Acima de tudo
* Por Daniel Santos
No
cenário da soberba, a seda das togas cicia. O magnífico juiz, alheio à humana
ladradura, pretende-se modelar ou mais que modelar, com o cenho amarrotado como
o pergaminho dos mais antigos testamentos.
Nada
a ele se ombreia nem ninguém ousa tal estatura; muito menos o réu, que arriado
de expiações, lhe serve de perfeito contraponto. E, então, o juiz cresce,
cresce mais e mais, em virtude de incontroláveis impulsos.
Quer
alcançar a Lei. Não! Mais que isso: quer levitar acima dela. E o arco de sua
sobrancelha salta sobre as demais pretensões. Já nem é mais juiz, mas uma
potestade, um cânone, algo assim de tal grandeza.
O
impoluto enfuna-se de vaidades e atinge as nuvens quando interpreta a Lei com o maior rigor possível,
como se ela não se aplicasse a homens pífios e perecíveis. O impoluto quer
apenas mostrar-se impoluto.
Tanta
austeridade assusta, mas ele expande ainda mais seu vulto, supera as nuvens, sente-se no paraíso. Ali
encontra quem aguarda os soberbos. Impossível recuar. E o magnífico cai nas
boas graças de satã!
* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e
redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de
São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou
"A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e
"Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o
romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para
obras em fase de conclusão, em 2001.
Já vou imaginando de quem se trata, o tal juiz. E volto ao passado, ao ler a palavra 'impoluto". A minha mãe a usava sempre. Mostra sem revelar e o mistério torna a leitura ainda mais marcante e inesquecível. Sua receita dos cinco parágrafos alcançou, afinal, a perfeição, Daniel. Parabéns!
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