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Tudo é oblíquo
* Por Pedro J. Bondaczuk
O comportamento social das pessoas, em relação aos semelhantes, pouco ou nada mudou ao sabor dos séculos. Prevalecem hoje, como ocorria há quatrocentos anos, os critérios de nascimento e de condição econômica na forma de avaliação e, principalmente, de tratamento dos indivíduos, em detrimento dos que tiveram origem obscura ou que jamais tiveram ou têm, como se diz popularmente, “ sequer um gato para puxar pelo rabo”. Essa constatação levou o gênio de Stratford-upon-Avon, William Shakespeare, a concluir, em uma de suas peças: “tudo é oblíquo”.
Você não trata, por exemplo, um político, digamos, um deputado federal, da mesma forma que o Seu Mané, do botequim da esquina, mesmo que seja público e notório que o primeiro seja um rematado corrupto, um ratão de esgoto, que drena para o seu bolso dinheiro indevido, que deveria servir para melhorar a vida dos cidadãos que ele representa e o segundo um cidadão honesto, rigoroso cumpridor dos deveres, bom pai de família, um sujeito religioso e, sobretudo, virtuoso.
Deixamo-nos levar (salvo exceções), até inconscientemente, por aparências, pelo “nome”, pelo cargo que determinada pessoa ocupa para determinar a forma como a devemos tratar. Nesse aspecto, portanto, todos somos um tanto hipócritas e consagramos um costume injusto e, no mínimo, inadequado, que se tornou tradição, quando deveria ser modificado. O ideal é que a transparência prevalecesse em nossos julgamentos e, sobretudo, na forma de tratarmos os outros. Não é, óbvio, o que ocorre.
Shakespeare expressou, a esse propósito, pela boca de um de seus personagens: “Dois gêmeos nascem da mesma matriz; doure-se um deles, o melhor aquinhoado desprezará o outro. Eleve-se o mendigo, seja rebaixado o senhor: ao nobre unir-se-á um desdém hereditário, ao mendigo, uma dignidade nativa. A comida engorda o animal emagrecido pela fome. Quem ousará, quem ousará levantar-se em sua lealdade de alma e dizer: 'Este homem é um adulador'? Se ele o é, todos também o seriam; pois cada lance da escada social é exaltado pelo que o antecedeu: o salafrário sábio prosterna-se diante do imbecil empanturrado de ouro”.
Portanto, o bardo de Stratford-upon-Avon tem ou não razão ao assegurar que “tudo é oblíquo”? Qual seria a sua reação, se vivesse nos dias de hoje e constatasse que nada mudou, em termos de comportamento social e de avaliação das pessoas, em relação ao que ocorria na Inglaterra do século XVI (e provavelmente no restante da Europa e, por extensão, no mundo todo)?
Querem um critério mais estúpido do que esse, o da “linhagem”, da origem, da família em que se nasceu? Quem pode assegurar, com absoluta certeza, que seu pai é, realmente, o que consta em sua certidão de nascimento? Quem pode jurar sobre a Bíblia que é filho “legítimo” e não fruto de uma relação extraconjugal? Talvez aquele que tenha como atestado um teste de DNA. Todavia, nem este é 100% infalível! E, ademais, isso importa? No quê? Tolice. Pura tolice. Mas é um dos critérios que prevalecem para que uns se considerem superiores a outros.
Quanto à ocupação que se exerce, se trata de algo até mais idiota do que a questão do nascimento. Ninguém é eterno e muito menos insubstituível. Hoje o sujeito ocupa um cargo que lhe dá certa soma de poder e amanhã poderá ser demitido, ficar doente ou morrer. E toda aquela empáfia anterior irá por água abaixo.
Já nem comento tanto a questão da fortuna, posto que esta é instabilíssima. Conheço muita gente que recentemente nadava em dinheiro e que hoje está atolada até o pescoço em dívidas, fugindo dos credores e tentando achar uma forma de garantir o jantar do dia.
Shakespeare, pois, tem ou não razão, ao constatar que “cada lance da escada social é exaltado pelo que o antecedeu: o salafrário sábio prosterna-se diante do imbecil empanturrado de ouro”? Os critérios para medir o valor de uma pessoa não poderiam e nem deveriam ser estes. Isto é para lá de óbvio, mas esse comportamento estúpido, de bajulação explícita, estranhamente, permanece imutável em pleno século XXI, no terceiro milênio da Era Cristã.
O compositor carioca, Billy Blanco, fez uma tirada genial, na letra do samba “A banca do distinto” (consagrado na voz de Dóris Monteiro), em que diz, em determinado trecho: “A vaidade é assim, põe o bobo no alto/e retira a escada/mas fica por perto esperando sentada/mais cedo ou mais tarde/ele acaba no chão./Mais alto o coqueiro, maior é o tombo do coco, afinal/todo mundo é igual quando a vida termina/com terra em cima e na horizontal”. E não é o que acontece?!!! Tem razão, portanto, o bardo Shakespeare: tudo, de fato, é oblíquo! E até demais para o meu gosto!
*Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas), com lançamentos previstos para os próximos dois meses. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com
* Por Pedro J. Bondaczuk
O comportamento social das pessoas, em relação aos semelhantes, pouco ou nada mudou ao sabor dos séculos. Prevalecem hoje, como ocorria há quatrocentos anos, os critérios de nascimento e de condição econômica na forma de avaliação e, principalmente, de tratamento dos indivíduos, em detrimento dos que tiveram origem obscura ou que jamais tiveram ou têm, como se diz popularmente, “ sequer um gato para puxar pelo rabo”. Essa constatação levou o gênio de Stratford-upon-Avon, William Shakespeare, a concluir, em uma de suas peças: “tudo é oblíquo”.
