quinta-feira, 4 de março de 2010




Meu irmão mais velho

* Por Fernando Yanmar Narciso

A grande engrenagem que dita as regras da natureza humana é a competitividade. Sem competitividade não teríamos essa variedade de produtos ruins no mercado. Sem ela, não haveria frases como “A maior devoradora de prazos do país” ou “Os preços mais baixos e os maiores planos de prestações você só encontra aqui”. Sem ela os campeonatos esportivos – em particular no país, os futebolísticos – seriam inúteis, afinal, as competições são todas sobre como levar a melhor, como levantar a taça e rir da cara dos adversários que ficaram para trás. Mas apesar do que o bom senso apregoa, o importante NÃO é competir. A única coisa entre você e a vitória são todos os pescoços em que você precisa pisar pra chegar até lá.

Deputados disputam entre si pra ver quem consegue a maior propina. Mães de santo competem pra ver quem traz de volta a pessoa amada mais rápido. As igrejas pentecostais disputam o maior número de demônios descarregados. Desde quando, cientificamente, ainda não éramos considerados homens, já competíamos. Nas cavernas, se um hominídeo visse você com uma caça maior que a dele, simplesmente brigava com o oponente até matá-lo, comer o cordeiro dele e ainda usar o couro recém-esfolado do rival pra limpar a boca.

É por isso que utopias como o Socialismo e o Comunismo só deram certo no papel, posto que elas supunham que os seres humanos pudessem conviver em igualdade uns com os outros, o que é antropologicamente absurdo. Se os países ditos socialistas levassem a sério essa ideologia, sequer existiriam delegações olímpicas na Coréia do Norte e em Cuba, pois elas apregoam a abolição da competição.

Competir está no sangue de todo mundo, menos no meu, aparentemente. Desde pequeno, devido ao meu problema de hiperatividade, nunca conseguiram me treinar para superar ninguém. Sempre entrei e saí de tudo que é esporte: Futebol, basquete, vôlei, judô, capoeira, natação, até xadrez, mas por causa do meu espírito livre e de todos os privilégios que eu já tive, sempre fiz só o que quis, e meus pais nunca me incentivaram a treinar duro para levar a melhor em cima de ninguém. Ok, teve aquela medalhinha de ouro que eu ganhei na natação aos seis anos, mas ganhei por acidente. Afinal, ninguém precisa pedir a um hiperativo para ir depressa.

Hoje, o espírito competitivo me faz falta. Ano passado eu ingressei num concurso público, mas só de imaginar 10.000 desesperados competindo, estudando até os colhões cozinharem e abdicando da família e da vida social só pra ganhar dinheiro é um pensamento que me assombra. Eu nunca iria encontrar fôlego para colocar toda essa gente no chinelo, além do mais, para uma coisa que eu não quero pra mim. Do jeito que eu sou acomodado, sou capaz de morrer servidor público, sem nunca ter realizado meus sonhos. Nunca invejei nenhum dos CDFs de nenhuma sala onde estudei, preferindo seguir o “caminho emocionante” de apertar meu próprio gargalo até o final do semestre e tentar fazer um milagre.

Talvez, o fator crucial para eu não possuir nenhum espírito esportivo seja por eu ser filho único. Dei trabalho por três aos meus pais. Queria ver como ia ser se eu fosse o irmão do meio, ou o mais novo da família. Todo mundo sabe que numa relação fraternal o irmão que vem depois fica de gandula no ranking de predileção. O mais velho é o mais incentivado, o que tira as melhores notas, o que mais traz medalhas e canecos pra casa, para quem os pais sempre dizem “você é o orgulho da família!” A inveja, se não mata, incentiva a superação. Irmãos sempre competem pela aprovação da família, mesmo que pais, avós e tios sempre digam que amam a todos por igual. Claro que é mentira, né? É exatamente disso que eu preciso em minha vida, um concorrente, um obstáculo virtualmente intransponível que me permitiria ter vontade de continuar prosseguindo. Treino Muay Thai há nove meses, e até agora não encontrei nenhum Darth Vader pra me incentivar. Talvez, por ainda ser o bucha de canhão da classe, mas quem sabe, com o tempo, esse adversário não apareça?

Ás vezes, amigos mais íntimos insinuam que existe uma disputa entre mim e minha adorada mãe pelo número de fãs de nossos textos. Bobagem... Jamais competiria contra minha maior fonte de inspiração. Mas viver sem competição é quase tão inviável como as pessoas que dizem não ter apego material. Se assim o fosse, elas andariam sem roupa.

* Fernando Yanmar Narciso, 25 anos, formado em Design, filho de Mara Narciso, escritor do blog “O Blog do Yanmar”, http://fernandoyanmar.wordpress.com

3 comentários:

  1. Éramos em cinco em casa. Venho depois da mais velha. A favorita de meu pai era a mais velha
    e a de minha mãe a que vem depois de mim.
    No final a única que peitava brigas na rua
    por causa de minha família, era eu.
    Elas choravam quando discutiam enquanto eu cuspia maribondos.
    Eles nos amavam de qualquer forma, apenas
    respeitando as peculiaridades de cada um.
    Beijos

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  2. O mais importante, acredito, é nos superarmos a cada dia. Competições predatórias fazem mal e não acrescentam. Para haver competição saudável, tem que haver muito equilíbrio, o que é cada vez mais raro. Abraço!

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  3. Seu irmão mais velho é você mesmo e o seu imenso senso crítico. Achei graça na sua análise da medalha na natação.

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