sábado, 13 de março de 2010


O carro preto

* Por Paulo Valença


-Você está pensativo...

Ele se mantém dirigindo, com a atenção ao vidro à frente e responde:
- É tou meio “encucado” com aquele cara do carro preto...

Ela entende-o. Sim, o sujeito no carro estava como se aguardasse alguém. Mas, não lhes seria apenas impressão?

A voz dele retorna lenta, detalhando-se:
- Tou “calejado” pela vida, sei perceber as coisas...

Emudecem. O automóvel avança mais veloz, aproveitando o resumido movimento de um ou outro veículo na avenida.

A madrugada vai alta. Os edifícios laterais se mostram assim nas horas mortas, mais imponentes, modernos, bonitos. Por que o fascínio pelo bairro burguês, que bem sabe, esconde tantas angústias? Contudo, o que vale é a aparência. A hipocrisia de tudo esconder através do visual.
..
A mão de longos dedos pousa no seu ombro. Solidária. Compreensiva.

Ele sorri grato à jovem morena, recente amante. Como é bom se ter dinheiro, condição para se obter o que se deseja! Mas, pelo retrovisor enxerga o carro preto seguindo-o a pouca distância. Então...
- Pode ser que eu esteja enganado, mas aquele carro preto está nos acompanhando.

Voltando-se, ela também percebe o auto. Sim, o Vandro está certo.
- Quem danado será meu querido?

Em seu mundo a traição é uma constante. E agora que o “negócio” está crescendo, que a mercadoria “branca” ganha a praça, a concorrência tudo fará para tirá-lo do mercado! Então prático, ante os olhos perplexos da mulher, abre o cofre e retira a arma, para se defender.

O sinal aí fecha, e o carro preto então se avizinha muito rápido e o braço tatuado, brancoso, do sujeito grandalhão se ergue e pela janela do vidro descido da porta, a mão que segura a arma faz os disparos.

O casal é atingido em cheio e com a direção desgovernada o automóvel vai de encontro ao poste defronte.

O outro carro estaciona. O homenzarrão desce e se aproxima para se certificar se as vítimas ainda vivem. E novos disparos explodem na madrugada, que indiferente a tudo, continua a marcha dentro do tempo.
- O safado e a sua “gatinha” se apagaram! – diz o pistoleiro e retrocedendo ao veículo, acelera partindo, distanciando-se da missão que acaba de executar.

Sob o banco esconde a arma e retirando o celular do bolso da camisa, faz a ligação:
- Os pombinhos tão descansando. Tá apareço sim.

Devolve o aparelho ao bolso e frio, profissional, liga o som, para distrair o espírito. Assoviando a música do “forró”, sucesso do momento.

O carro preto distancia-se.

* Paulo Valença é autor paraibano, com livros de ficção premiados nacionalmente; Verbete do Dicionário Biobibliográfico de Escritores Contemporâneos; Verbete da Enciclopédia de Literatura Contemporânea; Membro de várias instituições literárias; Presente em diversos sites; Reside em Recife/PE.

6 comentários:

  1. Dos escritores que conheço, é Paulo Valença
    daqueles em quem a ficção tem representado aos leitores inteligentes e devotados. É possível até que alguns leitores achem misterioso, no caso, está muito no seu gosto de ficcionista criando personagens que na realidade existem (esses assassinatos).
    Parabéns, Paulo.
    Abraços do,
    José Calvino

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  2. Um texto tão próximo da realidade
    que se eu abrir o jornal, tenho certeza
    de que vou me deparar com um carro preto.
    Abraços

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  3. Como relatou um policial: "Estamos esperando algum crime acontecer. O bombeiro não fica esperando o fogo? Então, nós ficamos esperando acontecer homicídios."
    Bom final de semana.
    Beijos

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  4. Calvino,
    Você é um bom escritor, poeta, analista e fraternal colega.
    Obrigado!
    Paulo.

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  5. nubia,
    Valeu a pena escrever "o carro preto" e receber um comentário desse!
    Abraço. Paulo.

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  6. Dilma,
    Pois é, vivemos esprando acontecer homicídios, o que é lamentável, pois o homem moderno evoluiu (evoluiu?)... e continua a fera de sempre!
    Agradeço-lhe as palavras de incentivo.
    Abraços. Paulo.

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