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Quem foi que não
* Por Marcelo Sguassábia
Quem foi que não teve, certo dia, uma certa tia de nome Ruth, Dirce ou Ester que fazia compota de goiaba como ninguém, e que vendia o muito que não consumia a 16 o quilo pela vizinhança? E quem foi que não teve, olhando a compota, a impressão de serem orelhas de anão em calda de açúcar ou céus da boca vítreos?
Quem foi que não teve certo carro, de marca incerta com o passar dos anos, mas que levava todos a toda parte em tempo suficiente? E quem foi que não teve, dentro desse carro, o enjoo de criança no banco de trás, a caminho da montanha que no fim das contas não levava a nada que valesse a pena guardar na lembrança?
Quem foi que não teve certa veia torta, que palpitava de nervoso no pescoço ao ver passar o amor eterno que durou dois meses e depois mudou-se sabe Deus pra onde? E quem foi que não teve, desse amor não consumado, o desejo que tivesse sido – ainda que sem jeito e no meio do mato?
Quem foi que não teve certo desconforto de sentir-se ausente no meio da missa de sétimo dia do tio-avô do primo do amigo distante? E quem foi que não teve, no canto do ofertório, um olhar sacrílego e mal intencionado no decote enorme da filha da mãe daquela sirigaita?
Quem foi que não teve certa calculadora, daquelas pesadas, que mal calculava a obsolescência que se aproximava? E quem foi que não teve, na soma de tudo, zeros à esquerda dos zeros à esquerda dos zeros à esquerda bem depois da vírgula?
Quem foi que não teve certa camiseta, com emblema da escola, toda autografada com velhos amigos hoje desbotados? E quem foi que não teve, vestindo a camisa, uma vontade louca e irremediável de matar a aula, mesmo sendo a última de todas as aulas?
Quem foi que não teve certo resfriado que cobriu de mantas, de caldos e pílulas seu impulso insano de ganhar o mundo pela cachoeira fria e cristalina por onde desciam nove mil canoas? E quem foi que não teve, estando gripado, o colo materno que jamais supunha o que se passava pelos seus miolos na febre que ardia? Pergunto: sim, quem foi que não?
* Redator publicitário há mais de 20 anos, cronista de várias revistas eletrônicas, entre as quais a “Paradoxo”
* Por Marcelo Sguassábia
Quem foi que não teve, certo dia, uma certa tia de nome Ruth, Dirce ou Ester que fazia compota de goiaba como ninguém, e que vendia o muito que não consumia a 16 o quilo pela vizinhança? E quem foi que não teve, olhando a compota, a impressão de serem orelhas de anão em calda de açúcar ou céus da boca vítreos?
Quem foi que não teve certo carro, de marca incerta com o passar dos anos, mas que levava todos a toda parte em tempo suficiente? E quem foi que não teve, dentro desse carro, o enjoo de criança no banco de trás, a caminho da montanha que no fim das contas não levava a nada que valesse a pena guardar na lembrança?
Quem foi que não teve certa veia torta, que palpitava de nervoso no pescoço ao ver passar o amor eterno que durou dois meses e depois mudou-se sabe Deus pra onde? E quem foi que não teve, desse amor não consumado, o desejo que tivesse sido – ainda que sem jeito e no meio do mato?
Quem foi que não teve certo desconforto de sentir-se ausente no meio da missa de sétimo dia do tio-avô do primo do amigo distante? E quem foi que não teve, no canto do ofertório, um olhar sacrílego e mal intencionado no decote enorme da filha da mãe daquela sirigaita?
Quem foi que não teve certa calculadora, daquelas pesadas, que mal calculava a obsolescência que se aproximava? E quem foi que não teve, na soma de tudo, zeros à esquerda dos zeros à esquerda dos zeros à esquerda bem depois da vírgula?
Quem foi que não teve certa camiseta, com emblema da escola, toda autografada com velhos amigos hoje desbotados? E quem foi que não teve, vestindo a camisa, uma vontade louca e irremediável de matar a aula, mesmo sendo a última de todas as aulas?
Quem foi que não teve certo resfriado que cobriu de mantas, de caldos e pílulas seu impulso insano de ganhar o mundo pela cachoeira fria e cristalina por onde desciam nove mil canoas? E quem foi que não teve, estando gripado, o colo materno que jamais supunha o que se passava pelos seus miolos na febre que ardia? Pergunto: sim, quem foi que não?
* Redator publicitário há mais de 20 anos, cronista de várias revistas eletrônicas, entre as quais a “Paradoxo”
Seu texto mais parece uma poesia
ResponderExcluirque me fez olhar para trás.
Resgatei lembranças bonitas e algumas
dolorosas, mas sempre lembranças.
Belo texto Marcelo.
Abraços
Autobiografia que nos remete a infância/adolescência. Sim, Marcelo, tivemos esse carro, essas tias, esse doce, esse amor eterno que durou dois meses, essa febre no colo da mãe, essas coisas todas. No final, como sempre digo, as vidas são mais semelhantes do que diferentes.
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