Aldeia
e mundo
*
Por Pedro J. Bondaczuk
“Agora
que me vou é que me deixo
ficar
perdidamente nesta estrada:
vou
numa roda viva, mas sem eixo,
numa
coisa futura, mas passada.
Vou
e não vou e assim se vai compondo
o
que me está aos poucos dividindo:
não
a zoada azul de um marimbondo,
mas
a certeza de um amor tão lindo.
Alguma
coisa vai ficando, além do
tempo
em que me dou e me reparto:
ficou
meu coração, ficou batendo,
batendo
na penumbra de algum quarto.
Ficou
o que mais quero e vai comigo:
molharam
nalgum curso os seus cabelos
para
compor as novas semifusas
dos
meus silêncios, dos meus atropelos.
Mas
no curso dos dias que há por dentro
de
cada um de nós, na nossa história,
alguém
por certo encontrará o centro
de
tudo que ficou na trajetória.
E
o que ficou, ficou: raiz noctuma
enterrada
nas ruas, nos quintais;
vento
varrendo o pó de alguma furna,
chuvas
de pedra, alguns trovões, Goiás”.
Vocês conhecem o autor deste magnífico poema? Caso a resposta seja negativa, não sabem o que estão perdendo. Estes versos, intitulados “No curso do dia”, são do poeta, ensaísta e crítico literário goiano Gilberto Mendonça Teles. O poema que reproduzi está no livro “Saciologia goiana” (é “sa” mesmo e não “so”; vem de saciedade e não de sociologia). Com mais de meio século de atividade, este escritor erudito, mestre de literatura, tem que ser lido e estudado por todos os que frequentam este complicado, mas fascinante mundo das letras. E há uma profusão de livros dele para ler. Só dos que consegui catalogar, são 23 de poesias e mais 14 de ensaios. Provavelmente, a quantidade é muito maior. Mesmo que não seja, todavia, convenhamos, trata-se de uma obra das mais consideráveis (e notáveis).
Neste
país de dimensões continentais, via de regra, escritores que não
residem e/ou não atuem no eixo Rio/São/Paulo/Belo Horizonte tendem
a ser pouco divulgados, a despeito da qualidade de sua produção. É
uma pena que isso ocorra. Não sei se este é o caso de Gilberto
Mendonça Teles. Espero que não. Ocorre que li poucas referências,
quase nenhuma, a seu respeito nas seções de literatura dos grandes
jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro. Atribuo o fato à
desinformação dos editores. Afinal, Gilberto Mendonça Teles,
membro da Academia Goiana de Letras, é o escritor goiano mais
conhecido no mundo, com livros traduzidos para diversos idiomas e
publicados nos principais países da Europa. Convenhamos, não é
pouca coisa.
Nacionalmente,
também firmou prestígio nos meios literários, quer por sua
erudição, quer pela criatividade. Entre suas inúmeras conquistas,
tem um feito que raríssimos escritores já conseguiram: recebeu o
Prêmio Machado de Assis, considerado a maior premiação literária
brasileira (uma espécie de “Nobel tupiniquim”), outorgado pela
Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de sua obra. Como veem,
não exagero quando afirmo que quem não conhece sequer uma obra
deste escritor conta com contundente lacuna em sua cultura.
Fiquei
conhecendo os magníficos textos de Gilberto Mendonça Teles quase
que por acaso. Em 1984, meu amigo dileto e companheiro de redação
no Correio Popular de Campinas, o poeta e jornalista mineiro, natural
de Ouro Fino, Maurício de Moraes (já falecido), deu-me de presente
um livro, com a capa bastante machucada e com páginas grifadas com
lápis vermelho do início ao fim e recomendou-me que lesse com
atenção e que não me limitasse a ler, mas o estudasse, como ele já
havia feito (daí o estado lamentável do volume). Como sou um
sujeito enjoado com essa questão de ordem, mandei o exemplar para a
encadernadora, antes mesmo de ler. E ele voltou com aspecto de novo,
pelo menos por fora, já que os grifos não havia como apagar. Mas
estes até que me ajudaram na leitura.
E
querem saber qual foi esse livro? Foi “Drummond, a estilística da
repetição”, justamente de Gilberto Mendonça Teles, lançado pela
Livraria José Olympio Editora, em 1970, em comemoração ao jubileu
de esmeralda do poeta de Itabira. O lançamento integrou a magnífica
coleção “Documentos Brasileiros”. Oportunamente, prometo
analisar em detalhes essa obra.
E
por que o Maurício me deu especificamente este livro, de tanta
estimação sua e que lhe fora tão útil, e não outro qualquer, de
sua autoria, por exemplo? Por saber da minha apreciação (diria
veneração) por Carlos Drummond de Andrade, a quem não tive, é
verdade, o privilégio de conhecer pessoalmente, mas com o qual
troquei algumas cartas (naquele tempo, nem se sonhava com a
existência dos e-mails, recorde-se). Gilberto Mendonça Teles
detectou, no estilo drummondiano, uma característica que, num poeta
inábil ou sem tanta habilidade, seria desastroso, mas que no
menestrel de Itabira é uma virtude, um charme a mais, uma façanha
acessível a poucos: a repetição de palavras.
Li
o extenso e detalhado ensaio, em forma de livro, primeiro num só
sopro. Depois, como se faz com aquelas comidas deliciosas que não
comemos cotidianamente, mas apenas em raras ocasiões especiais, fui
“degustando”, por um tempo cuja extensão nem sei determinar,
parágrafo a parágrafo, meditando sobre o que lia, voltando atrás
quando algum conceito um pouco mais complexo não ficava bem
“digerido” e, com isso, pude perceber a toda a extensão da
genialidade de Carlos Drummond de Andrade.
Ler
sobre o poeta de Itabira, para mim, é imensa satisfação, quase um
delírio. Lê-lo, então, é um êxtase. E não me canso de escrever
a seu respeito, o que sua vasta obra me propicia sem cessar. Quanto
mais escrevo sobre ela, mais tenho a escrever. Mas, confesso, passei
a ver seus poemas com outro enfoque, sob outro prisma, dando-lhes
ainda maior valor, desde que li o livro de Gilberto Mendonça Teles
(que parece que foi reeditado em 2005). E isso há já 34
longos anos! Voltarei, certamente, a tratar, oportunamente, destes
dois magníficos poetas.
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de
Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do
Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções,
foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no
Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios
políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas),
“Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da
Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º
aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53,
página 54. Blog “O Escrevinhador” –
http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Como entrada ficou ótima.
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