“Não dá mais pra segurar, explode
coração!”
Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior
* Por Mara Narciso
Não é necessária uma data especial para
falar de quem se gosta. Qualquer hora é hora. Quando descobri os horrores das
torturas e mortes impostas aos brasileiros que pensavam diferente da Ditadura
Militar através dos músicos corajosos e até inconseqüentes, passei a admirar
gente como Gonzaguinha. Numa ocasião, 54 de 72 de suas músicas apresentadas
foram censuradas pelo DOPS, aparelho de repressão da época. Hoje ele é mais
lembrado pelos alegres versos do seu “O que é, o que é” que dizem assim: “viver
e não ter a vergonha de ser feliz/ cantar e cantar/ a beleza de ser um eterno
aprendiz/ eu sei/ que a vida devia ser bem melhor e será/ e isso não impede que
eu repita/ é bonita/ é bonita e é bonita/”. Essa música, elevada à categoria de
hino à felicidade, é o lado festivo do filho de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião.
Formado em Economia, foi com músicas
políticas engajadas e de protesto que ele ganhou o Brasil. No começo, era
conhecido como poeta rancor. No seu “Comportamento Geral”, fala do operário
padrão numa letra de revolta: “Você deve estampar sempre um ar de alegria e
dizer: tudo tem melhorado”, e depois “você deve aprender a abaixar a cabeça/ e
dizer sempre muito obrigado/ São palavras que ainda te deixam dizer/ por ser
homem bem disciplinado/”. Com isso incute naqueles de classe baixa que a
riqueza do patrão vem da exploração dos mais fracos. É forte. Fala da mais
valia de forma incisiva.
Nos quatro anos que vivi em Belo
Horizonte, saí de casa para ver show no Palácio das Artes apenas uma vez. Fui ver
e ouvir Gonzaguinha em 1982. Sua imagem frágil tinha carisma, exercia atração
sobre o público feminino, com seu rosto fino e barbado, corpo comprido e magro,
dentro duma roupa branca e justa hipnotizava. Uma presença, um brilho, uma
ginga flamejante que não permitia distração. Cantou a sua envolvente “Explode
Coração” na qual exalta o amor num estado crescente de sedução que vai
aumentando aos poucos, deixando o ouvinte sem ar, quase o matando de aflição,
até vir o alívio final. Leia: “Chega de tentar dissimular e disfarçar e
esconder/ o que não dá para ocultar/ e eu não posso mais calar/ Já que o brilho
desse olhar foi traidor/” e ao final “Nascendo, rompendo, rasgando, tomando,
meu corpo e então/ Eu chorando, sofrendo, gostando, adorando/ Feito louca alucinada
e criança/ Sentindo o meu amor se derramando/ Não dá mais pra segurar/ Explode
coração//”. Tempos antes a revista Veja dedicou-lhe uma capa na qual
se lia “Explode Gonzaguinha”, e não era pouco. O homem estava lá em cima, numa
redenção de quem já havia sido considerado desagradável pela imprensa.
Num dos seus álbuns duplos li uma de
suas frases “O Brasil tem muitos sabiás para pouca palmeira”, parafraseando os
versos “Minha Terra tem palmeiras onde canta o sabiá/ as aves que aqui gorjeiam
não gorjeiam como lá/” do poema de Antônio Gonçalves Dias,
“Canção do Exílio”. Era uma forma de Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior
protestar contra as más condições de trabalho da classe artística de então.
Tanto a fazer e a criar, com sua
fragilidade física, saúde precária e uma história de tuberculose pulmonar,
acabou encontrando a morte em 29 de abril de 1991. Foi num acidente de carro,
após um show na cidade de Pato Branco, no Paraná. Morava há 12 anos em
Belo Horizonte, tinha 45 anos, e estava dirigindo o próprio carro, um Monza cor
vinho. O tempo passou rápido demais para esse homem talentoso, cujo fim veio
cedo.
Juntei seus discos e me presenteio a
sensibilidade com a música daquele que mudou o nome do pai adotivo, já um mito
reverenciado em todo o país, fazendo Luiz Gonzaga virar Gonzagão. Fez sucesso
na voz de musas consagradas da Música Popular Brasileira e mais poderia fazer
caso não tivesse partido de repente, sem despedida, deixando seus fãs atônitos
e o trabalho pela metade. Bom ouvir sua obra e em boa parte delas chorar, seja
quando fala de amor, seja quando fala de coragem. O tempero de Gonzaguinha
continua embalando os sonhos de quem ama e de quem luta por liberdade, temas
que não saem de moda.
*Médica
endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de
Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora
do livro “Segurando a Hiperatividade”
Bela e merecida homenagem ao inesquecível e talentosíssimo Gonzaguinha! Mara, acesse o link abaixo e ouça em volume máximo essa gravação de Maria Rita com a velha guarda da Mangueira. Cada vez que escuto este samba, me arrepio inteiro - tamanha a beleza da música. É uma obra relativamente desconhecida do Gonzaguinha, chamada "O homem falou". Eu colocaria este samba como um dos 10 melhores de todos os tempos. Acesse, porque vale muito a pena: http://www.youtube.com/watch?v=XFHV3ojV5dQ Abraços!
ResponderExcluirÓtimo samba, coisa que adoro. Já tinha ouvido, mas não me lembrava. Obrigada pela dica e comentário, Marcelo!
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