sábado, 8 de outubro de 2011







Dois dedos de prosa

* Por Daniel Santos

O que motivou, afinal, a onda de protestos moralistas contra o depoimento de uma senhora sobre masturbação feminina que a TV Globo exibiu há pouco mais de uma semana, após a novela Páginas da Vida?

As próprias mulheres disseram-se indignadas com a franqueza daquelas palavras para descrever algo assim tão íntimo e que, apesar disso, a depoente expôs sem pudores nem hipocrisia. Foi clara como a água:

“Não espero o homem resolver o meu lado, eu me viro sozinha” – disse sem afetação feminista, muito menos com ressentimentos de mal-amada. E, embora escapasse à maioria, ela estava sendo revolucionária.

Revolucionária, sim! Porque, dona do próprio corpo, satisfaz-se quando quer, segundo fantasias de sua escolha e, mais importante de tudo, sem depender da parceria masculina, que ela não evita nem supervaloriza.

O gozo (isso mesmo que qualquer garotinho de 12 anos conhece), ela só experimentou quase cinqüentona! Antes tarde do que nunca, porque muitas mulheres conhecem o orgasmo apenas de leituras na Marie Claire.

E, se assim é, de fato, o tal depoimento contradiz uma época que se pretende esclarecida, sem preconceitos, quando as mulheres se dizem donas do seu nariz, embora ignorem, como as avós, a própria genitália.

A tal mulher, negra, humilde e corajosa, sabe (mais que muita pós-graduada) que não pode nem deve depender sempre do homem. Aprendeu por si o valor de uma independência conquistada com hábeis toques.

Essa espécie ainda envergonhada, que já utilizou os dedos para bordar lenços e para cerzir as meias dos maridos, começa a aprender um ofício mais interessante: o contato direto com sua parte mais íntima.

Um dia, o poeta se perguntou “para que servem as mãos?”, mas nenhuma de suas respostas teve igual impacto que o depoimento divulgado a todo o país pela tevê – uma tsunâmi para moralistas de plantão.

Calma, meninas. Tanto pudor não compensa nem eleva. Vivemos, afinal, na era digital em que fazer revolução prescinde de murros raivosos. Às vezes, um toquezinho de nada no lugar certo pode mudar tudo.

* Jornalista carioca, 54 anos. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.

Um comentário:

  1. Há tempos se diz que a masturbação feminina é mais avançada com a masculina, pois esta é mecânica, enquanto aquela é digital.

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