segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Desenho a giz na chuva


* Por Daniel Santos


Quando as paineiras do Alto da Boa Vista começavam a soltar seus flocos ao vento do final de minha infância, corria a alcançá-los para, depois, encher travesseiros nos quais minha avó recostava sua desistência.

Ela finava-se na cadeira de balanço do alpendre, onde a pátina do tempo esmaecia a tintura de seus traços, e havia momentos em que, a certa distância, parecia mesmo que se apagava como um desenho a giz na chuva.

Porque, além do mais, uma dessas doenças que nunca citamos para não atrair o mal, consumia suas carnes de dentro para fora. Assim, a cada dia, ela mais se encovava, sepultura de si mesma, num resumo sem fim.

E seus cabelos caíam sobre os ombros ... como os tais flocos de paina! Com as mechas, enchi um travesseiro só meu. E foi nele, ainda aos oito anos, que consolei a agonia de não ter minha avó nunca, nunca mais.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.




Um comentário:

  1. Que lindo esse amor pela avó, que é do tamanho do que eu tenho em mim. Gostaria de ter escrito tal declaração. Maravilhoso sentimento de palavras sãs para uma avó adoecida.

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