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Carta a uma jovem amiga
* Por Urariano Mota
Vou procurar, na medida do possível, tirar a parte de amigo mais velho. Isso é bom e ruim ao mesmo tempo. Se eu não pusesse a parte de mais amigo mais velho de lado, correria o risco de ser muito rigoroso, mais rigoroso do que se fizesse a crítica a um estranho. E como amigo perderia a visão que terceiros, estranhos têm, porque não estão envolvidos afetivamente com o objeto de sua análise. Por outro lado, ser um amigo maduro é possuir dados, informações, que outros não têm. E disso não posso abrir mão em minha análise.
Então, pensando melhor, vou me esforçar e dividir a crítica em 2 partes: na primeira, com os olhos de um estranho. Na segunda, como amigo. Nas duas, tanto em uma como em outra, com a observação e experiência de quem escreve.
Um psicólogo diria: “Trata-se de uma jovem educada, atenciosa, pacífica, de boa índole. Mas isso, é claro, na aparência. Eu diria mesmo que ela procura passar essa impressão. Nas condições em que a vi, na entrevista da clínica, diria mesmo que é uma jovem que eu gostaria de ter como filha. Ou uma jovem que eu gostaria de ver casada com meu filho. No entanto, ultrapassadas essas primeiras impressões, a que somos levados por sua boa aparência, podemos anotar mais coisas. Quando fechamos os olhos a seu aspecto de boa moça, outras observações se fazem presentes. Delas talvez a mais importante é que ela é uma jovem agressiva, de agressividade que mantém sob controle. Não sei se em condições extremas, de álcool ou mesmo outra droga, tal agressividade possa continuar reprimida. Outra coisa, talvez mais importante, notei que ela é impulsiva, obedece aos impulsos que vêm na sua cabeça, ou do seu coração. Isso, é claro, acontece em todos os jovens. Mas é necessário, ainda assim, que se anote. Por último, há nela qualquer coisa de extrema ansiedade, de achar que o tempo é curto, curtíssimo, sempre. Talvez fosse bom, para evitar o uso de remédios ou drogas que deixam dependência, talvez fosse bom que a jovem ouvisse mais música, de Bach, de preferência, para relaxar os nervos. Bons filmes, que não estimulem a violência, também podem ser indicados. Se gosta de ler, deveria cultivar os bons romances russos, ou os de Dickens. Nos intervalos, procure e desenvolva a arte da conversa, da boa conversa, de ouvir pessoas. Quem ouve, sempre cultiva o convívio, enquanto domestica a ansiedade. Os ansiosos não ouvem nem escutam. Só falam.
Diagnóstico: é moça equilibrada, sensata, inteligente. Mas sujeita a pequenas instabilidades de humor. A música de Bach, ótimos livros, e a escolha de objetivos a serem atingidos, bem podem curá-la”.
Segunda parte
É uma pessoa dotada de força de vontade. Isso é uma característica fundamental para qualquer pessoa que alimente um projeto. As pessoas morrem em vida quando perdem um horizonte, um plano, um sonho a ser atingido. Este não é o seu caso. Quando se determina a atingir um alvo, ela reúne todas suas forças, da esperteza à inteligência, para alcançar o que deseja. Ela irá consegui-lo – esta é a sua certeza. Ninguém lhe disse ainda, mas é chegada a hora de falar: para todos os que lutam, o obstáculo é apenas um estímulo.
Lembro agora de um fato que pode ser bem esclarecedor do seu desenvolvimento intelectual. Na infância, ela se anunciou como uma menina de grande inteligência. Adolescente, no começo, chegou mesmo a alimentar o sonho de que seguiria uma carreira científica, tão bem se mostrava na solução de problemas matemáticos. Mas então surgiu um dado emocional, que lhe deu um outro caminho: a impaciência fez com que renunciasse a uma carreira que só dá os frutos ao fim de longos e muito longos anos de estudo e dedicação. E o que é a impaciência? – A impaciência é a vontade de pegar os frutos antes que venha a estação da safra. Então, procurou o caminho de conquistar destaque sem o sofrimento – ou alegria - do trabalho em silêncio. Sonhou em ganhar vôo, conquistar outras terras, sem a “chatice” de horas sentado a pesquisar nos livros.
