A contraditória solidão do cárcere
* Por Cecília França
Eles eram oito, mas
apinhados em um local feito para abrigar quatro homens. Estavam sentados nas
camas em meio a garrafas pet esparramadas pelo chão e pratos com restos de
comida, na última cela do minipresídio. O aparelho televisor mal-sintonizado
era a única distração, além das páginas de revistas com mulheres nuas coladas
na parede. O ambiente úmido, meio escuro e contraditoriamente solitário da
cadeia não me intimida mais, no entanto, o fato de estar ali para fotografar
menores transtornou-me.
Apesar da ficha de gente grande –
três estavam condenados por latrocínio – eram apenas adolescentes. Bonitos,
fortes, e (preconceituosamente reparei) brancos. A preponderância da pele negra
– que ocorre nas celas adultas – não se aplicava àqueles menores.
Ao primeiro pedido do fotógrafo,
taparam os rostos com camisetas e bonés e fizeram poses para as fotos, sem
indagações; só depois perguntariam onde seria usado o material. Perguntei-lhes
se tinham conhecimento de que não deveriam estar lá; é claro que tinham. “To
querendo entrar nessa de Educandário, não quero ficar aqui não”, disse um deles,
cuja tatuagem nas costas, apesar de incompreensível, não esquecerei. Era o
único do qual eu conhecia o crime: roubo seguido de morte. Era ele o
responsável pelas diversas facadas que mataram um dos professores mais queridos
da cidade.
Os motivos do crime permanecem
incógnitos para a opinião pública, embora saibamos que o jovem mantinha
relacionamentos íntimos com a vítima. Estranha-me como, mesmo sabendo de seus
crimes hediondos, senti pena daqueles meninos, jovens e tão sem perspectivas. A
sociedade, provavelmente, não lhes dará outra chance, nem tampouco eles mesmos.
Famílias desestruturadas, pais criminosos, ingenuidade, vingança... o que
justificaria dez facadas no peito de um homem – de bem ou não?
Tive tempo de indagar-me sobre
isso enquanto meu colega pedia para que eles mudassem de posição, sentassem nas
camas, virassem de costas, tudo para garantir que, embora incógnitos, pudessem
ser estampados na capa do jornal. Agiam como se não tivessem direito de
escolha. Por que, afinal, eles tinham que tirar fotos? Não sabiam, mas em um
local tão carente de atrativos, aquele momento de flashs deve ter
rendido assunto para todo o final do dia ou da semana.
Na saída, os gritos de praxe dos
adultos encarcerados, pedindo atenção para suas situações de insalubridade.
"Estamos esquecidos aqui", disse um. Verdade. Saímos de lá com
sentimento de angústia, mas, duas entrevistas depois, nem lembrávamos mais
deles.
* Jornalista
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