Obra sobrepuja o autor
Há
casos e mais casos em que a obra de determinada pessoa sobrepuja, em
fama e prestígio, seu autor. Passados alguns anos de sua morte (ou,
mesmo em vida, o que é mais cruel), o que o sujeito fez é lembrado
em detalhes, mas seu nome é esquecido e ninguém fala dele. Acham
que estou exagerando?
Digam-me,
por exemplo, quem foi o inventor da roda? Que ela foi inventada, não
resta nenhuma dúvida. Quanto à utilidade dessa invenção, é
óbvia. Todavia, quem a inventou? Quando? Em que lugar? Duvido que
vocês saibam. Eu não sei.
Em
literatura isso também acontece. Alguns livros são tão famosos que
são citados em todas as partes do mundo. Em alguns casos, porém,
seus autores são lembrados com dificuldade, quando não
absolutamente esquecidos.
Querem
um exemplo? Digam-me, sem pestanejar, dois livros escritos por Pierre
Boulle. Não lembraram de nenhum? Não conhecem esse autor? Conhecem
sim, apenas não estão associando as coisas. Vou dar uma dica: suas
obras mais famosas foram transformadas em filmes de grande sucesso.
Ainda não se lembraram? Aí vai outra indicação: ambas películas
foram premiadas com vários Oscars. Está difícil?
Um
dos seus livros famosos é “La Planéte des singes”. Ainda não
mataram a charada? Essa obra, que vendeu toneladas de exemplares na
França, na verdade, não rendeu um único filme, mas seis. Continua
difícil?
Pois
é, o citado livro de Pierre Boulle, adaptado para o cinema, serviu
de enredo para os seguintes sucessos de público e de bilheteria: “O
Planeta dos Macacos”, “De volta ao Planeta dos Macacos”, “O
segredo do Planeta dos Macacos”, “Fuga do Planeta dos Macacos”,
“A conquista do Planeta dos Macacos” e “Batalha pelo Planeta
dos Macacos”. Ufa! Tantos filmes famosos e o sujeito que deu origem
a essas histórias praticamente esquecido!
Vocês
acham que se trata de caso único? Não é. O próprio Pierre Boulle
tem outro livro cuja fama ultrapassa seu autor. Trata-se da “A
Ponte do Rio Kwai” que, igualmente, rendeu vários Oscars aos que
participaram do filme. Dessa vez, o escritor também ganhou uma
estatueta, mas não propriamente em reconhecimento ao seu talento,
mas para “quebrar o galho” da Academia de Cinema de Hollywood.
Explico.
Na ocasião em que o filme foi apresentado como candidato à
premiação, o mundo testemunhava, atônito, o auge da guerra fria.
Nos Estados Unidos, estava em pleno andamento a “caça às bruxas”
do macartismo, que caçava “comunistas” por toda a parte, como se
estes fossem monstros perigosíssimos e letais (era isso, por linhas
transversas, que os meios de comunicação norte-americanos passavam
ao público).
O
roteiro de “A Ponte do Rio Kwai” havia sido adaptado pela dupla
Carl Foreman e Michael Wilson. Mas estes, a Academia não premiaria
nem com reza brava. Por que? Porque ambos eram suspeitos de serem
“simpatizantes do comunismo”, o que, na ocasião, era considerado
delito “gravíssimo”. Na verdade, nem eram.
A
Academia resolveu a questão dando o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado
ao autor do original, Pierre Boulle. Claro que na França esse
escritor era e é conhecidíssimo. Além de publicar 24 livros, entre
ficção e não-ficção, foi herói de guerra durante a 2ª Guerra
Mundial. Na ocasião, trabalhava como engenheiro (sua profissão
original) na Malásia. Tão logo o conflito começou, uniu-se à
Resistência, ao Movimento França Livre, liderado, no exílio, pelo
general Charles De Gaulle.
Fez
mais. Serviu como agente secreto em vários países da Ásia sob o
codinome de Peter John Rule. Foi condecorado com praticamente todas
as principais medalhas existentes na França. Estão vendo? Como
vocês conseguiram esquecer um sujeito destes? Mas, para fazer-lhes
justiça, tenho certeza de que, se não se lembraram do autor, tinham
e têm suas obras mais famosas bem na ponta da língua. Estão vendo
como não exagerei quando afirmei que isso acontece, e com
frequência?
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Nem de longe eu suspeitava de algo assim. Beinteressante sua abordagem.
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