É claro, nessa impaciência, nessa mudança de rumos houve a influência de amigos, conhecidos, para quem o valor maior era curtir a vida, ganhar dinheiro e conquistar pessoas. Não teve, entre as pessoas da sua idade, uma só que remasse contra esses valores que, afinal, são os valores da sociedade dominante. Ou seja, a sociedade que chama professores de “professorzinho”, que chama os estudiosos de “nerd”, ou que despreza pessoas inteligentes e pobres, porque a inteligência casada à pobreza é coisa de otário. É natural que as coisas tenham ocorrido assim. Afinal, “todos” são assim. É natural, portanto, que a impaciência, agora misturada a outros valores, tenha então atingido uma jovem que seria cientista. Mas não sei se tais projetos eram antes projetos frustrados deste amigo mais velho, que pensa às vezes que, se não fosse escritor, seria um bom matemático. E por isso, projetava para ela a carreira que não seguiu. Mas o fato é que na altura dos 15 /16 anos um novo surgiu na moça e esse novo, se por um lado tinha o saudável germe de liberdade e rebeldia, por outro, desprezava as lições da experiência como se fossem ultrapassadas. Daí que, é natural também, por não olhar as lições de quem sofreu antes dela, cometesse alguns erros e amargou e sofreu o que poderia ter evitado.
Como é inteligente – qualidade que não perdeu –, na vizinhança dos 24 anos, acorda para os caminhos que agora deve seguir. E aqui, como uma nova mulher, acorda para recolher os frutos da experiência. Mas esse acordar não vem por acaso. Vem como o resultado de alguns dissabores, de algumas verdades, que antes ela não via, ou não queria ver, ou não lhe interessava ver. Agora ela percebe claramente que opções na vida são opções de destino. Que o futuro se faz agora, a partir de agora, e até mesmo antes deste agora. O futuro não é um bilhete da loteria premiado, que vem às nossas mãos soprado pelo vento. Se existe algum bilhete, será conquistado a partir do que fizermos já, a partir de nossa ação. Os religiosos que mais têm fé dizem: “Deus só ajuda a quem se ajuda”. Ou seja, mesmo a providência divina somente socorre a quem trabalha para ser socorrido.
No entanto, mesmo aqui, nesta altura da sua vida, a moça continua impaciente, ansiosa, sem pensar e refletir com tranquilidade, calma e atenção. As verdades que ela descobre agora vêm como insight, como iluminações de raio que cortam o céu de repente. E mesmo aqui, quando recebe a luz, ela ainda não se detém em um canto a refletir com método e serenidade. Ora, o que ela quer mesmo? O que ela deseja afinal? Sair do seu emprego porque descobriu que a boa grana tem um preço a ser pago? Sim, é fato. Mas sair já, imediatamente? Ela pensa às vezes que isto seria possível. Possível se, e começa a fantasiar hipóteses. Mas ela sabe – a sua inteligência lhe diz, em luta contra a sua emoção – que não é nem pode ser bem assim. Se ela quer sair, se alimenta esse projeto, tem que voltar a ser a “velha” de antes, a daquele tempo de sua infância, quando se disciplinava em um canto a estudar, em silêncio, até cumprir com garra e força a sua tarefa. Mas deveria voltar à velha sendo a nova que é, a mulher que acorda para o valor da experiência.
Uma tarefa mais séria e importante se levanta agora: saber se as coisas que procura têm que dar retorno em grana, para que tenha afinal uma casa com piscina, carro... em resumo, todo o conforto burguês. Mas tudo tem o seu tempo. Por enquanto, está nascendo a nova mulher. Ainda impulsiva, ansiosa, mas com a inteligência desperta para aprender com quem muito sofreu antes dela. Antes até mesmo do que ela era na sua infância.
Um viva para aquela que vem nascendo. De novo, mais uma vez.
