quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010




Os pedaços da gente, na cidade

* Por Cacá Mendes


Sabendo que São Paulo faz aniversário em 25 de janeiro, dia desses saí do Largo do Cambuci, na caminhada, a pé, no chinelo, nos dedos, na sola, no muque das pernas e entrei na Rua São Paulo, porque ali estão dois pedaços de mim, ambos mais ou menos perto, em datas também. Para que as coisas pudessem se encaixar, na sequência delas, peguei a Rua pelo final e fui em direção de onde ela nasce em soberba e altura, lá bem perto da Rua da Glória, Praça Almeida Júnior, para as bandas da Avenida Liberdade (a Avenida do famoso bairro dos imigrantes japoneses, bem no topo do Bairro da Liberdade)...

Mas se isso tudo é pra dizer outra coisa, é verdade, que não o direi se ao menos esse pequeno traçado não o fizer, em geografia mínima que seja.

Pra se ter uma idéia, a Baixada do Glicério onde se encontra a dita aí em cima, é um local há tempos habitado pelos que vivem nas bordas, nas quebradas, nos vãos, caindo pelo ralo, dos que vivem do pouco que vai escapando das partes boas de São Paulo, a Metrópole. Não direi de outro jeito, não mesmo: o rio se guia pelo eixo, é verdade, mas o que seria dele sem suas margens? E elas o representam, em cor, textura e cheiro, tudo em creme e osso, se escorrendo e batendo no sempre da vida como for e será.

E, se refiz aquele caminho foi por vontade aguda de lembrar, mastigar um pouco o meu passado por ali, em início dos anos noventa, por exemplo, de minha alguma amizade com o cinepoetaudiovisualista Jairo Ferreira (1945-2003). Exatamente ali, num trecho da Rua São Paulo, viveu e morreu, em um pequeno apê, o homem que morreu de CINEMA, morreu principalmente daquilo que foi e não foi de ser seu no pleno. Ele é o cara, o crítico, o cineasta, o poeta, o jornalista, o amante sem vergonha do CINEMA brasileiro, que vivenciou e escreveu Cinema de Invenção (http://cinema-de-invencao.blogspot.com/). Veja, meu caro leitor, veja isso... Mais, dele, agora não posso falar, não mesmo, e eu preciso chegar ao final da rua.

Naquele mesmo dia ainda, pisei o outro trecho da Rua São Paulo, a uns duzentos metros dali do Jairo, do então, bem onde ela se prepara para subir, no definitivo, o morro em direção à Avenida Liberdade e lá se fechar no seu início... Nesse pedaço da rua ficava a casa do amigo Zé Reinaldo, que a dividia com o outro amigo, o artista plástico Chico Martins, o mesmo cara que me apresentara Zé Kéti. E isto aconteceu ali mesmo, quando num churrasco na casa desses dois, o sambista era o grande convidado daquela tarde, lá pelos idos de 1995, talvez. Ah, o Zé e todos os seus ketis de Rio a São Paulo de Brasil, que eu vi, na minha frente, ao vivo, transformando caixinha de fósforo em bateria de escola de samba, orra. Meninos, eu vi.

Fiquei ali algum tempo parado no ermo das minhas recordações, oculto em mim, diante do que havia sido a casa desses amigos e do que havia sido o Recanto do Assaré... Sim, ali mesmo naquele pedaço da Baixada, bem do lado da porta da casa deles, pasme, havia também o bar nordestino Recanto do Assaré. E diz minha amiga Zezé, que foi amicíssima de ombro do Kéti, que Ribinha, o dono do Recanto, foi o homem que apresentou Patativa do Assaré a São Paulo, e São Paulo à Patativa, ora.

Mais, não me lembro bem de quantas vezes por lá eu me curvei, em risos e cervejas com esse pessoal todo, ufa. E olha que no terceiro copo, eu já paro. Porém, pra durar bastante a conversa e de lá não sair nunca, ficava fingindo com um copo de cerveja na minha frente, pela metade... Eu, o boêmio que nunca fui e quis ser, e quis porque nunca fui; todavia, o boêmio que sempre quis eu fui ser, fui.

Aqui eu paro com esse pedaço de mim num canto da cidade, uma que me acolhe, me ama, me beija e me tira o fôlego, mesmo quando, em pele de migrante, apanho, sou chutado, pisoteado... Mas ela não, São Paulo, sempre me tira das cinzas – como uma mãe tira e salva o filho do mal, sempre.

* Jornalista – blog: www.cronicaseg.blogspot.com



Um comentário:

  1. Eu apaixonada pelo meu Rio de
    Janeiro, fui nascer no dia do
    aniversário de São Paulo.
    Se tenho algo contra Sampa?
    óbvio que não, já viu o tanto
    de diversidade que tem por lá?
    Talvez seja isso que faz de São
    Paulo um lugar especial.
    Beijos Cacá

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