domingo, 5 de janeiro de 2014

A contraditória solidão do cárcere

* Por Cecília França


Eles eram oito, mas apinhados em um local feito para abrigar quatro homens. Estavam sentados nas camas em meio a garrafas pet esparramadas pelo chão e pratos com restos de comida, na última cela do minipresídio. O aparelho televisor mal-sintonizado era a única distração, além das páginas de revistas com mulheres nuas coladas na parede. O ambiente úmido, meio escuro e contraditoriamente solitário da cadeia não me intimida mais, no entanto, o fato de estar ali para fotografar menores transtornou-me.

Apesar da ficha de gente grande – três estavam condenados por latrocínio – eram apenas adolescentes. Bonitos, fortes, e (preconceituosamente reparei) brancos. A preponderância da pele negra – que ocorre nas celas adultas – não se aplicava àqueles menores.

Ao primeiro pedido do fotógrafo, taparam os rostos com camisetas e bonés e fizeram poses para as fotos, sem indagações; só depois perguntariam onde seria usado o material. Perguntei-lhes se tinham conhecimento de que não deveriam estar lá; é claro que tinham. “To querendo entrar nessa de Educandário, não quero ficar aqui não”, disse um deles, cuja tatuagem nas costas, apesar de incompreensível, não esquecerei. Era o único do qual eu conhecia o crime: roubo seguido de morte. Era ele o responsável pelas diversas facadas que mataram um dos professores mais queridos da cidade.

Os motivos do crime permanecem incógnitos para a opinião pública, embora saibamos que o jovem mantinha relacionamentos íntimos com a vítima. Estranha-me como, mesmo sabendo de seus crimes hediondos, senti pena daqueles meninos, jovens e tão sem perspectivas. A sociedade, provavelmente, não lhes dará outra chance, nem tampouco eles mesmos. Famílias desestruturadas, pais criminosos, ingenuidade, vingança... o que justificaria dez facadas no peito de um homem – de bem ou não?

Tive tempo de indagar-me sobre isso enquanto meu colega pedia para que eles mudassem de posição, sentassem nas camas, virassem de costas, tudo para garantir que, embora incógnitos, pudessem ser estampados na capa do jornal. Agiam como se não tivessem direito de escolha. Por que, afinal, eles tinham que tirar fotos? Não sabiam, mas em um local tão carente de atrativos, aquele momento de flashs deve ter rendido assunto para todo o final do dia ou da semana.

Na saída, os gritos de praxe dos adultos encarcerados, pedindo atenção para suas situações de insalubridade. "Estamos esquecidos aqui", disse um. Verdade. Saímos de lá com sentimento de angústia, mas, duas entrevistas depois, nem lembrávamos mais deles.

* Jornalista

Nenhum comentário:

Postar um comentário