* Jornalista e escritor
* Por Urariano Mota
Vou procurar, na medida do possível, tirar a parte de amigo mais velho. Isso é bom e ruim ao mesmo tempo. Se eu não pusesse a parte de mais amigo mais velho de lado, correria o risco de ser muito rigoroso, mais rigoroso do que se fizesse a crítica a um estranho. E como amigo perderia a visão que terceiros, estranhos têm, porque não estão envolvidos afetivamente com o objeto de sua análise. Por outro lado, ser um amigo maduro é possuir dados, informações, que outros não têm. E disso não posso abrir mão em minha análise.
Então, pensando melhor, vou me esforçar e dividir a crítica em 2 partes: na primeira, com os olhos de um estranho. Na segunda, como amigo. Nas duas, tanto em uma como em outra, com a observação e experiência de quem escreve.
Um psicólogo diria: “Trata-se de uma jovem educada, atenciosa, pacífica, de boa índole. Mas isso, é claro, na aparência. Eu diria mesmo que ela procura passar essa impressão. Nas condições em que a vi, na entrevista da clínica, diria mesmo que é uma jovem que eu gostaria de ter como filha. Ou uma jovem que eu gostaria de ver casada com meu filho. No entanto, ultrapassadas essas primeiras impressões, a que somos levados por sua boa aparência, podemos anotar mais coisas. Quando fechamos os olhos a seu aspecto de boa moça, outras observações se fazem presentes. Delas talvez a mais importante é que ela é uma jovem agressiva, de agressividade que mantém sob controle. Não sei se em condições extremas, de álcool ou mesmo outra droga, tal agressividade possa continuar reprimida. Outra coisa, talvez mais importante, notei que ela é impulsiva, obedece aos impulsos que vêm na sua cabeça, ou do seu coração. Isso, é claro, acontece em todos os jovens. Mas é necessário, ainda assim, que se anote. Por último, há nela qualquer coisa de extrema ansiedade, de achar que o tempo é curto, curtíssimo, sempre. Talvez fosse bom, para evitar o uso de remédios ou drogas que deixam dependência, talvez fosse bom que a jovem ouvisse mais música, de Bach, de preferência, para relaxar os nervos. Bons filmes, que não estimulem a violência, também podem ser indicados. Se gosta de ler, deveria cultivar os bons romances russos, ou os de Dickens. Nos intervalos, procure e desenvolva a arte da conversa, da boa conversa, de ouvir pessoas. Quem ouve, sempre cultiva o convívio, enquanto domestica a ansiedade. Os ansiosos não ouvem nem escutam. Só falam.
Diagnóstico: é moça equilibrada, sensata, inteligente. Mas sujeita a pequenas instabilidades de humor. A música de Bach, ótimos livros, e a escolha de objetivos a serem atingidos, bem podem curá-la”.
Segunda parte
É uma pessoa dotada de força de vontade. Isso é uma característica fundamental para qualquer pessoa que alimente um projeto. As pessoas morrem em vida quando perdem um horizonte, um plano, um sonho a ser atingido. Este não é o seu caso. Quando se determina a atingir um alvo, ela reúne todas suas forças, da esperteza à inteligência, para alcançar o que deseja. Ela irá consegui-lo – esta é a sua certeza. Ninguém lhe disse ainda, mas é chegada a hora de falar: para todos os que lutam, o obstáculo é apenas um estímulo.
Lembro agora de um fato que pode ser bem esclarecedor do seu desenvolvimento intelectual. Na infância, ela se anunciou como uma menina de grande inteligência. Adolescente, no começo, chegou mesmo a alimentar o sonho de que seguiria uma carreira científica, tão bem se mostrava na solução de problemas matemáticos. Mas então surgiu um dado emocional, que lhe deu um outro caminho: a impaciência fez com que renunciasse a uma carreira que só dá os frutos ao fim de longos e muito longos anos de estudo e dedicação. E o que é a impaciência? – A impaciência é a vontade de pegar os frutos antes que venha a estação da safra. Então, procurou o caminho de conquistar destaque sem o sofrimento – ou alegria - do trabalho em silêncio. Sonhou em ganhar vôo, conquistar outras terras, sem a “chatice” de horas sentado a pesquisar nos livros.
