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Ciúme é indício de amor
* Por Mara Narciso
Durante o namoro, o rapaz deixava a casa da moça e ligava para se certificar de que ela permanecia em casa. Costumava aparecer de súbito. Depois passou a ir ao local de trabalho. Chegava numa hora qualquer, quando deveria estar longe, em seu próprio trabalho. Seguia a moça, de longe, fazendo vistoria do seu comportamento.
Desde o começo, deixou claro que a corda, instalada no pescoço da namorada, seria curta, algo que não a impedisse de ir até ao muro, porém não a deixasse ir além, e para isso mantinha vigilância permanente. Reclamava pouco, e quem os visse, não notaria nada. Ela tinha amigas e amigos, e ele parecia permitir, já que nada fora proibido, apenas sugerido. No calor da paixão e da novidade, não custava muito seguir a orientação do namorado, logo transformado em noivo.
Após dois anos de relacionamento o casamento aconteceu, oficializou-se, e as regras mantiveram-se ditadas por ele. Nos momentos íntimos exigia de maneira firme, que ela fosse fiel, e que jamais pertencesse a outro homem. Da parte dele, procurava sexo todos os dias.
Com dois filhos, o casal de classe média alta usufruía com gosto o que o dinheiro compra. A mulher usava um dos carros de luxo, enquanto o homem usava o outro, riscando toda a cidade. Assim como fazia no tempo de namoro, também agora era comum ele aparecer de uma hora para outra, dando uma incerta no escritório.
O chefe dela era um homem mais velho, e trabalhavam diretamente todo o dia. Nada havia entre funcionária e patrão, mas, para o homem, eles eram amantes e precisava chegar de surpresa para pôr fim ao romance. Nem atendia aos argumentos da recepcionista: abria a porta para ver a esposa no colo do patrão; mas nunca viu nada.
O celular dela, há tempos, era aberto por ele em busca de ligações clandestinas. Não contente por não ter descoberto coisa alguma, passou não só a ver quem tinha ligado e as chamadas feitas, como também a checar as origens das conversações. Aos poucos, mesmo com os vivos protestos dela, o marido repassava os números, religando para toda a lista. Na primeira vez, ela partiu pra cima dele, dizendo-se ultrajada e que não aceitaria aquela invasão. Apenas na primeira vez, pois as checagens continuavam depois que a mulher dormia. Toda noite, o marido vasculhava e telefonava para quem tinha falado com a mulher. Uma vez ela apagou os telefonemas feitos, mas foi pior, enfurecido, ele por pouco não a agrediu fisicamente. Então, achou melhor deixar tudo lá.
Os dois, casados há dez anos, passaram a fazer do ciúme um motor para continuar. Todos os dias o homem repassava, num tom vários decibéis acima do razoável, a cantilena sobre traição, que faria isso e aquilo, caso descobrisse algo. A paranóia infiltrou-se no casal de tal forma, que a esposa, inconscientemente gostando, entrou na onda. Embora garantisse não haver nada, com o tempo, passou a fazer arzinho de mistério. Deu a entender a possibilidade de ter alguém, com conseqüente ampliação da loucura marital. O sentimento humano pode ser obscuro, e para os dois, o risco travestiu-se em efeito erótico.
Certa noite ele a deixou dormir para acordá-la afirmando ter presenciado ao chefe atender a um telefonema dela num bar. Foi sacudida com força, e sofreu novas ameaças. No final, com o desmentido, as coisas terminaram numa sonora gargalhada. A paranóia do marido a estimulava, e ela aumentava a excitação de ambos dando corda, num jogo que crescia.
Durante o sexo, diário e cheio de novidades, o marido exigia que a mulher o chamasse pelo nome de outro e quando ela obedecia, ele, mais excitado, dava gritos e tapas, apertava o pescoço dela, machucando-a, e pedia que ela comparasse os dois. Entre gemidos e palavrões, ela afirmava que o outro era muito maior e melhor do que ele, que não havia termos de comparação. Era o encontro do casal com o clímax.
