Revivendo 1
* Por
Urdas Alice Klueger
(Para Eduardo
Venera dos Santos Filho)
Subi hoje no morro da Caixa D’Água, tanto tempo depois. O morro é o
mesmo, a rua é a mesma, mas nenhuma das árvores resistiu e me esperou. Quarenta
anos é muito tempo. Na verdade, penso no disco de Roberto Carlos que saiu
naquele verão e faço as contas: já são 42 anos, e os eucaliptos de lá de cima,
então, já eram adultos e me pareciam tão lindos!
Eucalipto é árvore à toa, de outro ambiente, e dura pouco no nosso
continente – deveria ter pensado que não existiriam mais. E não há o menor
vislumbre de eucalipto lá em cima, agora – outras árvores nasceram e cresceram
e são adultas, e dão sombra como então.
A emoção me travava a garganta e pensei que, decerto, era naquela curva
ali que se estacionava o carro. Estacionei mais adiante e fui voltando a pé,
espionando o passado, me conscientizando da ausência dos eucaliptos, e olhei
para baixo. Lá, onde outrora houvera um pequeno bairro de uma cidade que tinha
80.000 habitantes, há agora uma barreira eriçada e compacta de edifícios
modernos, tão compacta e tão alta que mal e mal se consegue ver, lá distantes,
as pontas dos morros azuis que significam o horizonte. É como se aquela
barreira impedisse o passado de se ligar com o presente, como se o passado
estivesse preso ali no morro como foi um dia, mesmo que as grandes árvores já
não se lembrem. O presente está lá embaixo, naquela barreira eriçada, mas ali,
naquele lugar de sol e sombra, no morro, ainda estão pairando as músicas do LP
do Roberto que foi lançado no final de 1971, embora já tivesse sido em 1972 que
por ali elas tivessem sido soltas, e as lágrimas me vieram com muita
intensidade e grande doçura, incontroláveis, e não tive nenhum pejo de chorar
tanto quanto o coração me pedia, mesmo que passassem algumas pessoas e alguns
carros. Quem olhou, deve ter se intrigado com aquela mulher chorando sem nenhum
controle e com toda aquela doçura, pois era tão doce aquele momento de
reencontro com distante passado, e estava ele tão cheio de surpresas e intensidades!
Primeiro duvidei se você viera – afinal, não havia nenhum encontro
marcado previamente e eu só pensara em subir ali meia hora antes, apenas para
ver como seria agora, depois de tanto tempo. Mas ali, sob as novas velhas
árvores, podia sentir que você viera e estava, não como uma imaginação ou um
fantasma – entre os pedaços de sombra e de sol deste tempo de um dezembro que
ainda não se encontrou verão, a sua essência estava com uma tal intensidade que
era impossível não sentir, e eu podia estender a mão por sobre as décadas e
tocar a sua, e o seu sorriso nem parecia imaterial e era tão lindo, tão “pleno
e firme como um botão de rosa[1]”, que
fiquei tomada de tal encanto que só poderia se traduzir na doçura das lágrimas.
Como pude ficar tanto tempo sem ter voltado àquele lugar onde até as
músicas do Roberto ainda estão vivas?
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR
A doçura de uma saudade boa. Quem tem medo de ter uma saudade assim?
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