segunda-feira, 10 de outubro de 2011







Estorinha

* Por Fausto Brignol

Era uma vez dois reinos inimigos. Tinham, já, se enfrentado em várias batalhas, que sempre ficaram indecisas e só provocaram morte e destruição. Resolveram, então, competir de outras maneiras. Um dos reinos era governado pelo rei El; o outro pelo rei Al. Este, o rei Al, depois de conferenciar com os seus ministros e ouvir o povo (naquele tempo os reis ouviam o povo) decidiu construir grandes avenidas. O rei El fez o mesmo e acrescentou à margem das avenidas, belíssimos jardins.
Sabendo disso, o rei Al não só acrescentou belíssimos jardins à margem de suas avenidas como, também, mandou plantar árvores frutíferas, para que todo o povo pudesse aproveitar a natureza e nutrir-se com ela.
O rei El não deixou por menos: plantou árvores frutíferas nos jardins e acrescentou belas moradias para todos os seus súditos que ainda não tinham casa própria. O rei Al construiu bela casas para todos os que não as tinham ainda, e acrescentou terrenos onde os súditos poderiam plantar de tudo e terem uma vida mais folgada. O rei El fez o mesmo, e, para não parecer que estava apenas imitando os feitos do rei Al, deu ao povo isenção de impostos sobre as moradias e terrenos que doou. O rei Al também isentou os seus súditos de impostos sobre as casas e terrenos dados ao povo, acrescentando água e luz elétrica para todos. O rei El fez o mesmo.
E assim os reinos cresciam a prosperavam e tudo o que os súditos de ambos os reinos mais desejavam era que essa rivalidade não terminasse nunca.
Mas eis que, certo dia, quando os dois reis estavam justamente festejando a festa de casamento dos seus filhos – a filha do rei Al com o filho do rei El – e os dois reinos estavam em festa e chegavam congratulações e presentes de todos os reinos da Terra, o Rei do Norte, que tinha sérios problemas biliares e não gostava de festas, mandou um e-mail para os dois reis, extensivo aos noivos, que dizia: “EU SOU UM IMPERADOR”.
Os reis Al e El receberam o e-mail, acharam graça e enquanto tomavam mais uma taça de champanhe, pois estavam felizes e a felicidade costuma atrair taças de champanhe, responderam em conjunto para o Rei do Norte: “PARABÉNS PELO NOVO TÍTULO, MAJESTADE!”.
O Rei do Norte não se deu por satisfeito com a resposta recebida e enviou um novo e-mail: “EU SOU UM IMPERADOR PORQUE TENHO MUITAS TERRAS!”. Os dois reis, que já estavam agastados com os e-mails do Rei do Norte, novamente responderam em conjunto: “QUE BOM! ESPERAMOS QUE SEJAM TERRAS FRUTÍFERAS E COM CIDADÃOS FELIZES”.

