
Prêmio Cervantes 2010
Caros leitores, boa tarde.
O mexicano José Emílio Pacheco é tido e havido como o legítimo sucessor do seu compatriota Octávio Paz. É verdade que (ainda) não ganhou o Prêmio Nobel de Literatura, como ocorreu com seu conterrâneo. Mas é mera questão de tempo. Afinal, acaba de receber uma das mais cobiçadas premiações das letras íberoamericanas, o Prêmio Cervantes 2010, pelo conjunto de sua obra, sobretudo a poética.
Nascido na Cidade do México em 1939, desde muito jovem destacou-se no cenário literário do seu país. Curiosamente, porém, esse destaque não se deu em decorrência de uma linguagem inovadora, como a maioria dos poetas modernistas, da vanguarda e do que se convencionou rotular de pós-vanguarda, mas exatamente pelo contrário. Ou seja, ganhou projeção e notoriedade pelo seu rigoroso domínio das formas clássicas de poetar. Isso, porém, sem que perdesse modernidade, sobretudo pelo enfoque bastante amplo, universal, de sua temática.
Pouco conhecido (ainda) no Brasil, José Emílio logo se tornará celebridade também por aqui, principalmente agora, depois que conquistou o Prêmio Cervantes, a maior premiação de língua espanhola da atualidade. Ela premia, alternadamente, em um ano, escritores da Espanha e em outro, dos demais países da América Latina.
Embora se destaque como poeta, é, a exemplo de seu ilustre compatriota, Octávio Paz, igualmente exímio ensaísta, além de romancista e excelente tradutor. Aliás, por causa dessa habilidade, trabalhou como diretor, e editor de inúmeras coleções bibliográficas estrangeiras e suplementos culturais. José Emílio levou seu talento e experiência para a universidade, como professor universitário (de Literatura, obviamente) e atuou, ainda, como pesquisador a serviço de entidades ligadas ao governo do México.
Como se vê, esse escritor maduro e realizado conta, aos 70 anos (vai completar 71 em 30 de junho), com currículo invejável que inclui diversos prêmios de muito prestígio, como o “Nacional de Poesia”, o “Nacional de Jornalismo Literário” (é jornalista também), o “Xavier Villaurrutia”, o “Magda Donato”, o “José Asunción Silva”, o “Oct´[avio Paz” (em 2009), o “Federico Garcia Lorca” (2005), o “Iberoamericano de Poesia Pablo Neruda” (2004), o “Rainha Sofia de Poesia Iberoamericana” (2009) e, logicamente, o Cervantes.
Escritor prolífico, José Emílio Pacheco conta com extensa bibliografia poética, em que se destacam os livros: “Los elementos de la noche” (1963), “El reposo del fuego” (1966), “No me preguntes como pasa el tiempo” (1969), “Irás e no volverás” (1973), “Islas a la deriva” (1976), “Desde entonces” (1983) e “El silencio de l aluna”, com poemas que abrangem o período de 1985 a 1996.
Polêmico, não apenas em seus textos, mas em seus pronunciamentos públicos, José Emílio agradeceu o prêmio, ao recebê-lo, em 23 de abril passado, das mãos do Rei Juan Carlos, da Espanha, com um alerta sobre os perigos – naturais e advindos da ação do homem – que ameaçam o mundo. “A nuvem de cinza que cobre a Europa, deixou-me sem saber se poderia estar aqui hoje, mas isso não é nada comparado com a violência que se vive no México”, disse, referindo-se aos contratempos causados principalmente à aviação civil pela erupção do vulcão na Islândia.
“O horror vai ocupando até os oásis. Pensem em Cuernavaca, um lugar onde se ia para descansar. Dizia-se sempre que era o lugar da eterna primavera. Tornou-se tão terrível como Ciudad Juarez”, acrescentou.
Falar de um poeta, sem ao menos reproduzir um dos seus poemas que seja, é não dizer nada que realmente importe a seu respeito. Para não cometer esse equívoco, selecionei quatro de suas produções poéticas, que fiz questão de traduzir. O primeiro poema intitula-se “A quem possa interessar” e diz: “Que outros façam ainda/o grande poema/os livros unitários/as massudas/obras que sejam espelho/de harmonia.//A mim só me importa/o testemunho/do momento que passa/as palavras/que dita em seu fluir/o tempo em vôo.//A poesia que busco/é como um diário/onde não há projeto nem medida”.
