Manchete popular
* Por Vitor Orlando
Gagliardo
Cinco horas da manhã. João
Roberto levanta, toma banho, se arruma rapidamente e sai de casa.
A rua ainda está escura. Ele se
aproxima da banca do Amaral. Compra um matutino popular em busca de emprego. Em
um instante, lembra da esposa e dos dois filhos que estão em casa dormindo.
João Roberto entra na padaria e
pede um café a Peixoto. Ao analisar a capa do jornal, repara que não há nenhuma
chamada para empregos ou simplesmente uma boa notícia. Nem o Flamengo tinha
vencido o jogo. Ele fica surpreso ao ler: "Milionário da Megasena é
assassinado. Viúva é a principal suspeita." Comenta alguma bobagem com
Peixoto e vai à luta em busca do trabalho.
Ele deixa o currículo em dois
lugares e volta para casa para ajudar Letícia a fazer pulseiras. Larissa e
Rodrigo estão na escola.
No dia seguinte, João repete toda
sua rotina. Ao chegar na banca do Amaral compra um jornal concorrente ao do dia
anterior. Para a sua surpresa, o diário além de dar ênfase ao assassinato do
milionário, vinha com outra bomba. "Eleição na Câmara Federal". Ele
faz um comentário raivoso com Peixoto sobre o alto salário dos deputados
enquanto ele está mal financeiramente.
Nos últimos dois anos, a vida de
João Roberto mantinha-se a mesma. Com pouco estudo, não conseguia muitas
oportunidades. Vivia de bicos e das pulseiras que Letícia fazia.
Todos os dias comprava um jornal.
Acompanhou com indignação o escândalo do mensalão, a reeleição do Lula e chorou
com a derrota da seleção brasileira para a França na Copa do Mundo. Sua única
alegria foi com o campeonato da Copa do Brasil conquistado pelo Flamengo em
cima do Vasco.
Nesses últimos dias, tem
acompanhado o aquecimento global – assunto que não entende muito bem – e ficou
chocado com a morte trágica do menino João Hélio, de seis anos, que foi
arrastado por sete quilômetros ao ficar preso no cinto de segurança após um seqüestro
relâmpago.
Tudo que João Roberto quer é
arrumar um emprego para oferecer um estudo para seus filhos e ter tranqüilidade
financeira em sua casa.
Ah! Arrumando o tão desejado
trabalho, ele já decidiu: não vai mais comprar nenhum jornal diariamente. Ele
não agüenta mais tanta tragédia...
Inutilia truncat (1)
(1)
Provérbio latim. Significa: Acabe com as inutilidades.
* Jornalista
Nenhum comentário:
Postar um comentário