Entre xingos e berros, o homem dizia que o detetive tinha terminado o serviço, confirmando o adultério. Ao mesmo tempo em que negava, a esposa valorizada com as suspeitas do marido, patologicamente afirmava que era mesmo.
Todos os dias a brincadeira recebia novos ingredientes, novos estímulos para temperar a vida sexual de ambos, que conversavam como se o amante estivesse entre eles, não distante naquele momento, mas, como se estivesse de fato ali, de corpo presente. Estando juntos e a sós, o tema nunca desaparecia de todo, e num dia ela sugeriu ficar com outro na frente dele. O marido falou que ia pensar.
O personagem principal não era o amor, ou o desamor, nem mesmo o casal, mas o amante, que ela negava e confirmava. A traição dela era o elemento indispensável.
Numa noite, durante o sexo, uma onda maior de insanidade invadiu a mente do marido, que errou na dose de entusiasmo e apertou excessivamente o pescoço da esposa. Após alguns minutos de estrangulamento, ele a largou inerte sobre o travesseiro. Viu o que tinha feito, levantou-se e foi conferir os telefonemas dados por ela naquele dia.
* Médica endocrinologista, acadêmica do oitavo período de Jornalismo, e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”
* Por Mara Narciso
Durante o namoro, o rapaz deixava a casa da moça e ligava para se certificar de que ela permanecia em casa. Costumava aparecer de súbito. Depois passou a ir ao local de trabalho. Chegava numa hora qualquer, quando deveria estar longe, em seu próprio trabalho. Seguia a moça, de longe, fazendo vistoria do seu comportamento.
Desde o começo, deixou claro que a corda, instalada no pescoço da namorada, seria curta, algo que não a impedisse de ir até ao muro, porém não a deixasse ir além, e para isso mantinha vigilância permanente. Reclamava pouco, e quem os visse, não notaria nada. Ela tinha amigas e amigos, e ele parecia permitir, já que nada fora proibido, apenas sugerido. No calor da paixão e da novidade, não custava muito seguir a orientação do namorado, logo transformado em noivo.
Após dois anos de relacionamento o casamento aconteceu, oficializou-se, e as regras mantiveram-se ditadas por ele. Nos momentos íntimos exigia de maneira firme, que ela fosse fiel, e que jamais pertencesse a outro homem. Da parte dele, procurava sexo todos os dias.
Com dois filhos, o casal de classe média alta usufruía com gosto o que o dinheiro compra. A mulher usava um dos carros de luxo, enquanto o homem usava o outro, riscando toda a cidade. Assim como fazia no tempo de namoro, também agora era comum ele aparecer de uma hora para outra, dando uma incerta no escritório.
O chefe dela era um homem mais velho, e trabalhavam diretamente todo o dia. Nada havia entre funcionária e patrão, mas, para o homem, eles eram amantes e precisava chegar de surpresa para pôr fim ao romance. Nem atendia aos argumentos da recepcionista: abria a porta para ver a esposa no colo do patrão; mas nunca viu nada.
O celular dela, há tempos, era aberto por ele em busca de ligações clandestinas. Não contente por não ter descoberto coisa alguma, passou não só a ver quem tinha ligado e as chamadas feitas, como também a checar as origens das conversações. Aos poucos, mesmo com os vivos protestos dela, o marido repassava os números, religando para toda a lista. Na primeira vez, ela partiu pra cima dele, dizendo-se ultrajada e que não aceitaria aquela invasão. Apenas na primeira vez, pois as checagens continuavam depois que a mulher dormia. Toda noite, o marido vasculhava e telefonava para quem tinha falado com a mulher. Uma vez ela apagou os telefonemas feitos, mas foi pior, enfurecido, ele por pouco não a agrediu fisicamente. Então, achou melhor deixar tudo lá.
Os dois, casados há dez anos, passaram a fazer do ciúme um motor para continuar. Todos os dias o homem repassava, num tom vários decibéis acima do razoável, a cantilena sobre traição, que faria isso e aquilo, caso descobrisse algo. A paranóia infiltrou-se no casal de tal forma, que a esposa, inconscientemente gostando, entrou na onda. Embora garantisse não haver nada, com o tempo, passou a fazer arzinho de mistério. Deu a entender a possibilidade de ter alguém, com conseqüente ampliação da loucura marital. O sentimento humano pode ser obscuro, e para os dois, o risco travestiu-se em efeito erótico.