O Rei do Norte recebeu aquele e-mail e ficou furioso. Com que então aqueles pequenos reizinhos desejavam que ele tivesse terras frutíferas e cidadãos felizes?! Que desaforo! E enviou um novo e-mail, porque naquela época as pessoas trocavam muitos e-mails por qualquer razão. E escreveu o seguinte: “ISSO NÃO INTERESSA. O IMPORTANTE É QUE ALÉM DE MUITAS TERRAS EU TENHO MUITAS ARMAS E MUITOS SOLDADOS”.
O rei Al e o rei El começaram a achar estranhos os e-mails do Rei do Norte. Que atraso! Todos sabiam que o Rei do Norte sofria de ataques de bílis e tinha Complexo de Édipo, mas achar que muitas terras, muitos soldados e muitas armas era melhor que muita felicidade revelava um atraso imenso... Será que o Rei do Norte, além de todos os seus problemas estava ficando debilóide? Tudo era possível...
Viajantes que tinham visitado o reino do Norte diziam que lá existiam pessoas as mais estranhas. Alguns chegavam a dizer que naquele reino não havia mais casamentos, porque tinham horror ao amor. Outros afirmavam que as poucas crianças que restavam passavam o dia inteiro jogando joguinhos eletrônicos; outros, ainda, afirmavam que até aqueles cientistas loucos de antigamente que tinham construído armas terríveis, devido à sua loucura, armas que tinham destruído grande parte da terra e a transformado em desertos que somente agora, depois de séculos, começavam novamente a frutificar, porque a natureza é paciente e sábia, aqueles cientistas estavam de volta no reino do Norte. Não aqueles de antigamente, é claro, que tinham se suicidado logo após lançarem as suas armas contra povos indefesos, mas sucessores deles, que tinham descoberto antigos escritos, ocultos por muito tempo em mosteiros, e que ensinavam como fabricar novamente aquelas armas.
O rei Al e o rei El lembraram daqueles comentários dos viajantes e os comentaram novamente entre si, mas não ficaram demasiado alarmados. O mais importante era a alegria dos seus filhos recém casados e a felicidade de todos os cidadãos, que prosperavam em harmonia com a natureza. Pensar em guerras até fazia mal. Eles mesmos não tinham cometido esse mal há alguns anos? Resolveram jogar uma partida de xadrez e tentar esquecer o Rei do Norte.
Foi quando receberam mais um e-mail do Rei do Norte: “VOCÊS ESTÃO JOGANDO XADREZ, É? ESTÃO FELIZES, É? POIS FIQUEM SABENDO QUE EU TENHO ARMAS ATÔMICAS, HEHE”.
Os dois reis pararam a partida e disseram, quase ao mesmo tempo: “Espiões!”. “Ó céus - disse o rei El – quantas vezes eu disse ao meu povo que espionar os outros é coisa muito feia!”. O rei Al acrescentou – “Mas sempre existem aqueles que preferem fazer coisas feias, majestade. Parece ser um hábito muito antigo...” – “Penso que deveremos escrever ao Rei do Norte. Parece que ele precisa do nosso auxílio” – disse o rei El.
Então começaram a mandar e-mails para o Rei do Norte. O rei Al escreveu, desta vez em letras minúsculas:
- Majestade, se lançar seus mísseis atômicos sobre nós ou contra qualquer outro povo somente receberá desertos e pesadelos.
O rei El acrescentou:
- Observe a beleza do por do sol, o cantar dos pássaros e os jovens se amando. Lembre da sua juventude e da sua infância.
E continuaram.
- Conte piadas para os amigos.
- Adote um gato ou um cachorro, ou ambos. De preferência os vira-latas, porque são os mais espertos.
- Venha jogar xadrez conosco.
- Dê ao seu povo as armas da paz.
- Desenhe, pinte, escreva poesias.
- Despeça os seus cientistas nucleares ou os mande construir estradas.
- Estradas com belos vinhedos às margens.
- E pomares com todo o tipo de árvores frutíferas.
- Aos que continuarem a brincar com o átomo e a natureza, coloque pó-de-mico em suas roupas.
- Ou os faça jejuar 40 dias no deserto até alcançarem a iluminação.
- Que poderá ser o uso da energia solar. É muito mais barato que construir reatores nucleares.
- Lembre-se do amor.
- Não tenha medo da vida nem de ninguém.
- Nós gostamos de você.
Lá no Reino do Norte, o Rei do Norte recebeu aquela enxurrada de e-mails e, no início, não entendeu nada. Depois, começou a pensar... Escrever poesias... Há quanto tempo ele não escrevia uma poesia! Pintar, desenhar, construir...
Desceu as escadas do seu palácio e encontrou alguns servos que tinham capturado um gato. – Por que vocês pegaram esse gato? – perguntou, demonstrando seriedade.

- Ele estava miando muito alto e pensamos que poderia perturbar Vossa Majestade – disse um deles.
- Mas vocês não percebem que se ele estava miando alto é porque precisa de alguma coisa? Talvez esteja com fome, com frio, com sede. Comprem ração especial para ele, dêem água e depois o coloquem nos meus aposentos. Imediatamente!
Os servos saíram correndo para cumprir as ordens do Rei do Norte, mas ele os chamou e disse:
- Por que vocês saíram correndo?
- Porque Vossa Majestade ordenou e suas ordens devem ser cumpridas imediatamente, conforme já nos ordenou muitas vezes com a sua poderosa voz – disse o servo que estava mais perto.
- Que bobagem! Peçam ração pelo telefone, dêem água aqui mesmo do palácio, de preferência filtrada. Não precisam correr para fazer isso. Agora me respondam: “Quantos patinhos cabem numa canoa?”
Os servos estavam surpresos. Um deles atreveu-se: - Dois, Majestade?
O Rei sacudiu a cabeça. – Serão três?- disse outro. Novamente o Rei disse que não. – Quem sabe quatro? – perguntou o terceiro.
- Seus bobos! A resposta correta é: “Depende do tamanho da canoa!”. E riu-se como há muito tempo. Os servos também se riram, ainda um pouco tímidos, e foram cumprir as suas funções. Foi quando o Rei saiu para o pátio e percebeu que o dia estava findando. Olhou para o horizonte, viu o sol se pondo e sentiu a beleza daquele momento. Mas alguém o chamou para avisá-lo que os cientistas nucleares já estavam começando a contagem regressiva e só esperavam a sua presença para que desse a ordem de disparar. Correu para lá e, quando chegou, gritou para os cientistas:
- Parem com isso, seus cabeças de abóbora! Desliguem os reatores, destruam os mísseis e as ogivas!
Alguns tentaram sublevar-se e foram presos, por desacato. Mandou os demais, para as masmorras do reino para que rezassem por 40 dias e pedissem perdão pelos seus pecados mortais. A pão e água.
Depois, mandou que o seu grande exército fosse desfeito e que os soldados se transformassem em trabalhadores e construíssem estradas e casas para todos e plantassem árvores frutíferas por todo o reino.
De noite, pouco antes de dormir, acariciou o gato que se aconchegava em seu colo e pensou no amor. Como era mesmo o amor? Ligou o computador real e mandou mais um e-mail para os reis Al e El. Dizia assim:

“Obrigado. É muito difícil aprender a jogar xadrez? Um abraço do amigo.”

• Jornalista e escritor.

Um comentário:

  1. Linda fábula, seria tão mais fácil
    se a gente não complicasse tanto.
    Abraços

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