quarta-feira, 6 de janeiro de 2010




Não deixem o Recife morrer!*

** Por Marco Albertim

O principal traço da poesia de Robson Sampaio é a captura do cotidiano. Traduz com justeza cada fato ou fenômeno, por mais fortuito ou acidental que aparente ser. Assim, o primeiro verso de "Sertanejo da Dor" - "O sopro surdo do vento parece murmúrio de vozes em lamento pela morte" - foi escrito sem riqueza de detalhes, mas com objetividade robusta. O que poderia ser mero acidente climático é flagrado em ruidosa conspiração contra a vida, ou fazendo esforço insistente para se comunicar com o mundo dos sensitivos.

A sua preocupação é com os retirantes. Num estilo franco, como se estivesse usando medidas de precisão, não tem a menor dúvida ao dizer que "O chão é um mar em brasas, com a folhagem sem cor e a natureza perdendo a vida". É a síntese poética. No remate há uma nota pungente, cruelmente veraz; dir-se-ia um lamento de Euclides da Cunha a cada intervalo de suas incursões: "E a caatinga vira léguas de/ judiação do sertanejo da dor..." "A afirmação é terrivelmente verdadeira, poderia findar-se por aí, até porque não cabe ao poeta dar explicações. Mas, o autor parece desesperado, não vê saídas e se pergunta, perplexo: "penitência?"

Em "Filhos da Caatinga", o tema da "terra em brasas" é retomado com fúria de sertanejo em vias de sublevação. "A terra é seca e batida,/ igual alma sem alumiação,/ mas de gente com fé no Santo,/ indo e vindo, solta pelo Sertão..." O retirante erradio é como o gado, pensa o poeta, para em seguida dar o enunciado: "Cruz-credo, Ave-Maria,/ dê-me a bênção, padim Ciço,/ pois é só dor no meu Sertão./ Mas juro meu Santo querido,/ que de fome a gente num morre não". A plasticidade do verso é acentuada pelos ícones dos camponeses; há misticismo e valentia em combinação perfeita; um ajudando o outro.

De volta à cena urbana, o autor se mostra saudosista, tristonho, até com certa lamúria. O ritmo, entretanto, permanece coloquial, sem cair na banalidade. Para ele, há no Recife "Poemas em cada esquina,/ em cada bar, em cada desilusão./ Enchem e perfumam ruas e bairros,/ da Aurora ao Bairro do Recife". Não se contenta e se espoja em cada nicho da Cidade, quando se refere a poetas já falecidos: "São pedaços de cada um de nós,/ poetas, vivos ou mortos". A imortalidade da obra de cada um é assim afirmada: "Eles, como nós, teimam em poemar a vida no Recife e a não dormir com a morte".

O que dizer da moça de olhar perdido, só, na esquina deserta, mas sob a jurisdição da mãe? O nome do poema é "Domingo Doce". "Na esquina, parada/ lambia o pirulito/ como se o domingo/ fosse um doce e/ nunca tivesse fim". Aqui, a inocência que os adultos já perderam é flagrada num discurso sem penduricalhos, com a economia necessária a não deixar escapar qualquer traço do mesmo sentimento. Da mesma forma é apreendido o que se passa na apreensiva mãe. "Na face da mãe,/ o grito da dor eterna,/ embora o domingo continuasse doce,/ assim como o pirulito e/ a menina-moça..."

Vale a pena ler Robson Sampaio. Os mais de 38 anos de Jornalismo trouxeram-no para o resgate da poesia telúrica. De seus versos, sente-se o bafejo de dois recifes: o Antigo, cheio de assombrações femininas e de poetas lhes fazendo a Corte; e o Novo, morrendo e, por isso mesmo, a lembrar o primeiro. Sente-se que o vernáculo em suas mãos não foi ofício vão. Nele há uma sonora reivindicação: não deixem o Recife morrer!

*Prefácio do livro "O Recife & Outros Poemas" de Robson Sampaio

** Jornalista e escritor. Trabalhou no Jornal do Commércio e Diário de Pernambuco, ambos de Recife. Escreveu contos para o sítio espanhol La Insignia. Em 2006, foi ganhador do concurso nacional de contos “Osman Lins”. Em 2008, obteve Menção Honrosa em concurso do Conselho Municipal de Política Cultural do Recife. A convite, integra as coletâneas “Panorâmica do Conto em Pernambuco” e “Contos de Natal”. Tem dois livros de contos e um romance.


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