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Menucci, com Bach e o povo
* Por Marco Albertim
A bandeira que adoramos
Não pode ser manchada
Com o sangue de uma raça
Presa ao cabo da enxada
O estribilho consta da letra do Hino das Ligas Camponesas, autoria de Francisco Julião. A música é do maestro Geraldo Menucci. Julião já não vive mais. Mas Menucci continua em Recife, no 21º andar de um prédio da avenida Manoel Borba. O apartamento confunde-se com um arquivo de memórias, posto que abriga centenas de pastas, discos, cd’s e o instrumento que o fascina desde os 14 anos de vida, quando entrou no Conservatório Brasileiro de Música, Rio de Janeiro. “Estudei com a professora Branca Carde Cunha, da Orquestra Sinfônica Brasileira”, informa ele, mirando o passado, do alto dos seus 81 anos. Vê-se que foi um homem alto, porquanto tem o dorso curvado; a barbicha cobrindo o queixo compensa a calvície; a voz pausada, com clareza silábica, acentua-lhe o contorno clerical; com viés “naturista e orientalista.”
“Vim a Recife para passar três meses em casa de parentes, mas passei 14 anos. Havia muitos movimentos culturais populares na cidade.” A estada foi interrompida pela perseguição que sofreu em 64. “Fugi com a ajuda de D. Hélder Câmara, disfarçado de padre com a batina que ele me deu. Ele assumiu o arcebispado em 12 de abril e me disse que a polícia estaria concentrada na avenida Dantas Barreto, onde, num palanque, fez o primeiro pronunciamento como arcebispo.” Acolhido pelo maestro Vicente Fittipaldi, entrou na Orquestra Sinfônica do Recife; em 59, tornou-se o regente-assistente. Criou o Coral Bach do Recife, com o qual empreendeu turnê em Roma, Pisa, Veneza, Vilach, Viena, Kiev, Leningrado e Moscou. Na capital russa, apresentou-se no VI Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes pela Paz e Amizade; e gravou, na Rádio Moscou, um compacto com músicas brasileiras e da Renascença. Duas mil cópias editadas com o apoio do Ministério da Cultura da então URSS. Voltou a Recife, surpreendendo-se com uma ordem de prisão do chefe de polícia Álvaro da Costa Lima. Não era 64, mas o futuro torturador do DOPS, explicando-se, disse tratar-se de “ordem de prisão não em sentido rigoroso.” – “Não há ordem de prisão em meio termo; é ordem de prisão ou não é!” – argumenta o maestro.
No Movimento de Cultura Popular, é o responsável pelo ensino de música. Ao lado de Abelardo da Hora, artes plásticas; Luiz Mendonça, teatro; e Flávia Barros, dança. É fundada a Casa das Artes, dirigida por da Hora. Em 57, junta mil operários e 250 crianças, na sede do Clube Náutico Capibaribe; depois do ensaio em campo aberto, na Universidade Rural Federal de Pernambuco, entoam música com letra acentuando a exploração capitalista sobre a classe operária. “A serenata fluvial foi em novembro de 63; do Poço da Panela à avenida Guararapes, no rio Capibaribe. Com 60 cantores, 20 voluntários, archotes de madeira e lanternas coloridas. Dizia-se que a data escolhida era para homenagear a revolução russa. Ora... Nós fomos ao Iate Clube e nos recomendaram a data porque os ventos eram favoráveis! O Diário de Pernambuco estampou: Os corsários do Capibaribe – Menucci ri.
Geraldo Menucci, 60 dias preso num cárcere do presídio da rua Frei Caneca, RJ. Fora pego na viagem que fizera do Rio para Campos de Jordão; tinha uma lesão no pulmão. O ator Mário Lago redige uma carta ao Ministério da Guerra, e pede para a mãe do maestro assinar. Menucci é solto.
Convidado pela consulesa Koromoto Calderón, da Venezuela, no Recife, apresenta-se em Brasília na recepção ao ministro da Cultura daquele país, Francisco Sesto. O ministro lhe diz que os quer em Caracas; três concertos na terra de Bolívar. Desde então é persona grata no consulado. “É possível que eles comprem uma casa em Olinda, para a sede da Fundação Centro de Criatividade Musical”, adianta.De pés descalços também se faz música é o nome do projeto para moços de famílias pobres. Interrompido há dois anos com a perda da sede, Menucci, triste, está sem reger.
