terça-feira, 8 de março de 2011




Carnaval e Cinzas

* Por Cristiane Campos


Quanto Riso, ó quanta alegria,/ mais de mil palhaços no salão./Arlequim esta chorando pelo amor da Colombina,/No meio da multidão...

Quem não se lembra da velha marchinha de carnaval de Zé Kéti, Máscara Negra composta em 1967, tão cantada nos antigos bailes de carnaval.
O que restou de todo aquele riso, toda aquela alegria nos carnavais de hoje, é o que me pergunto.
Existia uma magia quase palpável, quando a cadência do ritmo diminuía e desacelerava os foliões, fazendo com que com os olhos procurássemos no salão aquele arlequim abandonado.
As fantasias que vestiam nosso corpo e nos transformavam em personagens, se foram; hoje, ao contrário de alguns anos atrás, as fantasias são despidas, como se, em um corpo praticamente nu houvesse alguma magia, nada mais se esconde sob os véus transparentes das odaliscas.
Os mil palhaços se tornaram umas poucas dezenas, e os salões ficaram vazios, neles apenas se ouve o pranto do velho arlequim em busca de sua colombina que provavelmente hoje veste o abadá de algum bloco carnavalesco e brinca espremida em meio a milhares de foliões, nas ruas de Salvador.
É meus amigos, as coisas mudaram nada da velha magia, nada de belas fantasias, apenas muita disposição e energia para gastar nos quatro dias subindo e descendo ladeiras atrás dos trios elétricos.
Hoje temos o grande espetáculo das escolas de samba, que atualmente mais do que samba no pé, disputam um título, aonde o que manda é a tecnologia e os grandes efeitos visuais, quem diria ver no sambódromo foliões esquiando em uma pista de gelo.
Aquele pierrô apaixonado que vivia só cantando, provavelmente ao ver o quanto se gasta com a indústria do carnaval,
acabou chorando... Acabou chorando.
O grande circo da alegria por pouco não se torna o circo dos horrores, quem acreditaria que um carnavalesco usaria o holocausto no “maior espetáculo da terra”.
Nada mais da pura e simples alegria que tantos poetas escreveram em guardanapos de papel, para depois fazer daqueles rabiscos um belo samba-enredo cheio de lirismo.
O confete, a serpentina, o cheiro de lança perfume no ar, tudo isso ficou esquecido naqueles grandes e velhos salões dos clubes de nossas cidades do interior.
O ritmo é outro, as fantasias são outras, as pessoas também são outras, mais preocupadas em extravasar suas angústias e tensões nestes poucos dias, do que entrar no personagem daquele velho espetáculo e sentir a magia do tempo.

A mesma máscara negra/ que esconde o seu rosto,/ eu quero matar as saudades./
Vou beijar-te agora,/ não me leve a mal,/ hoje é carnaval...

A inocência do beijo roubado era a máxima que se podia esperar naquelas noites de folia, hoje nossos filhos chegam em casa com dezenas de preservativos que são entregues aos montes em campanhas pré carnavalescas, como se fazer sexo nas noites de carnaval fosse uma obrigatoriedade. Loucura.
Não há fênix que consiga renascer destas cinzas que neste ano quase se misturou as cinzas dos fornos de Auschwitz.
Mas não me leve a mal... Hoje é carnaval...


• Jornalista

Um comentário:

  1. Em cada época as pessoas se divertem como podem ou conseguem. O saudosismo é natural quando chamamos de nosso tempo a fase áurea da nossa juventude. Ao olharmos para trás sentimos nostalgia, sim. Mas a mudança é irreversível. Melhor ficar de longe, e para quem ainda suporta, ver pela TV é mais seguro.

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