quinta-feira, 12 de janeiro de 2012







Isso é um insulto!

* Por Fernando Yanmar Narciso

Sabíamos que algo terrível estava acontecendo quando em 2005, no lançamento do último filme da série Star Wars, as legendas e a dublagem substituíram o irresistível e magnânimo “Lado Negro da Força” por um limpo e insosso “Lado Sombrio”. Para nossa sorte o termo afrodescendente ainda não havia sido cunhado nas profundas do inferno da correção política... Já pensaram como teria sido o Imperador Palpatine seduzindo Anakin Skywalker, o Caio Castro intergaláctico, com um “lado afrodescendente da Força”? Pior, agora poderíamos estar comprando chocolates Diamante Afrodescendente ou CDs de Afrodescendentinho da Beija Flor, a célebre obra de Adolfo Caminha teria de ser reeditada como Bom Afrodescendente. Poderiam chegar até ao cúmulo de redublar a famosa frase do Mussum “Eu quero morrer afrodescendentis!”. Ai, melhor nem dar idéia...
Todos agora fazem questão, influenciados pela TV e pela internet, de agir de acordo com aquelas duas palavrinhas que, quando ditas juntas, tornam o mundo um centímetro mais careta.
No sentido literal, usar de correção política envolve desprover nosso vocabulário de qualquer tipo de discriminação social, racial, sexual, religiosa ou intelectual, partindo do conceito democrático que todos os homens somos iguais. Mas como são as diferenças que tornam os humanos, bem, humanos, essa prática parece ter o único propósito de nos transformar nos personagens do filme Equilibrium, impondo a igualdade à força.
A característica mais marcante do povo brasileiro sempre foi o jeito maroto de viver. Nunca levar nada a sério, rir dos outros e ser rido em troca, mas pacificamente. O Brasil é famoso por isso mundo afora, por nossa humanidade. Pois temos nos desumanizado dia após dia. Vivemos preocupados se o que dizemos e fazemos tem poder de ofender as pessoas. Não podemos mais usar em público palavras que estão tatuadas em nosso DNA. Exemplos de como a correção política tem afetado a mídia são incontáveis, e às vezes é meio incompreensível como os censores puritanos têm deixado algumas “impurezas” escapar. Por exemplo, não dá pra entender como Chaves e Chapolin conseguiram escapar das garras da Censura. Sr. Barriga, uma pessoa obesa, toda hora é chamado de Baleia com Pernas, Barril de Paletó, Presunto de Óculos, Melancia Voadora, Almôndega, dentre outros apelidos. Dona Florinda vive sendo chamada de Velha Carcomida, e a Bruxa do 71 então? A maioria dos fãs nem deve mais conhecê-la por Dona Clotilde. Seu Madruga vive sendo estraçalhado pela Velha Carcomida por não trabalhar, beber, fumar, ser pouco escolarizado e um tanto avesso a banhos, e o Professor Girafales, por ser o personagem mais alto da vila, vive sendo chamado pelas crianças de Escada de Bombeiro, Girafa de Salto Alto, etc.
E o que falar dos Trapalhões? Renato Aragão e Cia. sequer conseguiriam permissão da alta cúpula da Globo hoje para colocar o programa no ar, que nos anos 70/80 era considerado familiar. Nem mesmo a Turma da Mônica serve como diversão sadia para os padrões modernos e caretões, pois cada personagem representa um pecado capital: A Mônica é a soberba em pessoa, Cascão a preguiça, Cebolinha a ambição, e a Magali... Bom, vocês já sabem. Sem falar que a relação da Mônica com os garotos é maior analogia ao sadomasoquismo já criada, pois aparentemente eles gostam muito de apanhar, e ela gosta ainda mais de bater neles.
Mas o nicho da sociedade que mais tem levado essa história de correção política a sério são os homossexuais. Eles se tornaram os reis do não-me-toque-que-eu-te-destruo. Recentemente o autor Aguinaldo Silva quase foi surrado na rua por um gay revoltado com o seu personagem Crô da novela das 9. Apesar da popularidade, a principal crítica é que o personagem de Marcelo Serrado é caricato demais, afetado e colorido, e isso de algum modo ofende a comunidade gay em geral. Concordo que eles sempre tiveram que engolir muito sapo desde o nascimento da humanidade, mas não há razão pra eles serem tão sisudos e irritadiços. Afinal de contas, o personagem representa um indivíduo, não a comunidade inteira. Do jeito que a coisa vai, se personagens clássicos da comunidade como Freddie Mercury, Liberace e Lacraia ainda fossem vivos seriam linchados em praça pública com o pau da bandeira de arco-íris.
Qualé, gente? Ninguém mais consegue ouvir uma piadinha sem soltar os cachorros em cima de quem contou? O sujeito precisa mesmo ser tão inseguro e exigente com seus direitos? Relax, galera! Suavizemos nossos corações e reeduquemo-nos a rir de nós mesmos. Olhemo-nos mais vezes no espelho e paremos de nos levarmos tão a sério! O bom humor agradece. Mas, por via das dúvidas, queiramos ser de tudo no Brasil atual, menos comediantes stand-up. Simplesmente não é um bom negócio, pelo menos hoje.

• Designer e colunista do Literário.

2 comentários:

  1. Espero que a inspiração e a periodicidade de criação novamente se estabeleçam e que possamos ler sempre as suas crônicas. Achei esta muito boa, do seu jeito, com a sua cara.

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  2. Bom te ver de novo meu amigo. Que os deuses da inspiração te iluminem sempre.
    Abração

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