quarta-feira, 2 de julho de 2014

A pressa é inimiga da vida


* Por Mara Narciso

Tornou-se chique fazer várias coisas ao mesmo tempo, mas é indispensável reforçar a conduta alardeando que não se tem tempo para nada. Correr esbaforido virou modus operandi. Quem tem tempo é gente sem importância, desocupada. Para seguir a tendência é preciso mostrar-se agitadíssimo, atrasado, correndo sem poder nem piscar. Para agenda cheia, um conselho banal, por ser senso comum: fazer cada coisa na sua hora, não pensando nas seguintes, seguindo o horário, sem aflição. Esse procedimento reduz a adrenalina e a palpitação.

Ainda bem que o Facebook destruiu o Messenger e os e-mails, pois são dois itens a menos na agenda. Coisa antiga checar e-mails, e mais ainda, ficar dez horas seguidas ou mais falando/digitando ao MSN ou Skype. Não sobrava tempo nem para comer, tomar banho e dormir. Por outro lado, o Facebook escravizou uma parte dos internautas, que dizem estar enjoados, por ser uma rede social com ações repetitivas, gente se expondo para aparecer, virou outro Orkut, ninguém é original, que está politizado e agressivo. Porém, ainda que contrariado, o usuário não sai de cena. É o tempo todo on line.

Lembrando antigamente, na década de 1960, quando quase nada era mecanizado (hoje digitalizado), as pessoas faziam tudo “no braço” e tinham tempo para conversar na porta de casa, quando o sol esfriava. O rol de obrigações parecia menor.

O dia está a cada vez mais curto, porque depois do grande tsunami depois do Natal de 2004, houve uma alteração na inclinação do planeta, e isso pode ter mudado sua rotação. A Terra gira em torno do seu próprio eixo a 1675 km/h, o que é uma velocidade considerável. Isso não é tudo, pois a quantas andam as prioridades e as mudanças de hábito? Não desgarrar do celular é a coisa mais importante do mundo? E do computador? Quando Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, chamou a televisão de máquina de fazer doido, nem de longe poderia imaginar quantas máquinas enlouquecedoras surgiriam.

Muitos se agarraram à pressa, fazendo dela sua razão de viver. Contraditório? Aos que fizeram da falta de tempo seu orgulho, quase seu deus, sabem também que o stress que isso acarreta faz mal. De que adianta querer ser rápido, quando se tem um trânsito para enfrentar? É obrigatório sair mais cedo. Montes Claros, uma cidade de porte médio, na qual há cinco anos era possível ir de um bairro mais próximo ao centro em cinco minutos, hoje, o tempo necessário triplicou. Outra coisa que destroi qualquer pressa é uma colisão no trânsito. Adeus agenda! E que não seja com uma moto.

A solução encontrada por algumas pessoas para driblar o excesso de tarefas é dirigir falando ao celular, largar da televisão, em frente da qual passaram longos anos e ir para o computador. Cada um da casa diante de uma tela. Conversar, só via texto. E para ganhar tempo, há quem esteja no médico, e durante a própria consulta, fique digitando mensagens. Isso sim é aproveitar o tempo com qualidade.

Comer devagar, mastigando e saboreando. Quem faz assim? Sugestões para fazer o tempo render: só se deitar quando estiver caindo sobre o teclado, acordar duas horas mais cedo (com sono para mais duas horas), tomar banho bem rápido (no inverno não tomar - há pessoas que ficam sem lavar a cabeça mais de 15 dias, observem), e só ir ao vaso sanitário no momento crucial. Cuidado para o celular não cair dentro dele.

Difícil é entender o endeusamento atual da correria. Contrasenso é beber três ou quatro litros de água por dia. Essa panacéia não deixa a pessoa sair do banheiro, então despeça-se da tranquilidade. Claro que é bom ter tempo, ou fazer esse tempo, para dar atenção ao outro, abraçá-lo, ouvi-lo, compreendê-lo, aceitá-lo com suas falhas e erros, perdoá-lo. Tão útil escutar as crianças, dar-lhes o devido valor, assim como não achar bobagem o que diz e sente o idoso.

É agradável abrir a janela e sentir o ar fresco da manhã, ouvir o canto dos passarinhos, ver a lua, caminhar, olhar a paisagem, ouvir música, assistir um filme, ler um livro. É tão melhor degustar, sorver, cheirar, apreciar, utilizando-se de verbos suaves. Assim como amar, olhar nos olhos, beijar com calma. Fazer tudo devagar, sem consultar o relógio, isso sim, é luxo só.


*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   



2 comentários:

  1. Excelente texto, Mara. O tempo que gastei ao lê-lo foi tempo ganho. Tenho algo também nessa linha no meu blog, um texto chamado "Manifesto pela volta do tempo". Se tiver um tempinho, passa lá pra conferir! Abraços

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