quarta-feira, 5 de março de 2014

“Não dá mais pra segurar, explode coração!”
Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior

* Por Mara Narciso

Não é necessária uma data especial para falar de quem se gosta. Qualquer hora é hora. Quando descobri os horrores das torturas e mortes impostas aos brasileiros que pensavam diferente da Ditadura Militar através dos músicos corajosos e até inconseqüentes, passei a admirar gente como Gonzaguinha. Numa ocasião, 54 de 72 de suas músicas apresentadas foram censuradas pelo DOPS, aparelho de repressão da época. Hoje ele é mais lembrado pelos alegres versos do seu “O que é, o que é” que dizem assim: “viver e não ter a vergonha de ser feliz/ cantar e cantar/ a beleza de ser um eterno aprendiz/ eu sei/ que a vida devia ser bem melhor e será/ e isso não impede que eu repita/ é bonita/ é bonita e é bonita/”. Essa música, elevada à categoria de hino à felicidade, é o lado festivo do filho de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião.

Formado em Economia, foi com músicas políticas engajadas e de protesto que ele ganhou o Brasil. No começo, era conhecido como poeta rancor. No seu “Comportamento Geral”, fala do operário padrão numa letra de revolta: “Você deve estampar sempre um ar de alegria e dizer: tudo tem melhorado”, e depois “você deve aprender a abaixar a cabeça/ e dizer sempre muito obrigado/ São palavras que ainda te deixam dizer/ por ser homem bem disciplinado/”. Com isso incute naqueles de classe baixa que a riqueza do patrão vem da exploração dos mais fracos. É forte. Fala da mais valia de forma incisiva.

Nos quatro anos que vivi em Belo Horizonte, saí de casa para ver show no Palácio das Artes apenas uma vez. Fui ver e ouvir Gonzaguinha em 1982. Sua imagem frágil tinha carisma, exercia atração sobre o público feminino, com seu rosto fino e barbado, corpo comprido e magro, dentro duma roupa branca e justa hipnotizava. Uma presença, um brilho, uma ginga flamejante que não permitia distração. Cantou a sua envolvente “Explode Coração” na qual exalta o amor num estado crescente de sedução que vai aumentando aos poucos, deixando o ouvinte sem ar, quase o matando de aflição, até vir o alívio final. Leia: “Chega de tentar dissimular e disfarçar e esconder/ o que não dá para ocultar/ e eu não posso mais calar/ Já que o brilho desse olhar foi traidor/” e ao final “Nascendo, rompendo, rasgando, tomando, meu corpo e então/ Eu chorando, sofrendo, gostando, adorando/ Feito louca alucinada e criança/ Sentindo o meu amor se derramando/ Não dá mais pra segurar/ Explode coração//”.  Tempos antes a revista Veja dedicou-lhe uma capa na qual se lia “Explode Gonzaguinha”, e não era pouco. O homem estava lá em cima, numa redenção de quem já havia sido considerado desagradável pela imprensa.

Num dos seus álbuns duplos li uma de suas frases “O Brasil tem muitos sabiás para pouca palmeira”, parafraseando os versos “Minha Terra tem palmeiras onde canta o sabiá/ as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá/” do poema de Antônio Gonçalves Dias, “Canção do Exílio”. Era uma forma de Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior protestar contra as más condições de trabalho da classe artística de então.

Tanto a fazer e a criar, com sua fragilidade física, saúde precária e uma história de tuberculose pulmonar, acabou encontrando a morte em 29 de abril de 1991. Foi num acidente de carro, após um show na cidade de Pato Branco, no Paraná. Morava há 12 anos em Belo Horizonte, tinha 45 anos, e estava dirigindo o próprio carro, um Monza cor vinho. O tempo passou rápido demais para esse homem talentoso, cujo fim veio cedo.

Juntei seus discos e me presenteio a sensibilidade com a música daquele que mudou o nome do pai adotivo, já um mito reverenciado em todo o país, fazendo Luiz Gonzaga virar Gonzagão. Fez sucesso na voz de musas consagradas da Música Popular Brasileira e mais poderia fazer caso não tivesse partido de repente, sem despedida, deixando seus fãs atônitos e o trabalho pela metade. Bom ouvir sua obra e em boa parte delas chorar, seja quando fala de amor, seja quando fala de coragem. O tempero de Gonzaguinha continua embalando os sonhos de quem ama e de quem luta por liberdade, temas que não saem de moda.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   


2 comentários:

  1. Bela e merecida homenagem ao inesquecível e talentosíssimo Gonzaguinha! Mara, acesse o link abaixo e ouça em volume máximo essa gravação de Maria Rita com a velha guarda da Mangueira. Cada vez que escuto este samba, me arrepio inteiro - tamanha a beleza da música. É uma obra relativamente desconhecida do Gonzaguinha, chamada "O homem falou". Eu colocaria este samba como um dos 10 melhores de todos os tempos. Acesse, porque vale muito a pena: http://www.youtube.com/watch?v=XFHV3ojV5dQ Abraços!

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  2. Ótimo samba, coisa que adoro. Já tinha ouvido, mas não me lembrava. Obrigada pela dica e comentário, Marcelo!

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