Você não trata, por exemplo, um político, digamos, um deputado federal, da mesma forma que o Seu Mané, do botequim da esquina, mesmo que seja público e notório que o primeiro seja um rematado corrupto, um ratão de esgoto, que drena para o seu bolso dinheiro indevido, que deveria servir para melhorar a vida dos cidadãos que ele representa e o segundo um cidadão honesto, rigoroso cumpridor dos deveres, bom pai de família, um sujeito religioso e, sobretudo, virtuoso.
Deixamo-nos levar (salvo exceções), até inconscientemente, por aparências, pelo “nome”, pelo cargo que determinada pessoa ocupa para determinar a forma como a devemos tratar. Nesse aspecto, portanto, todos somos um tanto hipócritas e consagramos um costume injusto e, no mínimo, inadequado, que se tornou tradição, quando deveria ser modificado. O ideal é que a transparência prevalecesse em nossos julgamentos e, sobretudo, na forma de tratarmos os outros. Não é, óbvio, o que ocorre.
Shakespeare expressou, a esse propósito, pela boca de um de seus personagens: “Dois gêmeos nascem da mesma matriz; doure-se um deles, o melhor aquinhoado desprezará o outro. Eleve-se o mendigo, seja rebaixado o senhor: ao nobre unir-se-á um desdém hereditário, ao mendigo, uma dignidade nativa. A comida engorda o animal emagrecido pela fome. Quem ousará, quem ousará levantar-se em sua lealdade de alma e dizer: 'Este homem é um adulador'? Se ele o é, todos também o seriam; pois cada lance da escada social é exaltado pelo que o antecedeu: o salafrário sábio prosterna-se diante do imbecil empanturrado de ouro”.
Portanto, o bardo de Stratford-upon-Avon tem ou não razão ao assegurar que “tudo é oblíquo”? Qual seria a sua reação, se vivesse nos dias de hoje e constatasse que nada mudou, em termos de comportamento social e de avaliação das pessoas, em relação ao que ocorria na Inglaterra do século XVI (e provavelmente no restante da Europa e, por extensão, no mundo todo)?
Querem um critério mais estúpido do que esse, o da “linhagem”, da origem, da família em que se nasceu? Quem pode assegurar, com absoluta certeza, que seu pai é, realmente, o que consta em sua certidão de nascimento? Quem pode jurar sobre a Bíblia que é filho “legítimo” e não fruto de uma relação extraconjugal? Talvez aquele que tenha como atestado um teste de DNA. Todavia, nem este é 100% infalível! E, ademais, isso importa? No quê? Tolice. Pura tolice. Mas é um dos critérios que prevalecem para que uns se considerem superiores a outros.
Quanto à ocupação que se exerce, se trata de algo até mais idiota do que a questão do nascimento. Ninguém é eterno e muito menos insubstituível. Hoje o sujeito ocupa um cargo que lhe dá certa soma de poder e amanhã poderá ser demitido, ficar doente ou morrer. E toda aquela empáfia anterior irá por água abaixo.
Já nem comento tanto a questão da fortuna, posto que esta é instabilíssima. Conheço muita gente que recentemente nadava em dinheiro e que hoje está atolada até o pescoço em dívidas, fugindo dos credores e tentando achar uma forma de garantir o jantar do dia.
Shakespeare, pois, tem ou não razão, ao constatar que “cada lance da escada social é exaltado pelo que o antecedeu: o salafrário sábio prosterna-se diante do imbecil empanturrado de ouro”? Os critérios para medir o valor de uma pessoa não poderiam e nem deveriam ser estes. Isto é para lá de óbvio, mas esse comportamento estúpido, de bajulação explícita, estranhamente, permanece imutável em pleno século XXI, no terceiro milênio da Era Cristã.
O compositor carioca, Billy Blanco, fez uma tirada genial, na letra do samba “A banca do distinto” (consagrado na voz de Dóris Monteiro), em que diz, em determinado trecho: “A vaidade é assim, põe o bobo no alto/e retira a escada/mas fica por perto esperando sentada/mais cedo ou mais tarde/ele acaba no chão./Mais alto o coqueiro, maior é o tombo do coco, afinal/todo mundo é igual quando a vida termina/com terra em cima e na horizontal”. E não é o que acontece?!!! Tem razão, portanto, o bardo Shakespeare: tudo, de fato, é oblíquo! E até demais para o meu gosto!
*Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas), com lançamentos previstos para os próximos dois meses. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com
Uma cliente me disse uma vez que quem me olha não dá nada por mim, e que só depois descobre como sou interessante. Pois a vida tem sido assim comigo. Só que o mundo muitas vezes não nos dá a chance de mostrarmos a que viemos. Um olhar nos relega ao último plano, e adeus, nunca mais haverá uma oportunidade. Há os que acham exagero as ações de afirmação racial, mas quem é pardo no Brasil e já foi discriminado diversas vezes sabe do que estou falando.Boa aparência, aqui, aparentar possses e poder, dificilmente passa pela cor escura da pele. Embora adverso, tenho em segunda instância conseguido manifestar-me e ser respeitada.
ResponderExcluirO próximo, se desconhecido, nos chega de lado, maneiroso, cheio de cuidados no emprego das palavras, jogando verde pra colher maduro e, aí, nos faz passar pelo critério dos seus princípios e interesses: dá-se a Hipocrisia. Dela, somos filhos, e a ela temos de agradecer pelo advento da Civilização, sobre o que, caro Pedro, vc discorreu magnificamente nesta crônica. Quase uma aula, uma micromonografia que um latinista assinaria com propriedade. Parabéns.
ResponderExcluirNossa, Pedro! Quanta verdade...tomara que ao ler sua crônica as pessoas comecem a avaliar meolhor os que a cercam. Parabéns!
ResponderExcluirAbraços
Risomar