidiana, sua paixão, vocação e não raro obsessão. Esse não pode escrever empiricamente, sob pena de sufocar um talento por falta de organização.
Analisemos as recomendações de McEwan, que na verdade nem são dele, mas de James Joyce, autor do emblemático “Ulysses”. A primeira delas é que você escreva em silêncio. Muitos já me disseram que o barulho não os incomoda e que, ao contrário, os estimula e inspira. Confessaram que escrevem com fone no ouvido, ouvindo rock da pesada e que, ainda assim têm performances que beiram à perfeição. Quando ouço esse tipo de coisa, penso com meus botões: “Que sujeito mentiroso. E se não estiver mentindo, pensa que é melhor do que de fato é”. E quando vou verificar quantos best-seller produziu, invariavelmente constato: nenhum!
Claro que eventualmente é possível de se produzir um excelente texto em meio a uma barulheira infernal. Este editor, por exemplo, compôs um poema, ganhador de vários prêmios literários e que encabeça seu livro (inédito) “O poeta de alma azul”, no Estádio Moisés Lucarelli lotado, em dia de superlotação para ver sua Ponte Preta jogar contra o Corinthians. Foi pura “zebra”. É possível escrever um ou outro texto nestas circunstâncias. Mas sempre?!!! De jeito nenhum!!! Por isso, refiro-me não ao escritor ocasional, mas ao profissional.
Outra recomendação é que você se “exile” do seu círculo de relacionamentos. Quem consegue escrever algo que preste sendo interrompido, a todo o momento, por visita de amigos, pela esposa lhe trazendo à baila os problemas da casa ou dos filhos lhe pedindo que arbitre suas briguinhas? Pior será se tiver que atender telefone a cada dez minutos e se constituirá em tragédia grega se tiver ao lado seu celular. Para escrever aquele livro que você tem certeza que irá emplacar, exile-se. Vá para uma praia deserta, para as montanhas, para o alto do Everest, para a Lua, para Marte, para onde quiser. Mas se isole.
Finalmente, vem a astúcia. E onde ela entra nesse elenco? Se você não souber responder, é melhor que nem ligue seu computador para começar a escrever qualquer texto. Ora, se não sabe convencer nem a si mesmo, como pode esperar que conseguirá essa façanha com os leitores?. Não conseguirá. Espero, pois, que estas dicas lhe sejam úteis. De qualquer forma, são gratuitas. Portanto, seja astuto: aproveite-as.

Boa leitura.

O Editor.

Um comentário:

  1. O Editorial de hoje abordou dois assuntos dentro do mesmo tema, e por isso alongou-se um pouco mais. As dicas vão nos propulsionando numa mesma direção. Observo que a intenção é nos instigar para melhorar a escrita. A motivação tem me chegado junto com os textos, mas não estou conseguindo avançar muito não.

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