A pressa é inimiga da vida
* Por
Mara Narciso
Tornou-se chique fazer
várias coisas ao mesmo tempo, mas é indispensável reforçar a conduta alardeando
que não se tem tempo para nada. Correr esbaforido virou modus operandi. Quem
tem tempo é gente sem importância, desocupada. Para seguir a tendência é
preciso mostrar-se agitadíssimo, atrasado, correndo sem poder nem piscar. Para
agenda cheia, um conselho banal, por ser senso comum: fazer cada coisa na sua
hora, não pensando nas seguintes, seguindo o horário, sem aflição. Esse
procedimento reduz a adrenalina e a palpitação.
Ainda bem que o
Facebook destruiu o Messenger e os e-mails, pois são dois itens a menos na
agenda. Coisa antiga checar e-mails, e mais ainda, ficar dez horas seguidas ou
mais falando/digitando ao MSN ou Skype. Não sobrava tempo nem para comer, tomar
banho e dormir. Por outro lado, o Facebook escravizou uma parte dos
internautas, que dizem estar enjoados, por ser uma rede social com ações
repetitivas, gente se expondo para aparecer, virou outro Orkut, ninguém é
original, que está politizado e agressivo. Porém, ainda que contrariado, o
usuário não sai de cena. É o tempo todo on line.
Lembrando antigamente,
na década de 1960, quando quase nada era mecanizado (hoje digitalizado), as
pessoas faziam tudo “no braço” e tinham tempo para conversar na porta de casa,
quando o sol esfriava. O rol de obrigações parecia menor.
O dia está a cada vez
mais curto, porque depois do grande tsunami depois do Natal de 2004, houve uma
alteração na inclinação do planeta, e isso pode ter mudado sua rotação. A Terra
gira em torno do seu próprio eixo a 1675 km/h, o que é uma velocidade
considerável. Isso não é tudo, pois a quantas andam as prioridades e as
mudanças de hábito? Não desgarrar do celular é a coisa mais importante do
mundo? E do computador? Quando Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, chamou a
televisão de máquina de fazer doido, nem de longe poderia imaginar quantas
máquinas enlouquecedoras surgiriam.
Muitos se agarraram à
pressa, fazendo dela sua razão de viver. Contraditório? Aos que fizeram da
falta de tempo seu orgulho, quase seu deus, sabem também que o stress que isso
acarreta faz mal. De que adianta querer ser rápido, quando se tem um trânsito
para enfrentar? É obrigatório sair mais cedo. Montes Claros, uma cidade de
porte médio, na qual há cinco anos era possível ir de um bairro mais próximo ao
centro em cinco minutos, hoje, o tempo necessário triplicou. Outra coisa que
destroi qualquer pressa é uma colisão no trânsito. Adeus agenda! E que não seja
com uma moto.
A solução encontrada
por algumas pessoas para driblar o excesso de tarefas é dirigir falando ao
celular, largar da televisão, em frente da qual passaram longos anos e ir para
o computador. Cada um da casa diante de uma tela. Conversar, só via texto. E
para ganhar tempo, há quem esteja no médico, e durante a própria consulta,
fique digitando mensagens. Isso sim é aproveitar o tempo com qualidade.
Comer devagar,
mastigando e saboreando. Quem faz assim? Sugestões para fazer o tempo render:
só se deitar quando estiver caindo sobre o teclado, acordar duas horas mais
cedo (com sono para mais duas horas), tomar banho bem rápido (no inverno não
tomar - há pessoas que ficam sem lavar a cabeça mais de 15 dias, observem), e
só ir ao vaso sanitário no momento crucial. Cuidado para o celular não cair
dentro dele.
Difícil é entender o
endeusamento atual da correria. Contrasenso é beber três ou quatro litros de
água por dia. Essa panacéia não deixa a pessoa sair do banheiro, então
despeça-se da tranquilidade. Claro que é bom ter tempo, ou fazer esse tempo,
para dar atenção ao outro, abraçá-lo, ouvi-lo, compreendê-lo, aceitá-lo com
suas falhas e erros, perdoá-lo. Tão útil escutar as crianças, dar-lhes o devido
valor, assim como não achar bobagem o que diz e sente o idoso.
É agradável abrir a
janela e sentir o ar fresco da manhã, ouvir o canto dos passarinhos, ver a lua,
caminhar, olhar a paisagem, ouvir música, assistir um filme, ler um livro. É
tão melhor degustar, sorver, cheirar, apreciar, utilizando-se de verbos suaves.
Assim como amar, olhar nos olhos, beijar com calma. Fazer tudo devagar, sem
consultar o relógio, isso sim, é luxo só.
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”
Excelente texto, Mara. O tempo que gastei ao lê-lo foi tempo ganho. Tenho algo também nessa linha no meu blog, um texto chamado "Manifesto pela volta do tempo". Se tiver um tempinho, passa lá pra conferir! Abraços
ResponderExcluirSim, eu conheço esse seu texto, aliás, muito bom.
Excluir