Certa noite ele a deixou dormir para acordá-la afirmando ter presenciado ao chefe atender a um telefonema dela num bar. Foi sacudida com força, e sofreu novas ameaças. No final, com o desmentido, as coisas terminaram numa sonora gargalhada. A paranóia do marido a estimulava, e ela aumentava a excitação de ambos dando corda, num jogo que crescia.
Durante o sexo, diário e cheio de novidades, o marido exigia que a mulher o chamasse pelo nome de outro e quando ela obedecia, ele, mais excitado, dava gritos e tapas, apertava o pescoço dela, machucando-a, e pedia que ela comparasse os dois. Entre gemidos e palavrões, ela afirmava que o outro era muito maior e melhor do que ele, que não havia termos de comparação. Era o encontro do casal com o clímax.
Entre xingos e berros, o homem dizia que o detetive tinha terminado o serviço, confirmando o adultério. Ao mesmo tempo em que negava, a esposa valorizada com as suspeitas do marido, patologicamente afirmava que era mesmo.
Todos os dias a brincadeira recebia novos ingredientes, novos estímulos para temperar a vida sexual de ambos, que conversavam como se o amante estivesse entre eles, não distante naquele momento, mas, como se estivesse de fato ali, de corpo presente. Estando juntos e a sós, o tema nunca desaparecia de todo, e num dia ela sugeriu ficar com outro na frente dele. O marido falou que ia pensar.
O personagem principal não era o amor, ou o desamor, nem mesmo o casal, mas o amante, que ela negava e confirmava. A traição dela era o elemento indispensável.
Numa noite, durante o sexo, uma onda maior de insanidade invadiu a mente do marido, que errou na dose de entusiasmo e apertou excessivamente o pescoço da esposa. Após alguns minutos de estrangulamento, ele a largou inerte sobre o travesseiro. Viu o que tinha feito, levantou-se e foi conferir os telefonemas dados por ela naquele dia.
* Médica endocrinologista, acadêmica do oitavo período de Jornalismo, e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”
Relacionamentos doentios que de início
ResponderExcluirdeixam a mulher se sentindo uma rainha
amada ao extremo, quando na verdade
é apenas uma prisão...nossa o texto é
tão verdadeiro que me arrepia.
Parabéns.
Beijos
O ciume deve ser muito bem temperado para não se transformar em loucura. Muito interessante o texto! Abraço!
ResponderExcluirO mote da minha literatura. O ciúme patológico leva a agressão física e verbal, a loucura e a morte ( assassinato ou suicídio ) . Eu diria que é o amor desgovernado, alimentando a paixão desequilibrada.
ResponderExcluirAlguns casais precisam de uma dose extra de excitação para a sobrevivência da relação.
Puro vazio.
Ou seria o amor perfeito e nós imperfeitos para amar ?
Quem ama mata. Quem ama sente ciúme.
Cada um escolhe a sua maneira para ser feliz.
Sade tinha razão : "Mate-me novamente ou aceite-me como eu sou, por qu eu não mudarei."
Será que tudo começou com ele ?
Partindo de um fato do mundo real, fiz o relato num crescendo de loucura chegando a cada dia mais perto de um fim trágico. Os exageros sem medida estão mais perto do que pensamos. Gostei da complexidade da sua análise Celamar, bem maior do que o texto. Sayonara, o ciúme pode ser assustador. Núbia, obrigada pelo comentário elogioso.
ResponderExcluirNossa, Mara, que conto incrível! Uma relação assim doentia só poderia mesmo terminar em tragédia! Parabéns pelo texto!
ResponderExcluirBeijos
Pois é Risomar, mesmo que eu quisesse, seria impossível evitar a tragédia. A obsessão devora qualquer racionalidade. Agradeço o comentário.
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