


Não se levando a sério
Por Pedro J. Bondaczuk
As pessoas que lidam com idéias (e me incluo entre elas), escritores, jornalistas, filósofos etc., a pretexto de serem “realistas”, não raro perdem o pé da realidade e, sem que sequer se dêem conta, se sentem infalíveis e donas da verdade. “De qual?”, pergunto. Afinal, existem várias delas e na única que é absoluta, muitos insensatos não acreditam: Deus. Com essa atitude, os que agem dessa maneira (a imensa maioria) tornam-se pedantes e chatos. Em determinados instantes das suas vidas, são até dogmáticos e, não raro, descambam para uma arrogância e presunção contundentes, beirando à megalomania.
Estas pessoas (melhor diria, nós) deveriam, isto sim, fazer constante autocrítica, se possível, diariamente. Precisariam refletir com profundidade sobre seus valores, para determinar se são adequados; reciclar os seus conceitos e dar menos importância (o melhor é que não dessem nenhuma) a si próprios. Se possível, o ideal seria que rissem, ao menos de vez em quando, dos próprios defeitos. Não, claro, sem tentar remediá-los.
Há escritores que fazem isso – citaria, entre estes, o norte-americano Kurt Vonnegut – mas que caem em um outro extremo: o auto-linchamento. Isso é desnecessário. Afinal, como diz a sabedoria popular, “a virtude está no meio”. O escritor e teatrólogo Vaclav Havel – que se tornou o primeiro presidente da República Checa depois que esta se separou da Eslováquia e deixou de ser comunista – advertiu, num dos seus textos: “Quem se leva a sério demais corre o risco de parecer ridículo; quem sempre consegue rir de si mesmo, não”. E você, paciente leitor, consegue? Ou se julga invulnerável a críticas e digno de reverência? Pense nisso.
“Descobri” Kurt Vonnegut há pouco tempo, diria há dois anos. Fiquei fascinado pelo seu estilo, de um humor cáustico e um senso crítico aguçado, e por sua habilidade em criar personagens marcantes e enredos insólitos. Antes de mergulhar na sua obra, procurei saber um pouco da sua vida. O escritor nasceu em Indianápolis, no Estado de Indiana, nos Estados Unidos, em 11 de novembro de 1922, em uma família de descendência germânica.
Engajou-se, como voluntário, nas forças aliadas, como combatente na Segunda Guerra Mundial. Terminou prisioneiro dos nazistas, conhecendo, de perto, por senti-los na própria carne, os horrores de um campo de concentração. Ao voltar para casa, formou-se em Antropologia e começou a escrever. É, hoje, um dos escritores mais prolíficos da sua geração, a mesma que produziu, entre outros, nomes como Norman Mailer, Gore Vidal, Jean-Paul Sartre e Albert Camus, entre tantos e tantos outros. Escreveu 30 romances (como “Matadouro Cinco”, “Wocus Pocus”, “Player Piano”, “Cat’s craddle”, “Galápagos”, “Um homem sem pátria” etc.), além de peças de teatro e vários ensaios, nos quais, sem dó e nem piedade, achincalha a própria obra. Dos seus livros de não-ficção, destacam-se “Welcome to the Mopnkey House”, “Wampeters, Forma & Granfallons” e “Palm Sunday”.
Vários dos seus personagens (diria a maioria) são desequilibrados, infelizes, feixes de conflitos psicológicos, sentimentais e morais; alcoólatras (como ele) e viciados em drogas. Em 1984, o escritor tomou uma overdose de pílulas e de álcool e quase morreu. Foi socorrido a tempo e logo se recuperou. Mas não se sabe, até hoje, se exagerou, acidentalmente, na dose ou se, de fato, tentou o suicídio. A segunda hipótese é a mais provável.