É claro, nessa impaciência, nessa mudança de rumos houve a influência de amigos, conhecidos, para quem o valor maior era curtir a vida, ganhar dinheiro e conquistar pessoas. Não teve, entre as pessoas da sua idade, uma só que remasse contra esses valores que, afinal, são os valores da sociedade dominante. Ou seja, a sociedade que chama professores de “professorzinho”, que chama os estudiosos de “nerd”, ou que despreza pessoas inteligentes e pobres, porque a inteligência casada à pobreza é coisa de otário. É natural que as coisas tenham ocorrido assim. Afinal, “todos” são assim. É natural, portanto, que a impaciência, agora misturada a outros valores, tenha então atingido uma jovem que seria cientista. Mas não sei se tais projetos eram antes projetos frustrados deste amigo mais velho, que pensa às vezes que, se não fosse escritor, seria um bom matemático. E por isso, projetava para ela a carreira que não seguiu. Mas o fato é que na altura dos 15 /16 anos um novo surgiu na moça e esse novo, se por um lado tinha o saudável germe de liberdade e rebeldia, por outro, desprezava as lições da experiência como se fossem ultrapassadas. Daí que, é natural também, por não olhar as lições de quem sofreu antes dela, cometesse alguns erros e amargou e sofreu o que poderia ter evitado.
Como é inteligente – qualidade que não perdeu –, na vizinhança dos 24 anos, acorda para os caminhos que agora deve seguir. E aqui, como uma nova mulher, acorda para recolher os frutos da experiência. Mas esse acordar não vem por acaso. Vem como o resultado de alguns dissabores, de algumas verdades, que antes ela não via, ou não queria ver, ou não lhe interessava ver. Agora ela percebe claramente que opções na vida são opções de destino. Que o futuro se faz agora, a partir de agora, e até mesmo antes deste agora. O futuro não é um bilhete da loteria premiado, que vem às nossas mãos soprado pelo vento. Se existe algum bilhete, será conquistado a partir do que fizermos já, a partir de nossa ação. Os religiosos que mais têm fé dizem: “Deus só ajuda a quem se ajuda”. Ou seja, mesmo a providência divina somente socorre a quem trabalha para ser socorrido.
No entanto, mesmo aqui, nesta altura da sua vida, a moça continua impaciente, ansiosa, sem pensar e refletir com tranquilidade, calma e atenção. As verdades que ela descobre agora vêm como insight, como iluminações de raio que cortam o céu de repente. E mesmo aqui, quando recebe a luz, ela ainda não se detém em um canto a refletir com método e serenidade. Ora, o que ela quer mesmo? O que ela deseja afinal? Sair do seu emprego porque descobriu que a boa grana tem um preço a ser pago? Sim, é fato. Mas sair já, imediatamente? Ela pensa às vezes que isto seria possível. Possível se, e começa a fantasiar hipóteses. Mas ela sabe – a sua inteligência lhe diz, em luta contra a sua emoção – que não é nem pode ser bem assim. Se ela quer sair, se alimenta esse projeto, tem que voltar a ser a “velha” de antes, a daquele tempo de sua infância, quando se disciplinava em um canto a estudar, em silêncio, até cumprir com garra e força a sua tarefa. Mas deveria voltar à velha sendo a nova que é, a mulher que acorda para o valor da experiência.
Uma tarefa mais séria e importante se levanta agora: saber se as coisas que procura têm que dar retorno em grana, para que tenha afinal uma casa com piscina, carro... em resumo, todo o conforto burguês. Mas tudo tem o seu tempo. Por enquanto, está nascendo a nova mulher. Ainda impulsiva, ansiosa, mas com a inteligência desperta para aprender com quem muito sofreu antes dela. Antes até mesmo do que ela era na sua infância.
Um viva para aquela que vem nascendo. De novo, mais uma vez.
* Jornalista e escritor
Se possível fosse ficávamos na meninice
ResponderExcluirpor mais tempo. Saborear as dúvidas sem
o peso das cobranças, ficar indecisa e
a noite dormir sem nenhum peso na consciência.
Abraços Urariano.
O perfil psicológico consistente leva jeito de personagem real, caminhando para a ficção ou as páginas de algum livro. Vamos aguardar essa gestação.
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