Arte e Ciência
As
duas maiores manifestações de racionalidade são as ciências e as artes. Ambas
implicam em criação, mais especificamente, em "invenção", e exigem
que o autor tenha preparo intelectual para exercê-las. Mas apenas isso não
basta. É insuficiente que o artista ou o cientista estejam apenas com a cabeça
cheia de conceitos abstratos, se não souberem o que fazer com eles.
No
caso das artes, é preciso que o indivíduo seja dotado, sobretudo, de
sensibilidade e que conte com aguçado senso de observação. Fernando Pessoa faz
longas digressões sobre essas duas vertentes da razão, com observações precisas
e originais.
Claro
que, como artista, na qualidade de escritor e, sobretudo, de poeta, opta, em
suas apreciações, pelas artes. Afirma que se trata da manifestação mais
legítima da criatividade, por partir virtualmente do nada, quando muito de um
retalho de idéia. Já a ciência tem todo um arcabouço de leis fundamentais que
regem a natureza, sem o conhecimento das quais nada poder fazer. Mas o
pesquisador científico tem onde se apoiar. Conta com um ponto de partida.
Para
tornar o raciocínio mais claro, Pessoa estabelece a diferença entre as
disciplinas. "A Ciência descreve as coisas como são; a arte, como são
sentidas, como se sente que são. O essencial na arte é exprimir, o que se
exprime não tem importância". Seu âmbito, portanto, não é a precisão. É,
sobretudo, o senso estético, a noção do belo, a sugestão dele mesmo onde não
exista.
O
campo de atuação do artista, "pastor de fantasias", quase sempre é o
improvável, o imponderável, o impossível. Mas dessa abstração, mediante a
utilização de signos, de símbolos, de sinais, consegue fazer o concreto: a obra
de arte.
Na
sociedade utilitarista de hoje, essa manifestação de racionalidade é encarada
como coisa supérflua. É vista, com muito boa vontade, como um gosto, um
"hobby", um passatempo ou às vezes um investimento financeiro.
Veja-se o que está acontecendo com a poesia, cujos livros são cada vez menos
consumidos e, por conseqüência, editados. No entanto, dos vários gêneros
literários existentes, é o mais nobre, mais complexo e de mais difícil manejo.
O
verdadeiro valor da arte, no entanto, não está no aspecto econômico, embora
haja toda uma indústria orbitando ao seu redor. Ela é, no entender de Fernando
Pessoas, "a auto-expressão lutando para ser absoluta". É ela, "e
não a História", a verdadeira "mestra da vida". Por pior que
seja uma obra, no seu aspecto formal, ainda assim brilha e se justifica se
consegue despertar no espectador, senão contemplação, pelo menos reflexão, ou
emoção.
"Uma
obra de arte é... em sua essência uma invenção com valor", diz Fernando
Pessoa. "Se não for invenção, o valor permanece a quem inventou; se não
tiver valor não será obra de arte, pois que importa inventar o que não
presta?" Na maior parte das vezes o artista parte, na elaboração do seu
trabalho, de objetos e experiências pré-existentes.
Um
escritor, por exemplo, na criação de um personagem para um romance, conto ou
peça teatral, utiliza-se de características físicas e/ou psicológicas de
pessoas que conhece ou conheceu. Ao preparar um cenário para o enredo da sua
história, pesquisa vários ambientes, estilos e formas de decoração. Tem cuidado
para que haja coerência quanto à moda da época em que a trama que elaborou se
desenvolve.
Ou
seja, lança mão daquilo que o cerca. Usa o que existe ou que existiu. Esse
recurso vale tanto para pessoas, quanto para coisas. Ou para fatos, por que
não? Mesmo quando projeta seu enredo no futuro, "cria" cenários,
personalidades e experiências transformando o já existente. E nem por isso está
deixando de fazer arte.
Um
artista plástico, ao pintar uma tela, pode tomar como modelo uma paisagem que o
impressionou, ou pegar alguém, ou algum objeto, como modelo. Não precisa – e
ultimamente não o faz – reproduzi-los como são. Projeta-os em seu quadro como
os "sente". O importante não é o que o inspirou. Não é como surgiu a
idéia original. O que conta é a forma com que o artista a trabalhou. É o toque
de inventividade que colocou na obra.
"Ao
contrário da invenção prática, que é uma invenção com valor de utilidade, e da
invenção científica, que é uma invenção com valor de verdade, a obra de arte é
uma invenção com valor absoluto", acentua Fernando Pessoa. E conclui:
"A arte é a notação nítida de uma impressão errada (falsa), (a notação
nítida duma expressão exata chama-se ciência). O processo artístico é relatar
essa impressão falsa de modo que pareça natural e verdadeira".
Boa leitura.
O Editor
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Muito complicado para mim este final.
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