Um dos seus textos mais instigantes, que tive o capricho de anotar, pelo tanto de verdade que contém, não é em prosa, mas em versos. Vonnegut escreve: “O tigre tem que caçar,/o pássaro tem que voar;/o homem tem que sentar e pensar: “Por que, por que, por que?/O tigre tem que dormir,/o pássaro tem que aterrissar;/o homem tem que se dizer que entende alguma coisa”. Mas será que entende? Creio que muito pouco ou quase nada!
Todavia, não é a esse “riso” escrachado e doentio que me refiro. Defendo, apenas, que não devemos nos levar muito a sério. Que admitamos a possibilidade de estarmos errados no que cremos e defendemos com tanta ênfase e paixão. Que saibamos da possibilidade de não sermos exatamente aquilo que acreditamos e não tenhamos pudor em expor nossa incoerência, nossa imperfeição e nossas vulnerabilidades. E que tenhamos a coragem não somente de admitir essas fraquezas, mas até de rir delas. Quem sabe, dessa maneira, consigamos nos aproximar, um pouquinho que seja, da sonhada perfeição.
O filósofo estóico Epicteto – que nasceu na Frigia (em 55 da nossa era), mas que até 94 ensinou na Roma antiga (primeiro como escravo e depois como homem livre que, inclusive, foi mestre de Marco Aurélio, o autor das “Meditações” e que morreu no ano 135) – constatou: “Para que o homem fosse perfeito, seria bastante lhe tirar duas coisas: a presunção e a desconfiança”. Suprimir estes dois comportamentos, porém, é que são elas. Mesmo que não nos apercebamos, somos profunda, doentia e patologicamente presunçosos e desconfiados! E perfeição, dessa forma... nem pensar!!!
*Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” http://pedrobondaczuk.blogspot.com
Por Pedro J. Bondaczuk
As pessoas que lidam com idéias (e me incluo entre elas), escritores, jornalistas, filósofos etc., a pretexto de serem “realistas”, não raro perdem o pé da realidade e, sem que sequer se dêem conta, se sentem infalíveis e donas da verdade. “De qual?”, pergunto. Afinal, existem várias delas e na única que é absoluta, muitos insensatos não acreditam: Deus. Com essa atitude, os que agem dessa maneira (a imensa maioria) tornam-se pedantes e chatos. Em determinados instantes das suas vidas, são até dogmáticos e, não raro, descambam para uma arrogância e presunção contundentes, beirando à megalomania.
Estas pessoas (melhor diria, nós) deveriam, isto sim, fazer constante autocrítica, se possível, diariamente. Precisariam refletir com profundidade sobre seus valores, para determinar se são adequados; reciclar os seus conceitos e dar menos importância (o melhor é que não dessem nenhuma) a si próprios. Se possível, o ideal seria que rissem, ao menos de vez em quando, dos próprios defeitos. Não, claro, sem tentar remediá-los.
Há escritores que fazem isso – citaria, entre estes, o norte-americano Kurt Vonnegut – mas que caem em um outro extremo: o auto-linchamento. Isso é desnecessário. Afinal, como diz a sabedoria popular, “a virtude está no meio”. O escritor e teatrólogo Vaclav Havel – que se tornou o primeiro presidente da República Checa depois que esta se separou da Eslováquia e deixou de ser comunista – advertiu, num dos seus textos: “Quem se leva a sério demais corre o risco de parecer ridículo; quem sempre consegue rir de si mesmo, não”. E você, paciente leitor, consegue? Ou se julga invulnerável a críticas e digno de reverência? Pense nisso.
“Descobri” Kurt Vonnegut há pouco tempo, diria há dois anos. Fiquei fascinado pelo seu estilo, de um humor cáustico e um senso crítico aguçado, e por sua habilidade em criar personagens marcantes e enredos insólitos. Antes de mergulhar na sua obra, procurei saber um pouco da sua vida. O escritor nasceu em Indianápolis, no Estado de Indiana, nos Estados Unidos, em 11 de novembro de 1922, em uma família de descendência germânica.