O segundo poema que trago à sua apreciação é este “Aceleração da história”: “Escrevo umas palavras/e ao mesmo tempo/já dizem outra coisa/significam/uma intenção diferente/são já dóceis/ao Carbono 14/Criptogramas/de um povo remotíssimo/que busca/a escritura em trevas”.
Outro poema de José Emílio Pacheco que lhes apresento é “Alta traição”: “Não amo minha pátria./Seu fulgor abstrato/é inato.//Mas (embora soe mal)/daria a vida/por dez lugares seus,/certas pessoas,/portos, bosques de pinheiros,/fortalezas,/uma cidade desfeita,/cinzenta, monstruosa,/várias figuras de sua história,/montanhas/e três ou quatro rios”.
Finalmente, trago-lhes este poema intitulado “Caverna”: “É verdade que os mortos também não duram/nem sequer a morte permanece./Tudo volta a ser pó.//Mas a cova preservou seu enterro.//Aqui estão alinhados/cada um com sua oferenda/os ossos próprios de uma história secreta.//Aqui sabemos a que sabe a morte./Aqui sabemos o que sabe a morte./A pedra deu vida a esta morte./A pedra se fez lava de morte.//Tudo está morto/Nesta cova nem sequer vive a morte”. (do livro “Ilhas à deriva”).
Encerro estas considerações, dando voz a José Emílio Pacheco, com a seguinte revelação que fez, que mostra como a nossa atividade ainda não é devidamente reconhecida e nem valorizada mundo afora: “Quando se tem 14 anos, tem-se tanta vergonha de escrever, que nem nos atrevemos a contá-lo aos colegas de classe. Mais tarde, também não se pode dizê-lo. Não parece uma coisa séria. Uma vez, quando preenchia um formulário, escrevi que era escritor e a funcionária disse-me: ‘Isso não é profissão!’. Escrevi, então; ‘trabalha por sua conta’”. Muitos de nós, certamente, já passamos por isso. E não gostamos, evidentemente.
Boa leitura.
O Editor.
Caros leitores, boa tarde.
O mexicano José Emílio Pacheco é tido e havido como o legítimo sucessor do seu compatriota Octávio Paz. É verdade que (ainda) não ganhou o Prêmio Nobel de Literatura, como ocorreu com seu conterrâneo. Mas é mera questão de tempo. Afinal, acaba de receber uma das mais cobiçadas premiações das letras íberoamericanas, o Prêmio Cervantes 2010, pelo conjunto de sua obra, sobretudo a poética.
Nascido na Cidade do México em 1939, desde muito jovem destacou-se no cenário literário do seu país. Curiosamente, porém, esse destaque não se deu em decorrência de uma linguagem inovadora, como a maioria dos poetas modernistas, da vanguarda e do que se convencionou rotular de pós-vanguarda, mas exatamente pelo contrário. Ou seja, ganhou projeção e notoriedade pelo seu rigoroso domínio das formas clássicas de poetar. Isso, porém, sem que perdesse modernidade, sobretudo pelo enfoque bastante amplo, universal, de sua temática.
Pouco conhecido (ainda) no Brasil, José Emílio logo se tornará celebridade também por aqui, principalmente agora, depois que conquistou o Prêmio Cervantes, a maior premiação de língua espanhola da atualidade. Ela premia, alternadamente, em um ano, escritores da Espanha e em outro, dos demais países da América Latina.
Embora se destaque como poeta, é, a exemplo de seu ilustre compatriota, Octávio Paz, igualmente exímio ensaísta, além de romancista e excelente tradutor. Aliás, por causa dessa habilidade, trabalhou como diretor, e editor de inúmeras coleções bibliográficas estrangeiras e suplementos culturais. José Emílio levou seu talento e experiência para a universidade, como professor universitário (de Literatura, obviamente) e atuou, ainda, como pesquisador a serviço de entidades ligadas ao governo do México.
Como se vê, esse escritor maduro e realizado conta, aos 70 anos (vai completar 71 em 30 de junho), com currículo invejável que inclui diversos prêmios de muito prestígio, como o “Nacional de Poesia”, o “Nacional de Jornalismo Literário” (é jornalista também), o “Xavier Villaurrutia”, o “Magda Donato”, o “José Asunción Silva”, o “Oct´[avio Paz” (em 2009), o “Federico Garcia Lorca” (2005), o “Iberoamericano de Poesia Pablo Neruda” (2004), o “Rainha Sofia de Poesia Iberoamericana” (2009) e, logicamente, o Cervantes.
