Dias anormais
* Por Mateus Modesto
O dia parecia igual ao anterior.
O sol se levantou no horário certo, poucas nuvens, céu azul. O ônibus passou no
exato momento de ontem. Lotado como sempre. Os pássaros cantavam e voavam à
vista da janela. Mas o despertador não tocou às seis. Era o primeiro dia de
férias.
João levantou tarde. Teria esse
hábito pelos próximos 30 dias. As primeiras semanas de férias desde 2005. Seu
corpo, sua mente, seu cachorro pediam isso. “Acordar tarde, dormir tarde;
acordar cedo, dormir tarde; acordar tarde, dormir cedo”, reproduzia mentalmente
uma propaganda da televisão. Os dias que viriam seriam novidade para ele. Ficar
sem fazer nada não era normal para aquele dedicado funcionário público. Mas
estava disposta a aprender.
O relógio indicava duas horas da
tarde quando ele se sentou para almoçar. Arrumara seu guarda-roupa, o que fazia
exclusivamente aos sábados. Mas era quebra de rotina. Valia a pena alternar.
Outras coisas fizera naquela manhã, mas nada de anormal, a não ser a arrumação.
Lavou os pratos, as roupas, os sapatos. Tudo tão monótono que ele sentiu falta
da firma. E chegou ao ponto de pensar em ir trabalhar. Tarde sem sol, dia sem
graça. A cama foi o único lugar para ele. Lençóis frios, sono fácil. Um som
ambiente, para ajudar no sono.
Tudo estava diferente agora. Eram
quase cinco da manhã quando João foi deitar. Foi à praia, ao cinema, à
lanchonete, passeou no shopping-center e ficou assistindo a filmes antigos na
televisão. Anormal para aquele responsável funcionário público. Porém, sua
idade não permitia essas “aventuras”. Seu corpo ficou todo dolorido, como se
tivesse sido atropelado. Não levantou da cama na outra manhã. Eram três horas
da tarde quando ele resolveu tomar um remédio. “E eu que fosse para a
balada...”, lembrava aliviado.
As dores em seu corpo duraram
metade daquela semana. Boas lembranças para ele. Era o que pedia: grandes
recordações. Viriam outras, mas não tão especiais quanto os avisos da sua
velhice. Seu sofrimento pelos cantos da casa demonstrara que aquele mês fora o
melhor dos seus últimos dois anos. Foi ao interior do estado, ao parque, ao
circo, gastou o adiantamento do seu 13º salário, outra boa parte do seu salário
em souvenir de praia, eventos e
feiras de moda, livro e artesanato. Estava feliz. Não era comum aquele comedido
funcionário público dormir até meio-dia em plena terça-feira, ou fazer compras
às duas da tarde, ou tomar café da manhã às oito, ou, o melhor, andar em ônibus
vazio – o que ele desconhecia.
Ele se preparava para voltar ao
trabalho. “Dormir cedo, acorda mais cedo ainda; dormir tarde, acordar cedo”,
cantarolava tristemente. Era o último entardecer que ele via da janela da sua
casa. O mais bonito, vermelho e alegre daqueles dias. Era um adeus. João
chorou. Definitivamente anormal.
* Jornalista
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