terça-feira, 10 de janeiro de 2012



Missa das dez

* Por Mário Prata

Ah, a missa das dez de antigamente no interior! Aquilo sim é que era missa. Claro que tinha também a missa das seis, das sete, etc. Mas a que dava maior ibope era mesmo a das dez da manhã. Que novela.
Segundo o mestre Aurélio, missa é "na Igreja Católica, celebração da Eucaristia, sacrifício do corpo e do sangue de Jesus Cristo, feito no altar pelo ministério de um sacerdote".
Também o padre era o melhor da paróquia. Uma espécie de Benedito Ruy Barbosa, uma espécie de o Rei da Missa. O mais velho, o mais experiente. Já tinha ido a Roma e visto o Papa
Mas, na verdade, era o ponto de encontro da alta sociedade da minha próspera Lins dos anos 50 e 60.
Estudei 9 anos num colégio e padres e éramos obrigados a assistir à missa todos os dias. No domingo, duas vezes (para os internos) Fiz as contas: neste 9 anos assisti a 2.793 missas. Em metade delas devo ter comungado. Portanto tenho um bom saldo lá no Céu.
Hoje só vou às missas de sétimo dia que, com a idade da gente, estão ficando cada vez mais freqüentes. Ou as de corpo presente.
Mas mudou tudo. Em primeiro lugar não se fala mais latim (eu e o Chico Buarque sabemos até hoje a missa inteira) e tem uma hora que as pessoas todas ficam de mãos dadas. Meio constrangedor.
Naquele tempo os homens iam de terno e gravata para a cerimônia apesar dos quase quarenta graus no verão. As mulheres colocavam seus melhores vestidos. Ali, elas sabiam, estavam sendo observadas para a eleição das Dez Mais Elegantes da cidade.
Tinha o púlpito de mármore com o sermão que sempre começava assim: "naquele tempo disse Jesus aos seus discípulos:" Como Jesus dizia coisas aos seus discípulos! Mas nessa hora a gente saia e ia fumar um Hollywood (sem filtro) lá fora, diante da praça. Tinha sermão que durava tanto que dava até para engraxar os sapatos.
O sermão era invariavelmente chato. Tanto que no mesmo Aurélio já mencionado, temos uma segunda interpretação para ele: "Arrazoado longo e enfadonho com que se procura convencer alguém". Nunca me convenceram.
E os falsos castos comungando? Naquele tempo já dizia Nelson Rodrigues aos seus discípulos: "todo casto é um obsceno". Podem observar. Não dá outra. Assim como "todo canalha é magro".
A gente sabia que o prefeito tinha tirado uma garota da zona e dado uma casa para ela na cidadezinha ao lado. O delegado que transava com a manicure que sempre se sentava atrás dele. Aquela senhora daquele advogado que andava com os estudantes de engenharia. Tudo lá, santos de carteirinha e anjos da misericórdia. Fazendeiros, latifundiários improdutivos.
Fofoqueira era o que não faltava lá dentro. Era um diz que diz de corar Cristo no altar.
Os mais jovens, paqueravam, é claro. A palavra não era essa. A gente flertava.
No meio disso, o sacristão passava com um saquinho de veludo vermelho recolhendo dinheiro para as obras da Igreja. Já repararam como sempre pedem dinheiro para as obras?
O momento máximo era a comunhão. Naquele tempo o padre colocava a hóstia da língua escancarada de todos nós que, até aquele momento, tinhamos que estar em completo jejum: "se morder sai sangue!!!", ameaçavam. O sangue de Cristo. Mas o sangue mesmo, o velho e com vinho, só o padre podia beber. E as pessoas voltavam para os seus lugares, cabeça baixa, se ajoelhavam e pensavam não sei no que. Mas pensavam muito naqueles momentos da Eucaristia. De joelhos na madeira dura.
Aliás era uma agonia aquilo. Sentava, levantava, ajoelhava, voltava a levantar, agora sentem meus irmãos, todos de joelhos.
Naquele tempo, na oração, a gente perdoava os nossos devedores. Hoje pedimos perdão para os que nos tem ofendido. Nunca entendi direito a mudança.
Outro dia passei em frente da bonita Matriz de Santo Antonio, lá em Lins. Instintivamente fiz o sinal da cruz. Me deu vontade de entrar, em ajoelhar e rezar. Pedir perdão pelos meus pecados. Mas o problema é que eu já não sei mais o que é pecado hoje.
Por exemplo: não fazer logo a reforma agrária não deveria ser pecado hoje em dia?

• Escritor e jornalista

Um comentário:

  1. Há os que negociam com Deus, conforme a necessidade do dia e vão mudando as maneiras de agir, de rezar e de ser cristão.

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