* Por Marco Albertim
A bandeira que adoramos
Não pode ser manchada
Com o sangue de uma raça
Presa ao cabo da enxada
O estribilho consta da letra do Hino das Ligas Camponesas, autoria de Francisco Julião. A música é do maestro Geraldo Menucci. Julião já não vive mais. Mas Menucci continua em Recife, no 21º andar de um prédio da avenida Manoel Borba. O apartamento confunde-se com um arquivo de memórias, posto que abriga centenas de pastas, discos, cd’s e o instrumento que o fascina desde os 14 anos de vida, quando entrou no Conservatório Brasileiro de Música, Rio de Janeiro. “Estudei com a professora Branca Carde Cunha, da Orquestra Sinfônica Brasileira”, informa ele, mirando o passado, do alto dos seus 81 anos. Vê-se que foi um homem alto, porquanto tem o dorso curvado; a barbicha cobrindo o queixo compensa a calvície; a voz pausada, com clareza silábica, acentua-lhe o contorno clerical; com viés “naturista e orientalista.”
“Vim a Recife para passar três meses em casa de parentes, mas passei 14 anos. Havia muitos movimentos culturais populares na cidade.” A estada foi interrompida pela perseguição que sofreu em 64. “Fugi com a ajuda de D. Hélder Câmara, disfarçado de padre com a batina que ele me deu. Ele assumiu o arcebispado em 12 de abril e me disse que a polícia estaria concentrada na avenida Dantas Barreto, onde, num palanque, fez o primeiro pronunciamento como arcebispo.” Acolhido pelo maestro Vicente Fittipaldi, entrou na Orquestra Sinfônica do Recife; em 59, tornou-se o regente-assistente. Criou o Coral Bach do Recife, com o qual empreendeu turnê em Roma, Pisa, Veneza, Vilach, Viena, Kiev, Leningrado e Moscou. Na capital russa, apresentou-se no VI Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes pela Paz e Amizade; e gravou, na Rádio Moscou, um compacto com músicas brasileiras e da Renascença. Duas mil cópias editadas com o apoio do Ministério da Cultura da então URSS. Voltou a Recife, surpreendendo-se com uma ordem de prisão do chefe de polícia Álvaro da Costa Lima. Não era 64, mas o futuro torturador do DOPS, explicando-se, disse tratar-se de “ordem de prisão não em sentido rigoroso.” – “Não há ordem de prisão em meio termo; é ordem de prisão ou não é!” – argumenta o maestro.
No Movimento de Cultura Popular, é o responsável pelo ensino de música. Ao lado de Abelardo da Hora, artes plásticas; Luiz Mendonça, teatro; e Flávia Barros, dança. É fundada a Casa das Artes, dirigida por da Hora. Em 57, junta mil operários e 250 crianças, na sede do Clube Náutico Capibaribe; depois do ensaio em campo aberto, na Universidade Rural Federal de Pernambuco, entoam música com letra acentuando a exploração capitalista sobre a classe operária. “A serenata fluvial foi em novembro de 63; do Poço da Panela à avenida Guararapes, no rio Capibaribe. Com 60 cantores, 20 voluntários, archotes de madeira e lanternas coloridas. Dizia-se que a data escolhida era para homenagear a revolução russa. Ora... Nós fomos ao Iate Clube e nos recomendaram a data porque os ventos eram favoráveis! O Diário de Pernambuco estampou: Os corsários do Capibaribe – Menucci ri.
Geraldo Menucci, 60 dias preso num cárcere do presídio da rua Frei Caneca, RJ. Fora pego na viagem que fizera do Rio para Campos de Jordão; tinha uma lesão no pulmão. O ator Mário Lago redige uma carta ao Ministério da Guerra, e pede para a mãe do maestro assinar. Menucci é solto.
Convidado pela consulesa Koromoto Calderón, da Venezuela, no Recife, apresenta-se em Brasília na recepção ao ministro da Cultura daquele país, Francisco Sesto. O ministro lhe diz que os quer em Caracas; três concertos na terra de Bolívar. Desde então é persona grata no consulado. “É possível que eles comprem uma casa em Olinda, para a sede da Fundação Centro de Criatividade Musical”, adianta.De pés descalços também se faz música é o nome do projeto para moços de famílias pobres. Interrompido há dois anos com a perda da sede, Menucci, triste, está sem reger.
* Jornalista e escritor. Trabalhou no Jornal do Commércio e Diário de Pernambuco, ambos de Recife. Escreveu contos para o sítio espanhol La Insignia. Em 2006, foi ganhador do concurso nacional de contos “Osman Lins”. Em 2008, obteve Menção Honrosa em concurso do Conselho Municipal de Política Cultural do Recife. A convite, integra as coletâneas “Panorâmica do Conto em Pernambuco” e “Contos de Natal”. Tem dois livros de contos e um romance.
Lindo texto, Marco. Tomara que as palavras do ministro da Venezuela se concretizem e comprem a casa para o Maestro desenvolver este trabalho maravilhoso.
ResponderExcluirProjetos assim não podem morrer...
Abraços