quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011




Papa para quem não pode mastigar

* Por Mara Narciso

“O Brasil é um país de banguelas.”

Quando começaram a se popularizar os implantes dentários, imaginava-se que os especialistas logo teriam de mudar de ramo, porque depois da fluoretação da água, os adultos jovens, de mais de 25 anos, quase não têm cárie. A escovação foi um marco, e pensar que é um hábito recente. Aqueles que escovam seus dentes todas as vezes que consomem alimentos, e odeiam quando o hálito não está fresco, são incapazes de imaginar as princesas de antigamente, sem escovação e com seus odores bucais. Quem sabe é por isso que o costume universal de beijar o par seja coisa de depois do cinema?
Dona Carlota Joaquina, a esposa de Dom João VI, vaidosa, tinha horror dos seus dentes estragados, e por isso utilizava-se de pérolas mal colocadas sobre os buracos do seu sorriso. Isso, depois de 1808, quando a família real portuguesa veio para o Brasil. Por aqui, o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, anos antes, já exercia o seu ofício de extrair dentes.
“Deus tira os dentes, mas alarga a goela”. Pelo visto, a população sempre achou importante a manutenção dos seus dentes, até chegar uma dor num deles. Então queria ver-se livre da tortura. Os jovens de hoje não sabem o que é uma cárie grave ou uma dor de dentes. A turma mais velha chegava a desejar uma dentadura, para ficar sem essas dores em definitivo. Outros simplesmente passaram mais da metade da vida desdentados. A falta de dentes não os impedia de comer carne, em pequenos pedaços, mesmo machucando as gengivas. Gente é carnívora, mas quem não podia colocar novos dentes também não conseguia comprar carne. Triste pobreza!
Como morder uma maçã ou roer pequi sem dentes? Usando uma colher. No filme Cabaret Mineiro, do cineasta montesclarense Carlos Alberto Prates, um sertanejo, deitado no balcão de um boteco, durante a sesta, e querendo comer rapadura sem se levantar, retira a dentadura, estica o braço e rapa o doce com ela, colocando a prótese novamente na boca. Coisas da preguiça.
Perto dos seis anos de idade os dentes de leite começam a se soltar para nascerem os definitivos. O dente mole é retirado com a mão, mas quando a criança ficava dengosa, os pais amarravam uma linha no dente e na maçaneta da porta, para quando alguém a abrisse arrancasse o dente sem a criança sentir. E depois de tirado, o dente era jogado sobre o telhado, para que as galinhas não o comessem. Quanta bobagem era dita, inclusive que as crianças ficariam sem nascer dentes caso eles fossem comidos pela ave.
Quando em adulto perde-se um dente, pode-se sentir uma decadência inominável. Há os que choram seus dentes perdidos por acidente, por erros ou por negligência. Pode ser mais do que perder um dedo. A turma de mais de 60 anos sabe como era precária a odontologia dos tempos de meninos e de como uma mísera cárie tinha por preço a extração. Os pais e os dentistas acreditavam que essa era a melhor solução, e a indústria dos jovens sem alguns dentes, naquela época, ainda é uma vergonha. Proliferavam os dentistas práticos, sem fazer faculdade, os chamados protéticos.
Algumas pessoas colocavam e nunca mais tiravam suas dentaduras, devido ao hábito arraigado da não escovação. Estas chegavam a ficar verdes de limo. Nojo? Ora, ainda há muitos por aí para comprovar isso. Não é lenda, há gente que retiram suas dentaduras à noite, e as colocam num copo d’água durante o sono, por receio de engoli-las.
A mudança na aparência pessoal após tratamento de dentes da frente estragados, ou quando alguém coloca uma prótese parcial ou total é muito compensador para o profissional e paciente. A estranheza da fala sibilante, chiando nos dentes novos passa rápido, assim como a dor.
As crianças aprendem cedo a ter amor aos dentes, assim como a cuidarem bem deles. O medo de dentista é coisa do passado. Os antigos profissionais obturavam uma cárie profunda, com dor, e sem anestesia, por preguiça de fazer o procedimento. Assim, muitos fugiam dos seus métodos medievais. Havia os que prometiam amarrar as crianças na cadeira, para fazer o tratamento, utilizando-se da pedagogia da cinta.
Hoje, os que amam seus dentes de teclado, também amam seus dentistas, cuidam dos seus dentes e gengivas, e têm boa saúde bucal. Mas as tensões do dia a dia despertam o bruxismo, que não tem nada a ver com bruxaria, mas com um travar, ranger e quebrar os dentes. Mas isso é tema para outra conversa.

* Médica, jornalista e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”.

4 comentários:

  1. Ótimo e esclarecedor texto, Mara. Talvez tenha faltado uma menção à escovação da língua, tão pouco praticada e tão necessária quanto a dos dentes. Um grande abraço!

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  2. Excelente, Mara! Sempre digo que tive sorte por ter dentes fortes. Agradeço a meu pai por ter cuidado tão bem deles!
    Lembro bem de minha avó usando dentadura...
    Alguns tipos de tratamento são caríssimos, ter acesso a eles pode ser difícil. Parabéns!

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  3. Esclarecedor e com toques de humor.
    Parabéns, Mara!

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  4. Agradecida Marcelo pela lembrança da limpeza da lingua, fonte e criatório e bactérias.
    Sayonara, os mais jovens nem imaginam o que seja não ter todos os dentes.
    Marleuza, que bom que você tenha visto toques de humor. Confesso que não sei fazer isso.
    Obrigada amigos pela passagem e comentário.

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