Engajou-se, como voluntário, nas forças aliadas, como combatente na Segunda Guerra Mundial. Terminou prisioneiro dos nazistas, conhecendo, de perto, por senti-los na própria carne, os horrores de um campo de concentração. Ao voltar para casa, formou-se em Antropologia e começou a escrever. É, hoje, um dos escritores mais prolíficos da sua geração, a mesma que produziu, entre outros, nomes como Norman Mailer, Gore Vidal, Jean-Paul Sartre e Albert Camus, entre tantos e tantos outros. Escreveu 30 romances (como “Matadouro Cinco”, “Wocus Pocus”, “Player Piano”, “Cat’s craddle”, “Galápagos”, “Um homem sem pátria” etc.), além de peças de teatro e vários ensaios, nos quais, sem dó e nem piedade, achincalha a própria obra. Dos seus livros de não-ficção, destacam-se “Welcome to the Mopnkey House”, “Wampeters, Forma & Granfallons” e “Palm Sunday”.
Vários dos seus personagens (diria a maioria) são desequilibrados, infelizes, feixes de conflitos psicológicos, sentimentais e morais; alcoólatras (como ele) e viciados em drogas. Em 1984, o escritor tomou uma overdose de pílulas e de álcool e quase morreu. Foi socorrido a tempo e logo se recuperou. Mas não se sabe, até hoje, se exagerou, acidentalmente, na dose ou se, de fato, tentou o suicídio. A segunda hipótese é a mais provável.
Um dos seus textos mais instigantes, que tive o capricho de anotar, pelo tanto de verdade que contém, não é em prosa, mas em versos. Vonnegut escreve: “O tigre tem que caçar,/o pássaro tem que voar;/o homem tem que sentar e pensar: “Por que, por que, por que?/O tigre tem que dormir,/o pássaro tem que aterrissar;/o homem tem que se dizer que entende alguma coisa”. Mas será que entende? Creio que muito pouco ou quase nada!
Todavia, não é a esse “riso” escrachado e doentio que me refiro. Defendo, apenas, que não devemos nos levar muito a sério. Que admitamos a possibilidade de estarmos errados no que cremos e defendemos com tanta ênfase e paixão. Que saibamos da possibilidade de não sermos exatamente aquilo que acreditamos e não tenhamos pudor em expor nossa incoerência, nossa imperfeição e nossas vulnerabilidades. E que tenhamos a coragem não somente de admitir essas fraquezas, mas até de rir delas. Quem sabe, dessa maneira, consigamos nos aproximar, um pouquinho que seja, da sonhada perfeição.
O filósofo estóico Epicteto – que nasceu na Frigia (em 55 da nossa era), mas que até 94 ensinou na Roma antiga (primeiro como escravo e depois como homem livre que, inclusive, foi mestre de Marco Aurélio, o autor das “Meditações” e que morreu no ano 135) – constatou: “Para que o homem fosse perfeito, seria bastante lhe tirar duas coisas: a presunção e a desconfiança”. Suprimir estes dois comportamentos, porém, é que são elas. Mesmo que não nos apercebamos, somos profunda, doentia e patologicamente presunçosos e desconfiados! E perfeição, dessa forma... nem pensar!!!
*Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” http://pedrobondaczuk.blogspot.com
Ótimo texto, Pedro!
ResponderExcluirSinceramente, tenho certeza que não sou perfeito, mas sou modesto e confiante.
Por isso, prefiro um ímpio honesto, a milhões de religiosos hipócritas que vivem mergulhados no ventre da avareza e do orgulho.
Abração do,
José Calvino
RecifeOlinda
O seu texto veio de encomenda para a minha crise de hoje. Não que eu esteja nos dias que se seguem, especialmente desconfiada ou presunçosa. Estou pensando em como edificações de alicerces firmes podem desabar. Terremotos, para que os quero?
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