O Talião nosso de cada dia
* Por Fernando Yanmar
Narciso
Quando se pensa num sujeito que não leva desaforo pra casa, a maioria
das pessoas logo pensa em Charles Bronson e em sua famosa série Desejo
de Matar, clássica das noites de domingo após o Fantástico, que definiu sua
carreira pelos seus últimos 25 anos de vida. Iniciada em 1974 e mais ou menos
baseada no livro homônimo de Brian Garfield, era a história de Paul Kersey, um
arquiteto liberal e de cabeça fria, que tem sua vida virada do avesso quando
uma gangue saqueia seu apartamento, mata sua esposa, estupra e traumatiza sua
filha de tal maneira que ela vira praticamente um bicho empalhado.
Ensandecido por tamanha crueldade,
Kersey passa de um apoiador da não-violência para um maníaco aficionado por
armas, com o saudável hobby de sair à noite para provocar e fuzilar bandidos na
rua, que ele estranhamente tem o dom de pegar sempre em flagrante. Sem nenhum
plano, ele simplesmente persegue maloqueiros aleatórios pelas ruas, seja em
Nova Iorque, Los Angeles ou no Canadá, chegando aonde a polícia comum deveria
conseguir chegar. Em cinco filmes, Kersey passou fogo em aproximadamente 500
vagabundos, mas, ironicamente, nunca conseguiu pôr as mãos naquela gangue que
arregaçou com a vida dele no primeiro filme.
Após uma semana matando no 1º filme,
Paul Kersey sorria ao ver no noticiário que várias pessoas, inspiradas por suas
estripulias, resolveram reagir e se defender contra os criminosos, por mais clichê
que essa expressão seja, “fazendo justiça com as próprias mãos”. Mas aqui, fora
da tela prateada, essa história tem ido longe demais, como no caso daquele
marginal, que foi preso pelo pescoço num poste com uma trava de bicicleta e
linchado. Os ditos Robin Hoods dos morros, que supostamente querem “privatizar
a justiça”, nem se preocuparam em se certificar que o moleque era quem eles
procuravam... Não faz mal, né? Afinal, depois de errar no primeiro justiçamento
e em mais alguns, eles vão acabar eventualmente pegando os caras certos. É
fazendo que se aprende!
Só que o que eles fazem passa longe
de ser justiça, é simplesmente vingança, retaliação. Pois o conceito de justiça
impõe que o suspeito deve ser levado a uma corte e julgado antes de receber
qualquer sentença. Mas quem está se lixando para esses detalhes? Se você abrir
qualquer vídeo a respeito desses casos no Youtube, a grande maioria dos
comentários está do lado dos bandidos que torturaram os outros bandidos. E nem
quero ser aquele que ousar soltar frases politicamente corretas como “E os
direitos humanos, onde é que ficam?”. É como colocar capim na frente de um
cavalo!
Já tiveram a impressão que as pessoas
de bem estão cada vez mais parecidas com os bandidos que tanto temem? Querem
ver tudo pago na mesma moeda: Para cada menina estuprada, querem que a polícia
capture e torture toda a família do estuprador. Para cada carteira batida,
querem que o caveirão suba o morro e metralhe a facção inteira. Pondo em termos
mais simples, ¾ dos trabalhadores acreditam que bandido não tem salvação, não
tem chance de se regenerar. Bandido bom é bandido morto! Nem dá pra entender
porque tem tanta bandidagem por aí, supondo que nenhum bandido gostaria de
passar uma temporada em nossos maravilhosos presídios. Só isso deveria bastar
para desencorajá-los.
E os noticiários adoram capitalizar
na brutalidade... Os editores-chefe parecem ter um prazer sádico em manter a
população estressada e apavorada. Por que será que não existem comentaristas
liberais ou, no mínimo, mais ponderados nos noticiários? Sem exceções, os mais
famosos articulistas do país são brancos, de boa aparência, conservadores,
cristãos e tão progressistas quanto um disco de 78 rotações.
Podem implicar comigo, mas até que
gosto de ouvir o blá-blá-blá da “queridinha” do noticiário, a paraibana Rachel
Sheherazade. Fala muita besteira, mas não dá pra negar que ela tem o dom de
dizer exatamente o que o povão quer ouvir, sendo certo ou não. Ninguém
polemizou mais do que Rachel a respeito do moleque torturado pela milícia, e
pra variar, por causa de um mal- entendido. Afinal ela disse que a atitude dos
justiceiros era “compreensível”, não que ela apoiava a pancadaria.
Agora, meu falastrão favorito é o
catarinense Luiz Carlos Prates, conhecido apenas na região Sul do país, mas
muito popular na internet. Parecendo ter herdado o veneno do inesquecível
Alborghetti, Prates, formado em jornalismo e, pasmem, psicologia, representa a
classe militar na bancada do jornal. Em dois minutos ele é capaz de se
exasperar e ruborizar mais que uma grávida em trabalho de parto, tamanha raiva
e eloquência com que ataca o governo e o país, dizendo, novamente, exatamente o
que os mal instruídos querem ouvir.
Sua paixão é tão grande que é
impossível terminar de ouvi-lo sem ter vontade de pôr fogo no país. Vive
dizendo “Imagina esses vagabundos lá na minha delegacia!”, com a autoridade de
um oficial do DOPS, como se apenas o pulso dito firme dele fosse capaz de
encerrar a delinquência no país. A violência urbana já me alcançou algumas vezes,
fui até linchado na porta de minha casa há alguns anos. Apesar de desaprovar os
métodos dos justiceiros, assim como quem me lê, quem de nós não gostaria de ver
o que o Prates, ou, sei lá, Paul Kersey faria com esses caras? Já que o longo
braço da lei não consegue alcançá-los...
*Designer e
escritor. Sites:
HTTP://www.facebook.com/fernandoyanmar.narciso
http://cyberyanmar.deviantart.com
HTTP://www.facebook.com/terradeexcluidos
Curiosa argumentação num vai e vem, como se não estivesse disposto a dar a cara. Ao final, um apoteótico sim ao barbarismo. Prefiro as linhas legais.
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