Brilho perene
* Por Pedro
J. Bondaczuk
Há poetas tão bons, tão
profundos, de brilho tão intenso, que o tempo não consegue ofuscar
e, pelo contrário, o realça ainda mais, como uma estrela radiosa
que permanece por milhões de anos encantando algum eventual
observador. Claro que há escritores de outros gêneros que também
encantam e se perpetuam na memória de gerações. Citei,
especificamente, os que lidam com poesia dada a maior dificuldade de
se impor ao grande público. Há, ainda, muita resistência dos
leitores em comprar livros do gênero e das editoras em publicá-los.
Um desses poetas notáveis,
que entra ano, sai ano, conserva (se não amplia) o seu prestígio, é
Rainer Maria Rilke. Quase tudo o que se refere a ele é, digamos,
exótico, original, diferente, que chama a atenção pelo inusitado.
Vamos a alguns exemplos? Começo com sua nacionalidade. Ele nasceu em
Praga, em 4 de dezembro de 1875. Bem, diante disso, todos dirão,
certamente, que se trata de um checo, certo? Errado! Ocorre que essa
cidade, e todo o território da atual República Checa, integravam,
na época, o Império Austro-Húngaro. Até hoje, portanto, seus
biógrafos, e todas as enciclopédias, caracterizam Rilke como de
nacionalidade austríaca.
Outro aspecto inusitado
refere-se ao seu prenome. Ele foi registrado como René. Todavia,
mudou-o, já maduro, para Rainer. A terceira peculiaridade refere-se
ao idioma em que produziu sua vasta, memorável e belíssima obra
poética. Ele é tido e havido, com toda a justiça, como um dos
melhores escritores de língua germânica de todos os tempos,
ombreando-se a Johann Wolfgang Von Goethe. Todavia, muitos dos seus
mais expressivos poemas foram escritos em francês. Há outras tantas
peculiaridades em torno da sua figura, no entanto, as que citei já
bastam para o que quero dizer.
Entrei em contato com a poesia
de Rilke na adolescência e, encantei-me de tal forma com ela, que
até hoje está entre as minhas favoritas. Aliás, ao amante da boa
poesia, é difícil, se não impossível, não gostar desse poeta.
Nos círculos literários que frequento, não há um único escritor
que não o aprecie. Para não gostar dele, só mesmo tendo um péssimo
gosto, ou não apreciar a poesia como gênero literário nobre ou
nunca ter lido nada de Rilke. Neste último caso, enquadram-se os
néscios e arrogantes, os tais que afirmam, como se se tratasse de
algo meritório: “não li e não gostei”. Desses quero distância!
A enciclopédia eletrônica
Wikipédia define da seguinte maneira suas principais características
literárias: “ sua obra é original, marcada pelo tratamento da
forma e pelas imagens inesperadas. Celebra a união transcendental do
mundo e do homem, numa espécie de ‘espaço cósmico interior’”.
Concordo com essa descrição, que considero bastante fiel
Além de três dos seus
livros, tenho centenas de poemas esparsos, transcritos de revistas
literárias internacionais, todos digitados e gravados na memória do
meu computador, para o meu deleite. Não passa uma única semana sem
que eu leia algum (geralmente vários) deles. É um poeta, sobretudo,
inspirador.
Destaco que Rainer Maria Rilke
morreu muitos, mas muitos mesmo, anos antes de eu nascer, em 29 de
dezembro de 1926, na cidade suíça de Valmont. Seus poemas, todavia,
mantêm a atualidade temática e também a formal como se houvessem
sido compostos, digamos, na manhã de hoje. Conheço poucos que
conseguem essa façanha.
Nos seus 51 prolíficos anos
de vida – morreu bastante jovem para os padrões atuais –
legou-nos dez livros, vários deles relançados, volta e meia, quer
na Europa, quer nos Estados Unidos ou no Brasil. E eles são os
seguintes: “Vida e canções” (1894), “Geldbaum” (1901), “O
livro das imagens” (1902), “O livro das horas” (1905), “Novos
poemas” (1907), “A vida de Maria” (1913), “Os cadernos de
Malte Laurids Brigge” (1910), “Elegias de Duino” (1923),
“Sonetos a Orfeu” (1923) e “Cartas a um jovem poeta”
(publicado postumamente em 1929). Oportunamente, tratarei de cada um
deles, separadamente.
Por hoje, todavia, separei os
três poemas abaixo, com excelente tradução do também brilhante
poeta Augusto de Campos, para que quem tem “intimidade” com
Rilke, se delicie com a sua inspiração e, quem não tem, tome
conhecimento da sua obra e se interesse em pesquisar outras entre
suas magníficas produções.
A Solidão
A solidão é como chuva.
Sobe do mar nas tardes em
declínio;
das planícies perdidas na
saudade
ele se eleva ao céu, que é
seu domínio,
para cair do céu sobre a
cidade.
Goteja na hora dúbia
quando os becos
anseiam longamente pela
aurora,
quando os amantes se
abandonam tristes
com a desilusão que a
carne chora;
quando os homens, seus
ódios sufocando,
num mesmo leito vão
deitar-se: é quando
a solidão como os rios vai
passando...
O anjo
Com um mover de fonte ele
descarta
tudo o que obriga, tudo o
que coarta,
pois em seu coração,
quando ela o adentra,
a eterna Vinda os círculos
concentra.
O céu com muitas formas
lhe aparece
e cada qual demanda; vem,
conhece ---
não dês às suas mãos
ligeiras nem
um só fardo; pois ele, à
noite, vem
à tua casa conferir teu
peso,
cheio de ira, e com a mão
mais dura,
como se fosses sua
criatura,
te arranca do teu molde com
desprezo.
L’ange du meridièn
Na tormenta que ronda a
catedral
como um contestador que o
seu juízo
mói e remói, é um
bálsamo, afinal
ser-se atraído pelo teu
sorriso:
anjo ridente, amável
monumento,
com uma boca de cem bocas:
não
te ocorre vislumbrar por um
momento
o quanto as nossas horas já
se vão
do teu relógio, onde a
soma do dia
é sempre igual, em nítida
harmonia,
como se as nossas horas
fossem plenas.
Pétreo, como saber das
nossas penas?
Acaso teu sorriso é mais
risonho
à noite, quando expõe a
pedra em sonho?
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de
Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do
Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções,
foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no
Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios
políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas),
“Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da
Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º
aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53,
página 54. Blog “O Escrevinhador” –
http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Quero entendê-lo, mas falho. É muito difícil para mim.
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