Escritor prolífico, José Emílio Pacheco conta com extensa bibliografia poética, em que se destacam os livros: “Los elementos de la noche” (1963), “El reposo del fuego” (1966), “No me preguntes como pasa el tiempo” (1969), “Irás e no volverás” (1973), “Islas a la deriva” (1976), “Desde entonces” (1983) e “El silencio de l aluna”, com poemas que abrangem o período de 1985 a 1996.
Polêmico, não apenas em seus textos, mas em seus pronunciamentos públicos, José Emílio agradeceu o prêmio, ao recebê-lo, em 23 de abril passado, das mãos do Rei Juan Carlos, da Espanha, com um alerta sobre os perigos – naturais e advindos da ação do homem – que ameaçam o mundo. “A nuvem de cinza que cobre a Europa, deixou-me sem saber se poderia estar aqui hoje, mas isso não é nada comparado com a violência que se vive no México”, disse, referindo-se aos contratempos causados principalmente à aviação civil pela erupção do vulcão na Islândia.
“O horror vai ocupando até os oásis. Pensem em Cuernavaca, um lugar onde se ia para descansar. Dizia-se sempre que era o lugar da eterna primavera. Tornou-se tão terrível como Ciudad Juarez”, acrescentou.
Falar de um poeta, sem ao menos reproduzir um dos seus poemas que seja, é não dizer nada que realmente importe a seu respeito. Para não cometer esse equívoco, selecionei quatro de suas produções poéticas, que fiz questão de traduzir. O primeiro poema intitula-se “A quem possa interessar” e diz: “Que outros façam ainda/o grande poema/os livros unitários/as massudas/obras que sejam espelho/de harmonia.//A mim só me importa/o testemunho/do momento que passa/as palavras/que dita em seu fluir/o tempo em vôo.//A poesia que busco/é como um diário/onde não há projeto nem medida”.
O segundo poema que trago à sua apreciação é este “Aceleração da história”: “Escrevo umas palavras/e ao mesmo tempo/já dizem outra coisa/significam/uma intenção diferente/são já dóceis/ao Carbono 14/Criptogramas/de um povo remotíssimo/que busca/a escritura em trevas”.
Outro poema de José Emílio Pacheco que lhes apresento é “Alta traição”: “Não amo minha pátria./Seu fulgor abstrato/é inato.//Mas (embora soe mal)/daria a vida/por dez lugares seus,/certas pessoas,/portos, bosques de pinheiros,/fortalezas,/uma cidade desfeita,/cinzenta, monstruosa,/várias figuras de sua história,/montanhas/e três ou quatro rios”.
Finalmente, trago-lhes este poema intitulado “Caverna”: “É verdade que os mortos também não duram/nem sequer a morte permanece./Tudo volta a ser pó.//Mas a cova preservou seu enterro.//Aqui estão alinhados/cada um com sua oferenda/os ossos próprios de uma história secreta.//Aqui sabemos a que sabe a morte./Aqui sabemos o que sabe a morte./A pedra deu vida a esta morte./A pedra se fez lava de morte.//Tudo está morto/Nesta cova nem sequer vive a morte”. (do livro “Ilhas à deriva”).
Encerro estas considerações, dando voz a José Emílio Pacheco, com a seguinte revelação que fez, que mostra como a nossa atividade ainda não é devidamente reconhecida e nem valorizada mundo afora: “Quando se tem 14 anos, tem-se tanta vergonha de escrever, que nem nos atrevemos a contá-lo aos colegas de classe. Mais tarde, também não se pode dizê-lo. Não parece uma coisa séria. Uma vez, quando preenchia um formulário, escrevi que era escritor e a funcionária disse-me: ‘Isso não é profissão!’. Escrevi, então; ‘trabalha por sua conta’”. Muitos de nós, certamente, já passamos por isso. E não gostamos, evidentemente.
Boa leitura.
O Editor.
Não o conhecia, mas adorei ler os poemas de JOSÉ EMÍLIO PACHECO. Adorei sobre a mudança da significação das palavras, mas destaco sobre a morte: " É verdade que os mortos também não duram/nem sequer a morte permanece./Tudo volta a ser pó." Maravilhoso poder falar da morte. No ocidente faz-se de conta que morrer não existe, exceto em casos extremos. Há coisa mais extrema que a morte?
ResponderExcluir