quarta-feira, 4 de agosto de 2010




Palmas para quem divulga cultura

* Por Mara Narciso



Essa mania de ler tudo o que aparece e organizar o tempo para dar conta do mais importante, dá trabalho e prazer. Ler bula de remédio é folclore, mas também necessidade. Longas, quase um dicionário, é preciso boa visão e calma para lê-las.
A minha amiga Margarida Batista, nos tempos da Faculdade de Medicina, também manifestava gosto pela leitura, para além dos “livrões” que estudávamos. Nós tínhamos lido “A Cidadela” de A. J. Cronin. Ela gostou. Eu disse com desdém: “Você gosta de tudo que lê. Acho que você não tem gosto”. Nem Margarida, nem eu largamos das leituras médicas e nem das outras, e ela é boa anestesista porque estuda.
Eu tenho gostos e desgostos. Não é tudo que me agrada ou me apetece, mas não posso deixar de levantar a bola para quem faz. Azedume e despeito são ingredientes tão comuns, que não custa elogiar quem de fato constrói. Quando vejo muxoxos, ares de importância, desprezo pelos feitos alheios, presto atenção. Na certa, quem tem esse comportamento não está fazendo melhor que os criticados. Muitas vezes não estão fazendo nada.
Dia desses alguém me disse que iria se mudar de Montes Claros. A pessoa em questão é nascida aqui e estava cansada de viver nesse lugar atrasado, onde nada ocorre, menos ainda no setor cultural. Disse que a cidade era inculta, grossa, que não aconteciam shows de bom nível, não tinham peças de teatro, nem galerias de arte, era apenas um sertão brutalizado, sem nada que valesse ver. Argumentei que ela se informasse, pois nas diversas áreas aconteciam eventos, desde lançamento de livros – heroísmo com direito a medalha de honra –, vernissages, exposições, feiras, lançamentos de discos, shows musicais, shows de dança, teatro, discussões sobre cinema, muitos tipos de festas, congressos nas mais variadas áreas do conhecimento. Era preciso prestigiar para melhorar.
Todo esse preâmbulo é para dizer que sou ouvinte assídua da Rádio Unimontes, e admiradora do Programa “Nossa Arte, Nossa Gente”. São mais de cinco anos de programa, todos os sábados das 8 as 9 da manhã, onde Josecé Alves dos Santos é a alma de tudo, a parte técnica fica com Alex Tuta, e Ana Valda Vasconcelos participa com a sua agenda cultural. O programa divulga cultura, dando oportunidade aos artistas regionais de mostrarem a sua produção, pois lá se apresentam músicos, poetas, escritores, dançarinos, pintores, atores, aqueles que produzem arte na região. Há apresentações de músicas ao vivo, além das entrevistas no tradicional “Dedo de Prosa”.
Vê-se uma espontaneidade de veteranos nos apresentadores, que ficam e deixam à vontade os seus convidados. Os números musicais e conversas trazem as tradições, comidas, brincadeiras, raízes, e valorizam as coisas do Norte de Minas, ainda assim, deixam espaço para outras culturas.
Cantor, compositor, instrumentista, repentista, poeta de cordel, e outras habilidades, Josecé faz e dá espaço para os artistas mostrarem o que fazem. Violonista bem aquinhoado, o apresentador não bebe, mas canta a fama da cachaça da beira do seu venerado Rio São Francisco, que o levou tantas vezes à sua cidade natal Petrolina. Josecé é pernambucano e muitos pensam que ele seja de Pirapora, cidade onde foi criado, subindo e descendo o rio, junto com seu pai, que era quem dava vida a um dos navios a vapor, chamados “gaiola”.
Há alguns anos, quando Josecé lançou o memorável CD “Rio e Sonhos” (ele produz discos para outros artistas, em gostosas coletâneas), eu me apaixonei por algumas canções, especialmente “O Gaiola” que virou tema de abertura do seu programa e foi gravado por Marcus Viana. Antes do lançamento oficial, ele fez uma pré-gravação e eu tive o privilégio de ter uma cópia, então sei como era e como ficou na segunda versão. Para gravar a música, Marcus Viana mudou a letra original. A troca de palavras, a meu ver, mutilou o conjunto. Aproveito para reclamar do resultado. O percurso do Rio São Francisco, de Pirapora até Juazeiro (1.371 km), dentro de um navio a vapor, que dura dias (menos na ida e mais na volta) é uma viagem “enfadonha”, palavra original, ou “alegre”, que foi a mudança imposta por Marcus Viana? A minha birra não é nova, e estava entalada aqui dentro. Era preciso desentalar.


* Médica endocrinologista, acadêmica do oitavo período de jornalismo e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”

7 comentários:

  1. Abençoados sejam todos aqueles que divulgam o trabalho dos artistas, essas pessoas que muitas vezes dão a alma, passam privações, incompreensões, para realizar seu trabalho, e não vêem nenhum retorno financeiro. E ainda assim continuam, porque o que as move é a arte, é ela que corre nas veias, e embora exija de quem a faz inúmeros sacrifícios, continuam.
    E quem tiver algum canal que possa ajudar esses artistas a levar o que fazem ao conhecimento do público público, que faça. É dever nosso, afinal o que seria da vida sem música, sem poesia, sem cinema, sem dança, sem pintura?

    ResponderExcluir
  2. depende do contexto mãe
    supondo que o cara conheça tal trajeto, e que também seja um masoquista, é bem capaz dele achar a viagem "alegre"

    beijos

    ResponderExcluir
  3. Gostei muito Mara, concordo com a Risomar, "abençoados sejam todos aqueles que divulgam o trabalho dos artistas..." Parabéns!

    ResponderExcluir
  4. Muito bom, Mara.
    Concordo também com Sayonara e Risomar.
    Parabéns para todaos!
    Abração do,
    José Calvino
    RecifeOlinda

    ResponderExcluir
  5. Obrigada gente, pelo carinho dos comentários. O texto só existe quando é lido, e quando ninguém comenta, parece que falamos no deserto. Agradecida mesmo!

    ResponderExcluir
  6. Mara,
    Este seu texto me deu ainda mais vontade de conhecer Montes Claros, suas histórias e sua gente. Um dia ainda passo por aí. Abraços e parabéns.

    ResponderExcluir
  7. Marcelo,

    Estamos aprendendo a deixar de lado o complexo de pobres e sujos, com muito trabalho.
    Muito obrigada pelo simpático comentário.

    ResponderExcluir