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Na trave
*Por Ronaldo Bressane
Pelé Eterno é um estranho tratado sobre gênio e vulgaridade. De um lado, uns 300 maravilhosos gols do Crioulo. De outro, nós, espectadores, mediados pelo medíocre Massaini. Não vou chover no molhado da crítica dedurando a tenebrosa falta de ousadia e excesso de babação na gravata massainescos. Que conseguem partir de um tema fácil (a vida do rei do futebol) e realizar algo quase impossível (um filme irritante de ruim) – o que até explica como o “documentário”, que deveria arrastar multidões ao cinema, virou uma meleca de bilheteria [agora vende bem, em DVD, por R$. Mas é interessante refletir como a história da vida de um dos maiores vencedores de todos os tempos pode redundar num fracasso.
Na tela, com seus gols implacáveis, Pelé (não o Edson) prova e humilha nossa incompetência e falibilidade, a creca nossa de todo dia. O craque obsessivo-compulsivo conseguia sempre o impossível: driblar um time inteiro, estender cinco lençóis consecutivos, tabelar com o adversário, fazer embaixadas com o ombro antes de fuzilar o goleiro, chutar com os dois pés (um de cada vez). Nós, nem ao menos dominar uma bola – ou uma moviola, no caso do diretor. O cabeça-de-bagre Aníbal Massaini Neto (tabelando com o cansado Armando Nogueira e o pouco inspirado Torero) é tão audaz quanto aquele jogador que certa vez entrou no Fasano e pediu uma coxinha. Preguiçoso, ele parece não notar curiosos paralelismos na vida do 10 do Santos – por exemplo, o orgulho do primeiro goleiro a tomar um gol de Pelé, que mandou fazer um cartão de visitas divulgando o feito, e o ódio de Andrade, do Vasco da Gama, que engoliu o milésimo, esmurrando a grama furioso após o ponta-de-lança, bambo de medo, converter um pênalti, no Maracanã – como esse paradoxo ficaria interessante pelos olhos de um, desculpe outro paradoxo, documentarista de verdade...
O estranho é que do roteiro tipo telecurso primeiro grau vem uma iluminação: o filme nos reafirma demasiadamente medianos nos defeitos (o maior, um vassalo imaginar ser um cineasta), em oposição a um mito que vive (e guarda, quando interpreta sua história, na pele de Edson, a mesma aurea mediocritas). Espelha-se, então, em seu inverso, no gol que poderia ter sido mas não foi, contra o Uruguai - quando o Negão dá um drible da vaca em Marzukiewicz, dispara cruzado da direita para a esquerda mas, sacana, a bola passa a pentelhésimos do gol. Como se sublinhasse que a maior glória do gênio é errar. ”Ever tried./ Ever failed./ No matter./ Try again./ Fail again./ Fail better.”, aprende-se, beckettianamente.
* Escritor, jornalista e editor. Edita a revista V (www.vw.com.br/revistav) e colabora com várias publicações, como Trip, Vogue e TPM. É um dos co-editores da coleção Risco:Ruído, da editora DBA, e do blog coletivo FakerFakir (www.fakerfakir.biz).
*Por Ronaldo Bressane
Pelé Eterno é um estranho tratado sobre gênio e vulgaridade. De um lado, uns 300 maravilhosos gols do Crioulo. De outro, nós, espectadores, mediados pelo medíocre Massaini. Não vou chover no molhado da crítica dedurando a tenebrosa falta de ousadia e excesso de babação na gravata massainescos. Que conseguem partir de um tema fácil (a vida do rei do futebol) e realizar algo quase impossível (um filme irritante de ruim) – o que até explica como o “documentário”, que deveria arrastar multidões ao cinema, virou uma meleca de bilheteria [agora vende bem, em DVD, por R$. Mas é interessante refletir como a história da vida de um dos maiores vencedores de todos os tempos pode redundar num fracasso.
Na tela, com seus gols implacáveis, Pelé (não o Edson) prova e humilha nossa incompetência e falibilidade, a creca nossa de todo dia. O craque obsessivo-compulsivo conseguia sempre o impossível: driblar um time inteiro, estender cinco lençóis consecutivos, tabelar com o adversário, fazer embaixadas com o ombro antes de fuzilar o goleiro, chutar com os dois pés (um de cada vez). Nós, nem ao menos dominar uma bola – ou uma moviola, no caso do diretor. O cabeça-de-bagre Aníbal Massaini Neto (tabelando com o cansado Armando Nogueira e o pouco inspirado Torero) é tão audaz quanto aquele jogador que certa vez entrou no Fasano e pediu uma coxinha. Preguiçoso, ele parece não notar curiosos paralelismos na vida do 10 do Santos – por exemplo, o orgulho do primeiro goleiro a tomar um gol de Pelé, que mandou fazer um cartão de visitas divulgando o feito, e o ódio de Andrade, do Vasco da Gama, que engoliu o milésimo, esmurrando a grama furioso após o ponta-de-lança, bambo de medo, converter um pênalti, no Maracanã – como esse paradoxo ficaria interessante pelos olhos de um, desculpe outro paradoxo, documentarista de verdade...
O estranho é que do roteiro tipo telecurso primeiro grau vem uma iluminação: o filme nos reafirma demasiadamente medianos nos defeitos (o maior, um vassalo imaginar ser um cineasta), em oposição a um mito que vive (e guarda, quando interpreta sua história, na pele de Edson, a mesma aurea mediocritas). Espelha-se, então, em seu inverso, no gol que poderia ter sido mas não foi, contra o Uruguai - quando o Negão dá um drible da vaca em Marzukiewicz, dispara cruzado da direita para a esquerda mas, sacana, a bola passa a pentelhésimos do gol. Como se sublinhasse que a maior glória do gênio é errar. ”Ever tried./ Ever failed./ No matter./ Try again./ Fail again./ Fail better.”, aprende-se, beckettianamente.
* Escritor, jornalista e editor. Edita a revista V (www.vw.com.br/revistav) e colabora com várias publicações, como Trip, Vogue e TPM. É um dos co-editores da coleção Risco:Ruído, da editora DBA, e do blog coletivo FakerFakir (www.fakerfakir.biz).
Deu até vontade de assistir a essa ruindade.
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